Com onda de violência, Salvador coloca policiais armados nos postos de saúde
Foto: Rafaela Barbosa/Folhapress |
Policiais armados em postos de saúde, atendimentos suspensos e pedidos de transferência por parte de funcionários. Esse é o cenário de serviços de saúde em Salvador, em mais um capítulo da crise de segurança enfrentada pelo governo Jerônimo Rodrigues (PT) na Bahia, com aumento da disputa entre facções e escalada da letalidade policial.
Ao menos sete unidades da rede municipal de saúde fecharam as portas neste ano, em definitivo, segundo a SMS (Secretaria Municipal de Saúde), seja por ocorrências na própria unidade, como assaltos, seja por episódios de violência no entorno, como tiroteios.
Além disso, 13 postos tiveram o fim do expediente antecipado ou a suspensão do atendimento prolongada por mais de um dia, por conflitos nos arredores. Foi o caso das USFs (Unidades de Saúde da Família) no Alto das Pombas e no Calabar, bairros que registraram tiroteios no último dia 4. Na ocasião, aulas também foram suspensas, em escolas e na Ufba (Universidade Federal da Bahia).
Casos de arrombamento e agressões contra profissionais se tonaram recorrentes desde o início da pandemia, afirma o Sindseps (Sindicato de Servidores Municipais), mas a situação se agravou nos últimos meses.
“Começamos a ver este ano uma rotina de assaltos, aumento de arrastões, furtos de celular e outros pertences nas portas e dentro das unidades”, afirma Bruno Carianha, diretor do Sindseps.
De acordo com levantamento do sindicato, ocorreram neste ano ao menos 20 casos de assalto, arrombamento e agressão contra profissionais em unidades de saúde espalhadas por Salvador. Houve, ainda, uma tentativa de feminicídio na UBS (Unidade Básica de Saúde) Vila Matos, no Rio Vermelho, bairro turístico da cidade, em agosto —um homem armado atirou contra uma paciente na entrada da unidade.
Para efeito de comparação, no ano passado todo o sindicato registrou um assalto em posto de saúde —a entidade reconhece, contudo, que pode haver subnotificação.
Como resposta à crise, policiais militares têm sido deslocados para fazer a segurança de alguns postos de saúde. Agentes da Guarda Civil Municipal também são escalados para fazer vigilância, a partir do pagamento de horas extras.
A SMS não informou em quantos postos essas equipes atuam hoje. Disse, contudo, que está em andamento um estudo para redimensionar o tamanho do efetivo de vigilância necessário para “acompanhar a mancha criminal”.
Segundo estimativa do Sindseps, policiais militares e guardas-civis estão atualmente em 30 a 50 postos, de um total de 160 UBSs e USFs.
Com o objetivo de implementar protocolos de gestão de risco e crise nos serviços públicos essenciais, servidores da Secretaria Municipal de Gestão de Salvador passaram, na semana passada, por um treinamento oferecido pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha para órgãos da Prefeitura de Salvador localizados em áreas de conflito.
Os assaltos e arrastões costumam acontecer nas unidades quando se formam as filas de pacientes na porta, à espera de atendimento.
“Eu sei que o posto não exige que a pessoa venha às 4h da manhã para conseguir consulta, mas eu tenho que vir ou então preciso ficar do lado de fora, em uma fila, esperando. Já deixei de conseguir [atendimento] duas vezes porque cheguei às 6h, mas não me sinto segura para chegar antes”, diz Silvana Araújo, paciente da UBS Vila Matos, no Rio Vermelho, bairro turístico da cidade.
Na avaliação de Lilia Cordeiro, enfermeira de saúde da família na UBS São Cristóvão, quem perde com a interrupção de serviços é a população de regiões periféricas.
“Muitas mães têm só um dia para levar o filho para tomar uma vacina e encontram o posto fechado porque houve algum caso de violência. Mas estão nos permitindo suspender o atendimento [devido à violência]. Temos feito rodas de terapia. O maior sintoma entre os profissionais são mãos e faces trêmulas”, diz.
PEDIDOS DE TRANSFERÊNCIA
Com o aumento da falta de segurança, profissionais de saúde têm pedido transferência.
“Há uma evasão de profissionais do Subúrbio Ferroviário e Cajazeiras [bairros da periferia de Salvador], que pedem para trabalhar na área central da cidade. Muitos têm adoecido com problemas psiquiátricos e psicológicos por traumas, como foi o caso de Sussuarana, em que profissionais tiveram armas apontadas contra eles”, afirma Carianha, do Sindseps.
No último dia 25, um homem armado fingiu ser paciente e assaltou funcionários da USF (Unidade de Saúde da Família) Sussuarana, no bairro de mesmo nome.
A secretaria confirma ter recebido pedidos de transferência, mas alega se tratar de solicitações pontuais.
De acordo com Maria Cecília Minayo, professora emérita da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e pesquisadora na área de violência, é justamente sobre a saúde que recaem as consequências da crise na segurança pública.
“Os efeitos da violência incluem mortes indiscriminadas e feridos por armas de fogo e também sofrimento das populações que vivem em áreas de risco, com prejuízos à saúde emocional e mental dos que perderam pais, filhos, parentes ou têm inválidos e sem condições de trabalhar”, afirma.
Luana Lisboa/Folhapress
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