Defesa de Adélio cobra transferência e denuncia violação de direitos a órgão internacional
O responsável pela defesa de Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada no então candidato a presidente Jair Bolsonaro, acionou a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) para pedir a transferência dele da Penitenciária Federal de Campo Grande para uma unidade de tratamento de saúde mental.
O defensor público da União Welmo Rodrigues, que representa os interesses de Adélio na Justiça e detém sua curadoria (responsabilidade legal), solicita que a entidade determine ao Brasil a adoção de medidas emergenciais que garantam o respeito aos direitos humanos do interno.
O caso busca responsabilizar o Estado brasileiro e tramita sob sigilo, aguardando despacho da comissão, ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos). Procurada, a AGU (Advocacia-Geral da União), que defende o país nessas circunstâncias, disse não ter sido notificada oficialmente.
O autor do atentado a Bolsonaro durante a campanha de 2018 foi declarado inimputável (sem condição de responder por seus atos). Ele cumpre medida de segurança, uma espécie de internação em substituição à pena, na capital de Mato Grosso do Sul, para onde foi levado na época do fato.
Ele passou por uma reavaliação psiquiátrica em 2022 que renovou sua permanência na penitenciária até 2024. Como mostrou a Folha em setembro, a situação chegou a um impasse, já que Adélio se recusa a tomar remédios para controlar o quadro de transtorno delirante persistente.
A DPU (Defensoria Pública da União), órgão vinculado ao governo federal, considera a estrutura da penitenciária inadequada para o tratamento e diz que, sem uma abordagem apropriada, o estado mental do autor vem se deteriorando, como apontam laudos médicos.
Rodrigues solicitou à CIDH uma série de medidas cautelares, argumentando haver gravidade e urgência. A principal delas é assegurar que Adélio cumpra a medida de segurança internado em estabelecimento da área de saúde mental e tenha acesso a um plano terapêutico individualizado.
“A urgência advém do fato de que ele está em um lugar que compromete sua saúde mental”, diz o defensor.
O membro da DPU vê violação aos direitos à vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais, à saúde e à igualdade, todos listados na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Outros pleitos do defensor são para que ele, no papel de curador, possa dar consentimento a tratamentos e que o paciente seja protegido contra interferências indevidas em sua privacidade, já que sua segurança é motivo de preocupação pelo contexto político.
Rodrigues, que atua no caso desde 2021, questiona a manutenção de Adélio em um ambiente exclusivamente prisional. Na penitenciária, o autor da facada ocupa uma cela de 6 m² de onde só pode sair para um banho de sol diário de duas horas —que ele costuma evitar.
As demandas da DPU foram levadas à Justiça brasileira, mas têm sido negadas pela interpretação de que o interno mantém a condição de periculosidade, já que ainda manifesta delírios e ameaças, e corre risco de vida fora do sistema federal.
O STF (Supremo Tribunal Federal) e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) referendaram o entendimento de instâncias inferiores ao analisarem recursos e decisões.
Outro entrave a uma eventual transferência é a falta de vagas em hospitais de custódia no país. Como Adélio é mineiro e já expressou a vontade de ser levado para o estado, unidades em Minas Gerais foram consultadas, mas descreveram um cenário de superlotação e longas filas de espera.
Na visão de Rodrigues, a necessidade de preservar a vida do interno e as deficiências carcerárias nacionais não podem ser usadas como pretexto para suprimir seus direitos. O defensor também contesta a manutenção do assistido em um ambiente prisional mais rigoroso do que o indicado.
A penitenciária tem posto médico, mas a própria unidade admite que a estrutura é imprópria para uma terapia psiquiátrica completa, que exige equipe multidisciplinar e abordagem personalizada.
O integrante da DPU quer convencer a CIDH de que há danos potencialmente irreversíveis caso o autor da facada continue confinado por tempo indeterminado nas atuais condições. Laudos médicos informando a deterioração do quadro mental de Adélio foram anexados ao pedido.
Tanto peritos nomeados pela Justiça quanto indicados pela defesa coincidem na avaliação de que a penitenciária federal —para onde são levados presos perigosos, como membros de facções criminosas— é inadequada para a execução de medida de segurança de internação.
A estrutura de saúde é destinada apenas a atendimentos básicos, sem rotina de acompanhamento psiquiátrico ou atividades terapêuticas fora das celas. O MPF (Ministério Público Federal) já afirmou nos autos que a situação de Adélio configura “tratamento desumano e degradante”.
Embora não seja obrigado a acatar decisões da CIDH, o Brasil costuma implementar recomendações da comissão pelo princípio da boa-fé existente no direito internacional.
Rodrigues não descarta fazer uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que está um grau acima no sistema da OEA, e afirma que é preciso chamar a atenção para casos de outros presos brasileiros que atravessam conjuntura parecida.
O Brasil já foi condenado na corte por um episódio envolvendo saúde mental, no caso conhecido como Ximenes Lopes.
Neste mês, o tribunal considerou concluído o processo, 24 anos depois da morte de Damião Ximenes Lopes, paciente que sofreu maus-tratos em um hospital psiquiátrico de Sobral (CE). O país se comprometeu a adotar medidas para que o problema não se repita.
Uma eventual decisão favorável a Adélio chegará em um momento de transição no tratamento a presos com transtornos psiquiátricos. Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu o fim dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátricos, conhecidos como manicômios judiciários.
Rodrigues diz não ter indicação de para onde o autor da facada poderia ser transferido. Ele defende que Adélio ocupe uma vaga no sistema de saúde sob controle da Justiça —mas sem a rigidez da penitenciária.
“A expectativa é que progressivamente ele tenha acesso a tratamento ambulatorial. Pode demorar um ano, 10 ou 20 [anos], mas ele não pode ficar em internação a vida toda”, diz o membro da DPU.
“Como defensor público federal e curador dele, não posso ser omisso. Tenho que fazer o que estiver ao meu alcance para que ele tenha os direitos assegurados. Não nego a ocorrência da facada nem a gravidade do fato, mas não é algo que se resolva cometendo outras infrações”, afirma ele.
Joelmir Tavares/Folhapress
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