Haddad evita cravar déficit zero, irrita-se com perguntas sobre meta fiscal e abandona entrevista
O chefe da equipe econômica disse que precisará de apoio do Congresso Nacional e do Judiciário para cumprir o objetivo, ainda mais incerto depois de fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que “dificilmente” o governo alcançará essa meta.
“O que levei para o presidente foram os cenários possíveis, se tiver de antecipar medidas para 2024, eu encaminho. O meu papel é buscar o equilíbrio fiscal, farei isso enquanto estiver no cargo, não é por pressão do mercado financeiro, acredito que Brasil, depois de dez anos, precisa voltar a olhar para contas públicas”, afirmou.
Apesar de dizer que tem alternativas, o ministro disse que só vai anunciar o teor das medidas quando elas forem validadas pelo presidente Lula.
Questionado diversas vezes por jornalistas sobre a manutenção ou não do alvo de déficit zero, o titular da Fazenda não foi assertivo. “A minha meta [está] estabelecida. Vou buscar o equilíbrio fiscal de todas as formas justas e necessárias para que tenhamos um país melhor”, disse ele.
Haddad negou descompromisso do presidente com situação fiscal do país e disse que Lula não está sabotando a meta de zerar o déficit em 2024, mas constatando dificuldades por problemas de arrecadação herdados de governos anteriores.
“O presidente [Lula] não está sabotando. O que tá acontecendo é que presidente está constatando problemas advindos de decisões que podem ser reformadas, e as que não podem ser reformadas, serem saneadas”, disse Haddad.
Na sexta-feira (27), o jornal Folha de S.Paulo publicou um editorial intitulado “Lula sabota o país”, destacando que o presidente cria problemas e força alta dos juros ao largar a meta de déficit zero.
“Não há por parte do presidente [Lula] nenhum descompromisso [com a meta fiscal], pelo contrário, se não estivesse preocupado com situação fiscal não estaria pedindo apoio da equipe econômica para orientação dos líderes [do Congresso Nacional]”, afirmou o ministro.
As declarações foram dadas por Haddad em entrevista a jornalistas na sede da pasta, em Brasília, depois de encontro com o presidente Lula no Palácio do Planalto. Participou também da coletiva o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, que não se pronunciou.
Haddad mostrou irritação durante a entrevista e chegou a se levantar para ir embora enquanto uma repórter fazia uma segunda pergunta, após o primeiro questionamento dela ter buscado uma resposta mais clara sobre a manutenção ou não da meta de déficit zero. O ministro acabou respondendo de pé e longe dos microfones.
O chefe da equipe econômica respondeu aos jornalistas em certos momentos chamando-os de “meu querido” e “minha querida”. Em um dos casos, falou para uma repórter fazer o trabalho dela, após ser questionado qual seria a empresa mencionada por ele que tinha empregado uma estratégia para pagar menos impostos —segundo ele, os dados são públicos.
Durante a entrevista, Haddad listou duas medidas tomadas em 2017 e que, segundo ele, estão corroendo a arrecadação federal e provocando a erosão da base fiscal do país.
A primeira é uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que tirou o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Nesse caso, prosseguiu Haddad, o problema é que a decisão retroagiu, criando créditos tributários para as companhias.
O ministro citou o exemplo de uma empresa fabricante de cigarros –sem dizer qual– que conseguiu um crédito tributário de PIS/Cofins de R$ 4,8 bilhões. “O consumidor pagou o PIS/Cofins, a empresa recolheu para a Receita, e a Justiça está mandando devolver o tributo não para o consumidor, mas para a empresa que não pagou esse tributo”, disse.
A segunda medida foi tomada pelo Congresso Nacional e permitiu o abatimento da base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) das subvenções concedidas pelos estados.
De acordo com Haddad, houve um salto de R$ 39 bilhões em 2017 para R$ 200 bilhões projetados para 2023 a menos na conta por conta disso, com impactos negativos sobre as parcelas dos fundos de participação dos estados e dos municípios. As medidas foram chamadas por ele de “ralos fiscais”.
“Os três Poderes precisam estar cientes do que está acontecendo”, disse Haddad, destacando que a arrecadação do governo federal vem sofrendo enorme prejuízo, mesmo com a melhora do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Segundo o ministro, Lula pediu para o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) convocar uma reunião com os líderes no Congresso para que seja apresentado o cenário de erosão fiscal aos parlamentares. Haddad também já discutiu as pautas fiscais no STF com o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.
Em café com jornalistas no Palácio do Planalto na sexta, o presidente Lula disse que a meta fiscal não precisa ser de déficit zero, como quer Haddad, e que “dificilmente” o governo alcançará esse objetivo –o que provocou disparada das taxas de contratos de juros futuros. Para o presidente, um déficit correspondente a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) não seria nada.
Logo após a declaração do presidente, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator do projeto de diretrizes orçamentárias para 2024, disse entender a fala como um comando para que a mudança seja sacramentada no Congresso Nacional.
O parlamentar afirmou também que a fala do chefe do Executivo coloca o ministro da Fazenda “num certo constrangimento” na medida em que a autoridade máxima do país admite que a meta traçada para o próximo ano não é factível.
Segundo interlocutores do governo ouvidos pela reportagem, a declaração de Lula pegou membros do Executivo de surpresa, inclusive da equipe econômica, com quem não houve qualquer tipo de combinado prévio.
A fala do presidente acendeu um alerta porque ocorreu no momento em que a Fazenda tenta negociar maior celeridade na aprovação de medidas cruciais para equilibrar o Orçamento do ano que vem.
Nathalia Garcia/Lucas Marchesini/Folhapress
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