Rendimentos do Tesouro Direto disparam apesar da queda da Selic; entenda
Desde a última quarta-feira (27), os investidores encontram títulos de longo prazo do Tesouro Nacional pagando inflação mais 6% de taxa. Em cerca de dois meses, os títulos indexados ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) com vencimento em dez anos passaram de uma taxa de 5,16%, no início de agosto, para 5,88% agora.
Os ganhos ocorrem mesmo com a queda da Selic (taxa básica de juros), que já teve duas reduções seguidas de 0,5 ponto e está atualmente em 12,75% ao ano.
A disparada das taxas no Tesouro Direto acontece sobretudo por conta do cenário externo, segundo analistas consultados pela reportagem. Os rendimentos dos títulos do Tesouro americano de dez anos vêm renovando recorde de alta, e se encontram no maior patamar desde 2007. Desde o fim de julho, sobem cerca de 70 pontos-base.
Segundo os analistas, o mercado de juros americano vem reagindo ao tom do recado do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) em sua última decisão, quando a autoridade monetária abriu as portas para novas elevações na taxa básica neste ano. Os títulos dos EUA são impactados também pela deterioração fiscal do país, cuja dívida pública equivale hoje a 98% do PIB (Produto Interno Bruto).
O analista de renda fixa da Nova Futura Investimentos, André Alírio, diz que há uma preocupação dos efeitos da manutenção dos juros em nível muito elevado por mais tempo nos EUA. Segundo Alírio, o Federal Reserve tem focado agora esforços unicamente no controle da inflação, desprezando por ora a atividade econômica.
O especialista ressalta que, embora haja sinais da resiliência da economia americana, juros altos por um longo período após um tempo turbulento neste pós-pandemia podem impactar o mundo corporativo e o cenário de crédito no país, colocando em dúvida a liquidez do setor bancário.
Segundo o estrategista-chefe da Warren Rena, Sérgio Goldenstein, com o ambiente externo adverso, vários fundos brasileiros acabaram dando ordem de venda dos ativos, o que pressionou ainda mais as taxas de juros futuros no Brasil. “Houve redução do apetite de risco”, diz.
Goldenstein afirma que a situação do mercado de juros dos EUA acaba afetando os países emergentes, cujas moedas têm se desvalorizado em um nível semelhante ao observado com o real, que voltou ao patamar dos R$ 5.
Além do componente externo, Goldenstein pondera que, no ambiente doméstico, vários operadores que estavam posicionados para uma trajetória de queda mais intensa da Selic foram pegos no contrapé, o que também pressiona os rendimentos dos títulos do Tesouro, apesar dos últimos cortes na Selic.
Segundo o especialista, o Banco Central tem colocado uma barra alta para uma intensificação do nível de corte da Selic para além do 0,5 ponto, como aconteceu nas duas últimas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária).
A planejadora financeira Larissa Frias, do C6 Bank, também chama atenção, no ambiente doméstico, para as incertezas com o cenário fiscal, o que eleva os prêmios de risco para os investidores comprarem as dívidas do governo. “A tarefa de zerar o déficit no próximo ano tem se mostrado cada vez mais complexa e o novo arcabouço fiscal deu aval para o governo gastar mais do que deveria”, afirma.
Segundo a especialista, após a aprovação do marco fiscal, o mercado tem visto ao longo dos meses uma dificuldade maior do que em um primeiro momento para a equipe econômica cumprir suas metas fiscais. A queda na arrecadação e os anúncios de necessidade de bloqueios no orçamento, por exemplo, têm preocupado os operadores.
Frias ressalta que o aumento de gastos que o governo federal tem sinalizado deve pressionar ainda mais no longo prazo a inflação, que tem sofrido revisões para cima.
Goldenstein, contudo, vê um movimento exagerado do mercado de juros doméstico observado nos últimos dias. “Vejo gordura para os prêmios serem devolvidos”, diz.
É HORA DE COMPRAR TÍTULOS DO TESOURO?
André Alírio diz que a decisão sobre aproveitar o atual pico dos rendimentos do Tesouro Direto vai depender do perfil de risco e dos objetivos do investidor. Para o longo prazo, pensando em previdência, as taxas altas são interessantes.
Porém, devido às incertezas do cenário fiscal, há um risco maior em comprar títulos com vencimentos mais longos. Afinal de contas, a probabilidade é de uma oscilação maior do mercado no longo prazo.
“Portanto, mesmo que o investidor perca o pico nas taxas, ele pode entrar futuramente de uma forma mais confortável”, diz.
Independentemente da escolha do investidor, Alírio orienta não alocar todo o dinheiro em um título de uma vez. O investidor pode fazer aportes no Tesouro Direto aos poucos.
Stéfanie Rigamonti/Folhapress
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