Casamento sob bênção de Malafaia uniu Bolsonaro de vez a evangélicos e projetou Michelle
O noivo e o pastor esperavam numa antessala da Mansão Rosa, espaço de festas no Rio cercado pela Floresta da Tijuca. Estavam de papo furado até que o homem de terno cinza chumbo, um deputado do PP que navegava nas raias do baixo clero, falou sobre onde se via dali a cinco anos.
“Ele se virou e disse assim: ‘Vou ser o presidente do Brasil, porque senão ninguém vai segurar esta esquerda'”, conta Silas Malafaia, à frente da igreja frequentada na época pela terceira mulher que Jair Bolsonaro (PL) desposaria.
Hoje, o pastor admite que perguntou se o interlocutor estava ficando maluco. “Eu mesmo não acreditei que seria possível.”
Entre militares, um ou outro nome do Judiciário e gente de direita em geral, o católico Jair e a evangélica Michelle se casaram uma década atrás sob a bênção do líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
Nos anos que viriam, Bolsonaro consumaria seus votos presidenciais, numa vitória folgada sobre Fernando Haddad (PT) em 2018, estreitaria seus laços com evangélicos, a fatia religiosa que mais cresce no Brasil, e veria sua mulher ganhar um capital político a princípio impensável para uma ex-assessora parlamentar que se manteve discreta durante a maior parte da carreira do marido.
A data do casório não foi escolhida a esmo: 21 de março de 2013, aniversário de 58 anos de Jair e véspera do dia em que Michelle completaria 31 anos.
Ela selecionou orquídeas brancas para a lapela dele e usou um vestido de renda francesa com aplique floral –criação de Marie Lafayette, também por trás das vestes matrimoniais das mulheres de Eduardo e Flávio Bolsonaro, além do longo da primeira-dama na posse de Bolsonaro, no 1º de janeiro de 2019.
Michelle apareceu em uma reportagem de capa da Festejar Noivas RJ sobre “o sim do casal Bolsonaro”, com declarações da dupla.
Ela lembrou à revista que os dois já eram casados no civil, o que aconteceu em 2007, três anos antes de nascer a filha que têm juntos. Laura veio após Bolsonaro reverter uma vasectomia a pedido da esposa e, em 2017, ganhou do pai o rótulo de “fraquejada”, por ser menina após uma leva de quatro filhos homens.
“Esperamos o momento certo para receber a bênção de Deus”, afirmou Michelle. Jair também se declarou: a ex-funcionária, disse, “estava a 10 metros de mim e não enxergava, pois vivia um momento em que tudo parecia não dar certo”.
Até ele resolver “novamente buscar a felicidade” e reviver um sentimento de “esperança e alegria” que o fez “voltar aos tempos de cadete da Academia Militar das Agulhas Negras”.
Foi uma festa com muito refrigerante e quase nada de álcool, rememora o ex-assessor Waldir Ferraz, apelido Jacaré, amigo do noivo desde 1988, ano em que Bolsonaro venceu seu primeiro pleito, para vereador do Rio pelo Partido Democrata Cristão.
O desembargador Egas Moniz estava na lista de convidados, que não teve nomes de quilate político. Dois presentes só recordam da presença do primogênito de Bolsonaro, o hoje senador Flávio. É famosa, nos bastidores do poder, a antipatia recíproca entre Michelle e o vereador Carlos, o filho 02 do marido.
Bolsonaro celebrou a amizade quando, em 2022, morreu Moniz, que foi tenente do Exército. Aproximaram-se nos anos 1980, após o juiz preconizar que o capitão recém-transferido à reserva das Forças Armadas um dia seria presidente. Também lhe cedeu uma máquina de xerox que tirava sete cópias por minuto, para ajudar na campanha à Câmara Municipal carioca, contou o político no ano passado.
Diz Malafaia que Bolsonaro precisou ser enquadrado para se casar no religioso. Michelle havia um tempo ia à sua igreja, mas não podia ser membro oficial por morar com um homem com quem não era unida aos olhos de Deus. O arranjo feria as regras internas.
“Você vive com ela, ela tem uma filha sua, e não se decide se quer casar com ela”, reproduz a bronca que deu no parlamentar. “E ele: ‘Você faz meu casamento então?'”
Silas e Jair se aliaram nos anos 2000, quando a Câmara discutia o PL 122, um projeto de lei que criminalizava a homofobia. Os dois, claro, do mesmo lado, contra o que viam como “ativismo gay”.
Malafaia se ressentiu por Bolsonaro “não o defender como deveria” quando, em 2017, ele foi indiciado sob suspeita de lavagem de dinheiro. O religioso chegou a vociferar contra a “direita radical” que “prega que quer fechar o Congresso”, o que de fato Bolsonaro fez em 1999.
Em desagravo ao marido, Michelle trocou a Vitória em Cristo por uma igreja batista. As desavenças foram superadas e, na corrida eleitoral do ano seguinte, o pastor se tornou o canal mais ativo entre as igrejas evangélicas e o deputado que, cinco anos antes, confidenciou-lhe que cobiçava o Palácio do Planalto.
Pois foi feita a sua vontade.
Naquele março, Jair e Michelle trocaram alianças ao som de “Jesus, Alegria dos Homens”, de Bach, numa cerimônia colorida por laranja, amarelo e o mesmo rosa do vestido que ela usou na posse presidencial e na publicidade de uma linha de produtos de beleza que pôs no mercado em 2023.
Por muitos anos, também em tons pastéis eram as ambições políticas dela.
Ela discursou em Libras no dia em que Bolsonaro assumiu o Planalto, defendendo a inclusão, e se fantasiou de Branca de Neve para divulgar um programa que pilotou durante o governo passado, o Pátria Voluntária, extinto por Lula.
Seu engajamento seguia a praxe esperada para primeiras-damas, historicamente associadas a atividades assistenciais, sem maior protagonismo durante o mandato do marido.
Bissextas, suas declarações públicas reforçavam o papel de “bela, recatada e do lar” primeiro atribuído à sua antecessora Marcela Temer, casada com Michel Temer (MDB).
Apareceu mais no ano eleitoral de 2022, quando outorgou às mulheres a missão de ser “mãe, esposa e ajudadora” do homem. Também disse que o marido “é imbrochável, incomível e imorrível” no programa do bolsonarista Sikêra Jr.
Foi também na segunda tentativa de Bolsonaro de conquistar a Presidência, esta perdida para Lula, que a oratória de Michelle surpreendeu o mundo político. A retórica, de forte apelo cristão, emergiu na convenção do PL. Discursou então: “Sejam fortes, queridos. Sejam fortes e corajosos. Não negociem com o mal. Esta luta não é contra homens e mulheres, é contra potestades e principados”.
Em março, antes de Bolsonaro voltar da temporada na Flórida pós-fracasso nas urnas, Michelle virou presidente do PL Mulher. As apostas para que ela concorra em 2026 crescem no bolão de Brasília. Ao Senado, sugerem os cautelosos. Por que não a presidente ou vice?, perguntam os mais ambiciosos. O ex-presidente está inelegível por ordem do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O casal atravessou junto na alegria do triunfo eleitoral de 2018, e agora na tristeza do escândalo que o levou às garras da Justiça. Jair e Michelle são investigados por supostos desvios de presentes que ele ganhou enquanto presidente, incluindo joias milionárias dadas pela Arábia Saudita.
Em evento do PL Mulher, a ex-primeira-dama ironizou que, de tanto ser questionada, lançaria uma linha chamada “Mijoias”. Dias depois, os dois decidiram silenciar sobre o caso diante da Polícia Federal.
Anna Virginia Balloussier / Folhapress
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