Celso de Mello critica fala de Lula sobre votos do STF: ‘Constituição não privilegia o sigilo’

O ministro aposentado Celso de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

O ministro aposentado Celso de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), se uniu ao coro de críticas dirigidas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após o petista defender nesta terça-feira, 5, o sigilo nos julgamentos da Corte.

Para o ministro, as sessões e votos no STF devem ser públicos, como já ocorre, com transmissões ao vivo dos julgamentos pela TV Justiça e documentos disponíveis para consulta no portal institucional do tribunal. “A Constituição da República não privilegia o sigilo”, afirma.

Celso de Mello passou 31 anos no Supremo e avalia que a transparência ajuda a conferir ‘legitimidade’ às decisões judiciais.

“Os estatutos do poder numa República fundada em bases democráticas não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo, que tem na transparência a condição de legitimidade dos próprios atos, sempre coincide com tempos sombrios e com o declínio das liberdades fundamentais”, acrescenta o ministro, que declarou voto em Lula na última eleição.

Mais cedo, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o ministro Marco Aurélio Mello, também aposentado do STF, atribuiu a Lula um ‘arroubo de retórica’. “Ele (Lula) não pode pensar o que divulgou”, criticou.

O comentário de Lula foi feito no contexto de críticas ao ministro Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente e recém-indicado por ele ao STF. Zanin virou alvo da esquerda em seu primeiro mês no tribunal, após votos considerados conservadores em pautas de costumes e permissivos em ações sobre direitos humanos.

Lula defendeu que o voto secreto ajudaria a proteger os ministros de ‘animosidades’. “Se eu pudesse dar um conselho, é o seguinte: a sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Sabe, eu acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber”, disse no programa ‘Conversa com o Presidente’, live semanal produzida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). “Do jeito que vai, daqui a pouco um ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua, não pode mais passear com a sua família, porque tem um cara que não gostou de uma decisão dele.”

COM A PALAVRA, CELSO DE MELLO

“Corretíssima a afirmação do Presidente Lula quando sustenta a essencialidade do dever de cumprimento das decisões judiciais, especialmente daquelas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

É que não pode haver ordem democrática sem que os poderes constituídos respeitem as decisões judiciais, mesmo porque nenhuma autoridade do Estado, por mais elevada que seja a sua condição hierárquica, tem o direito de descumprir ou de transgredir uma decisão judicial, especialmente quando emanada da mais Alta Corte Judiciária.

Não posso concordar, no entanto, com a afirmação do Presidente da República de que os cidadãos não precisam conhecer as razões que motivam e fundamentam as decisões dos Ministros da Suprema Corte!

Não se pode negar ao cidadão, em uma sociedade estruturada em bases democráticas, o direito de conhecer os motivos que levam um magistrado a proferir seu julgamento, pois, nesse domínio, há de preponderar, sempre, um valor maior, representado pela exposição ao escrutínio público dos processos decisórios em curso no Poder Judiciário!

Os estatutos do poder numa República fundada em bases democráticas não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo, que tem na transparência a condição de legitimidade dos próprios atos, sempre coincide com tempos sombrios e com o declínio das liberdades fundamentais!

A Constituição da República não privilegia o sigilo! Ao contrário, ela dessacralizou o mistério como “praxis” governamental, notadamente no âmbito do Poder Judiciário!

Nos modelos políticos que consagram a democracia – que é, por excelência, o regime do poder visível – não há espaço possível reservado ao mistério, como adverte Norberto Bobbio!

É por tal razão que não se pode sonegar à cidadania a possibilidade de acesso às razões que fundamentam os julgados dos Ministros do Supremo Tribunal Federal!

A transparência constitui pressuposto legitimador das decisões judiciais!

Sempre enfatizei, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, que o estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos estatais, como as decisões judiciais, como expressivo valor constitucional, incluindo-o, tal a magnitude desse postulado, no rol dos direitos, das garantias e das liberdades fundamentais!

Em síntese: Concordo com o Presidente Lula quando ele sustenta a necessidade de respeito às decisões judiciais e às instituições da República.

Discordo, porém, quando ele afirma não ser necessário que o cidadão conheça as razões que motivaram a decisão do Ministro do STF”.

Rayssa Motta/Fausto Macedo/Estadão

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