Rui Costa e Jaques Wagner racham e duelam em guerra fria no governo Lula
Aliados há mais de quatro décadas, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), tomaram caminhos distintos e protagonizam uma espécie de guerra fria com disputas de bastidores na Bahia e no núcleo duro do governo Lula (PT).
O racha ficou explícito no início do ano, quando Wagner criticou abertamente a indicação da esposa de Rui para uma vaga no Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia. Enquanto aliados confirmam a briga interna, ambos afirmam em público que seguem afinados e com boas relações.
“Não tem briga nenhuma. Em algumas coisas podemos pensar diferente e isso não é problema. Isso só mostra que é um grupo arejado, que defende as liberdades. Mas não apostem em nenhuma divisão que é uma bobagem”, disse Wagner em agosto em entrevista a jornalistas na Bahia.
As disputas internas no governo, no entanto, explicitam o racha, e a falta de sintonia entre os dois fica clara, por exemplo, em debates sobre escolhas de nomes para cargos importantes.
Na corrida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), Rui é um defensor da indicação do presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, enquanto Wagner prefere o advogado-geral da União, Jorge Messias, que foi seu assessor no Senado.
Na briga pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), a divisão entre os dois chegou a ser apontada como um dos motivos para que nenhum dos baianos conseguissem compor a lista eleita pelo tribunal para ser enviada ao Executivo.
Rui apoiou nos bastidores a indicação de Roberto Frank, e Wagner fez campanha por Maurício Kertzman. Ambos são desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia e nenhum conseguiu os votos suficientes para compor a relação encaminhada ao Palácio do Planalto.
Jaques Wagner e Rui Costa são amigos há mais de 40 anos e despontaram como líderes do antigo Sindicato dos Químicos e Petroleiros, uma das entidades sindicais mais fortes do Polo Industrial de Camaçari.
Em 2007, quando Wagner tomou posse como governador, Costa passou a integrar o núcleo duro do governo, primeiro como secretário de Relações Institucionais, depois como chefe da Casa Civil.
No cargo, se cacifou para a sucessão e foi indicado por Wagner como candidato a governador em 2014. Na escolha, Wagner contrariou Lula, que preferia o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli para a disputa.
Importantes petistas da Bahia afirmam, porém, que o processo de distanciamento se iniciou ainda no primeiro mandato de Rui, inclusive, por iniciativa de Wagner, que preferiu dar liberdade para seu sucessor tomar as decisões no governo.
O afastamento se transformou em atrito na sucessão de 2022. Rui Costa se movimentava para renunciar ao governo e concorrer ao Senado, deixando o governo nas mãos do vice João Leão (PP).
Além disso, trabalhava nos bastidores para lançar sua esposa, Aline Peixoto, para deputada federal, o que só seria possível, segundo a lei, caso o marido não estivesse à frente do Executivo local.
Wagner, por sua vez, sempre defendeu que o PT tivesse um nome na disputa. Chegou a se colocar como candidato, mas acabou desistindo no início de 2022. Nos bastidores, afirmou que só aceitaria disputar o pleito se fosse candidato de consenso, o que não seria possível devido à resistência de Rui.
No entanto, como tem maior influência interna, manteve a tese da candidatura própria e derrotou internamente a articulação do então governador, o que resultou no rompimento do PP de Leão, que almejava um mandato de governador-tampão.
Dias depois, no lançamento da chapa liderada por Jerônimo Rodrigues (PT), Rui Costa chorou ao falar da amizade com Jaques Wagner, falou em gratidão e disse que havia uma tentativa de “plantar intrigas” entre os dois.
Após as eleições que deram vitória a Jerônimo, Rui e Wagner voltaram a medir forças na formação do secretariado do novo governador, trabalhando para emplacar aliados em postos-chave da administração.
Mas os embates escalaram após a indicação de Peixoto para disputar uma vaga no Tribunal de Contas dos Municípios, cargo vitalício com salário de R$ 42 mil.
Wagner criticou a indicação a aliados, mas evitou dar declarações públicas sobre a disputa. O cenário mudou em fevereiro, quando o petista disse em entrevista ao portal “Metro1” que não concordava com a indicação da esposa do aliado.
Semanas depois, Aline Peixoto foi escolhida para o cargo com maioria na Assembleia Legislativa e Wagner não voltou a falar sobre o assunto. Mas, desde então, cada qual corre em sua própria raia.
Ambos voltaram a discordar sobre a sucessão para a Prefeitura de Salvador. Rui Costa tentou emplacar José Trindade (PSB), que acabou desistindo de concorrer à prefeitura. Wagner, por sua vez, defende que o PT concorra com o deputado estadual Robinson Almeida ou apoie o vice-governador Geraldo Júnior (MDB).
A divisão entre os dois criou um cenário de indefinição que promete se arrastar pelos próximos meses, sob desconfianças e críticas de aliados. A decisão final caberá ao governador Jerônimo Rodrigues, que se equilibra para não melindrar seus dois principais padrinhos políticos.
No cenário político da Bahia, Rui Costa tem maior influência entre partidos aliados do governador e se movimentou para dar musculatura ao Avante, partido que cresceu na esteira do rompimento com o PP. Jaques Wagner, por sua vez, tem maior influência dentro do PT, onde prevalece nas disputas internas.
Entre aliados de Wagner, existe uma visão de que o ministro da Casa Civil quer se manter como protagonista, faz sombra ao governador Jerônimo e não desapega de questões paroquiais da Bahia. Políticos mais próximos a Rui afirmam o contrário e apontam que Wagner quer reafirmar sua liderança.
Os embates já têm como pano de fundo as eleições de 2026, quando ambos planejam concorrer ao Senado. Serão duas vagas em disputa por estado, mas partidos aliados reivindicam ao menos uma das vagas e rejeitam uma chapa 100% petista.
Também pleiteiam uma vaga na chapa o senador Angelo Coronel, que quer concorrer à reeleição, e o ex-deputado federal Ronaldo Carletto, cuja influência política cresceu após assumir a presidência estadual do Avante.
Mesmo com as tensões, aliados descartam um possível rompimento entre Rui e Wagner. Consideram que seria um movimento prejudicial para ambos e criaria instabilidade na base de Jerônimo Rodrigues.
Também lembram que o grupo político adversário foi derrotado em 2006 justamente quando houve uma divisão interna entre aliados do então governador Paulo Souto e do então senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007).
Procurados, nenhum dos dois quis comentar.
Matheus Teixeira/João Pedro Pitombo/Folhapress
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