Paralisia do Conselho de Segurança é moralmente inaceitável, diz Mauro Vieira na ONU

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, fez um duro discurso em nome do Brasil no Conselho de Segurança da ONU nesta segunda-feira (30). Na véspera do fim da presidência brasileira do órgão, o chanceler disse que o conselho tem “repetida e vergonhosamente fracassado” em sua resposta ao conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

Vieira afirmou que, enquanto mais de 8.000 palestinos foram mortos em Gaza, incluindo 3.000 crianças, “o Conselho de Segurança faz reuniões e ouve discursos, sem ser capaz de tomar uma decisão fundamental: acabar com o sofrimento humano em terreno”.

“Tanques e tropas estão no terreno em Gaza, e o tempo para agir está acabando. Minhas perguntas a todos vocês são: se não agora, quando? Quantas vidas mais serão perdidas até que nós finalmente passemos do discurso para a ação?”, questionou o brasileiro.

Desde a eclosão do conflito, quatro resoluções foram propostas no órgão mais importante da ONU: duas pela Rússia, que não obtiveram o número mínimo de votos, uma pelo Brasil, vetada pelos EUA, e uma americana, vetada por Rússia e China.

“Nós continuamos em um impasse em razão de divergências internas, particularmente entre alguns dos membros permanentes, e graças ao uso persistente do Conselho para alcançar seus próprios propósitos, em vez de colocar a proteção de civis acima de tudo”, disse o ministro, em alusão ao embate entre americanos, chineses e russos.

Os três países, mais França e Reino Unido, têm assento permanente no Conselho e, portanto, poder de vetar resoluções. Os europeus, no entanto, não fazem uso do instrumento desde 1989. Com o acirramento do antagonismo entre Washington, de um lado, e Moscou e Pequim, de outro, a guerra de vetos tem levado o Conselho a uma paralisia nos principais conflitos atuais: Ucrânia versus Rússia e Israel versus Hamas.

“As graves e sem precedentes crises humanas diante de nós exigem que rivalidades estéreis sejam abandonadas. O fato de o Conselho não ser capaz de cumprir sua responsabilidade de salvaguardar a paz e a segurança internacionais devido a antigos antagonismos é moralmente inaceitável”, completou Vieira.

Ele fez um apelo para que os membros mostrem vontade política para fazer concessões e sejam “minimamente equilibrados e inclusivos em seu diagnóstico” e próximos passos.

O pedido mira, novamente, os membros permanentes, sobretudo EUA e Rússia. Enquanto americanos são fortes aliados de Israel e vêm sendo criticados pelo apoio a Tel Aviv diante do desastre humanitário em Gaza, russos são acusados de não trabalharem por uma solução, apresentando resoluções unilaterais com objetivo meramente retórico.

O custo do fracasso em responder à crise, afirmou Vieira, vai recair também sobre “o multilateralismo, as Nações Unidas e este conselho, em particular”.

Em aparente ato falho, o ministro falou inicialmente “Estados Unidos” (United States, em inglês) em vez de “Nações Unidas” (United Nations). Ao final do discurso, após ser alertado pelo embaixador brasileiro na ONU, Sérgio Danese, ele repetiu a frase para fazer a correção.

Vieira defendeu que uma resolução precisa ser aprovada para permitir o fim das hostilidades e, assim, a entrada de ajuda humanitária em Gaza, assim como condições de trabalho para os envolvidos no resgate de reféns e no trabalho humanitário.

Diante das divergências em torno da linguagem a ser utilizada –muitos países, como os árabes, Rússia e China, pedem um cessar-fogo, termo rejeitado pelos americanos, que concordaram com “pausa humanitária”—, o ministro defendeu que a violência precisa acabar “por meio de qualquer modalidade que possa ser acordada sem mais delongas”.

Até agora, a ajuda humanitária que chegou a Gaza, viabilizada por um acordo costurado por americanos com Egito, Israel e ONU, é insuficiente, criticou o diplomata: “pouco mais que uma oportunidade de foto [marketing]”.

Além da entrada de suprimentos, como alimentos e combustível, e acesso de pessoal humanitário, o diplomata enfatizou a evacuação de cidadãos estrangeiros em Gaza. Um grupo de cerca de 30 brasileiros está na região, sem conseguir sair.

Sem citar Israel explicitamente, o brasileiro afirmou que, enquanto todo Estado tem o direito de defender seus cidadãos –justificativa de Tel Aviv para a ofensiva em Gaza–, as ações devem ser “consistentes com o direito internacional humanitário, em especial os princípios de distinção, proporcionalidade, precaução, necessidade militar, e humanidade”.

“O Brasil condena fortemente ações que borrem a linha entre civis e combatentes”, disse.

O ministro destacou que 35% dos 250 vetos por membros permanentes do Conselho de Segurança foram em temas relacionados ao Oriente Médio. O conflito entre Israel e Palestina é o que mais sofre bloqueios no órgão, sobretudo pelos EUA.

“Isso reflete a ineficiência do sistema de governança e a falta de representatividade de certas partes do mundo nesse organismo”, ecoando as críticas de longa data do Brasil à composição do Conselho de Segurança e a pressão por sua reforma.

Na semana passada, durante café com jornalistas, o presidente Lula (PT) também criticou o Conselho, e disse que a rejeição da resolução brasileira mostra por que o país quer acabar com o poder de veto pelos membros permanentes.

Em conjunto com os outros nove membros não permanentes, o Brasil trabalha na proposta de uma quinta resolução sobre o conflito. Ainda não há, contudo, previsão de votação do texto, em negociação.

Fernanda Perrin/Folhapress

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