Supersafra derruba preços e lota armazéns com soja e milho à espera de melhor cotação
Em anos anteriores, o produtor rural Cléber Veronese, que cultiva 480 hectares em Maringá, no norte do Paraná, já teria vendido toda a safra de soja e a metade da produção de milho. Hoje, no entanto, ele tem 25% da soja colhida em fevereiro e 90% do milho safrinha ainda para comercializar.
A menos de 100 quilômetros de Maringá (PR), em Cambé (PR), o agricultor Ademir Inocente, que planta 400 hectares, também decidiu atrasar a venda da safra. Ele comercializou só a metade da produção de soja de verão e não vendeu um único grão do milho de inverno.
“Quem pode está segurando uma parte da safra para tentar ganhar mais rentabilidade”, afirma Veronese. A estratégia usada por ele e Inocente tem sido adotada por muitos agricultores nos principais polos de produção de grãos do País.
Com uma sequência de boas safras de soja e milho, os preços dos grãos recuaram para o menor nível dos últimos três anos. E muitos produtores optaram por adiar a venda de parte da produção na expectativa de que as cotações tenham alguma recuperação.
A intenção é aumentar a rentabilidade e cobrir os custos da última safra de verão, considerada a mais cara da história. Por causa da guerra da Rússia com a Ucrânia que aumentou custos com logística e petróleo, os preços dos fertilizantes e dos defensivos explodiram.
Ao adiar a venda da produção, o problema de falta de capacidadade de armazenamento se agravou. Nos últimos anos, a escassez de silos não tinha sido sentida devido a quebras de safras. Além disso, como os preços dos grãos estavam em alta, a comercialização ocorria em ritmo acelerado e as safras não eram retidas.
Agora, no entanto, o quadro se inverteu: os preços das commodities caíram e a venda desacelerou. Os armazéns das cooperativas e das empresas, de uma forma geral, estão abarrotados com soja do ciclo 2022/23 e milho da safra de inverno, recém-colhida.
A Cocamar, por exemplo, que atua no Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo, tem 30% da última safra de soja dos cooperados para vender, 65% da de milho e a metade das produções de trigo e sorgo.
A capacidade estática de armazenagem da cooperativa hoje é de 2,2 milhões toneladas. Mas, entre soja, milho, trigo e sorgo, recebeu 4,2 milhões de toneladas. “A capacidade ideal (de armazenagem) seria de 3,2 milhões de toneladas, porque tem o giro da safra que entra no inverno e no verão”, explica o vice-presidente de Negócios, José Cícero Aderaldo.
Como faltou espaço para guardar grãos, a cooperativa recorreu ao aluguel de armazéns de terceiros e aos silos bag ou silos bolsa, as famosas “linguiças brancas”, que estão espalhadas pelo campo. Também fez um remanejamento de cargas entre as regiões de atuação. “Essa situação tem provocado uma ginástica para abrigar as safras”, diz Aderaldo.
A cooperativa também retomou os investimentos em armazenagem. Está aplicando R$ 300 milhões para ampliar em 300 mil toneladas a capacidade de estocagem. Os novos armazéns estarão prontos em fevereiro do ano que vem.
Com 31 mil cooperados no Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, a Coamo é outra cooperativa que buscou soluções alternativas de armazenagem. A capacidade estática da cooperativa é de 5,6 milhões de toneladas. “Está tudo lotado”, conta Airton Galinari, presidente executivo do estabelecimento.
No total são cerca de 7 milhões de toneladas de grãos armazenados na Coamo. E, para conseguir guardar os grãos, a cooperativa teve de apelar para silos bag, onde estão armazenadas 750 mil toneladas, silos infláveis e armazéns de terceiros – estes dois últimos somam mais 400 mil toneladas. Também criou mecanismos para estimular o produtor a vender a safra.
Exportação sem intermediários
Pela primeira vez, a cooperativa negociou diretamente a exportação de um navio com cerca de 60 mil toneladas de soja para a China. “Tiramos o intermediário, corremos risco, mas conseguimos remunerar um pouco melhor o produtor”, diz Galinari.
Outra saída tem sido oferecer desconto na compra de insumos da próxima safra, se o pagamento for feito em produto armazenado. A cooperativa também pretende fazer um investimento robusto em armazenagem. Normalmente ampliava entre 3% e 5% ao ano a capacidade estática dos silos. Agora a expansão anual deve beirar 10% em três anos.
“Nunca vendemos tantos silos bolsa”, diz Antonio Chavaglia, presidente da Comigo, cooperativa presente em 19 cidades do Sudoeste de Goiás, onde tem 11 mil associados. Neste ano, foram comercializados seis mil silos bolsa, o dobro do ano passado. Neste tipo de armazenagem o produto fica compactado como se como se tivesse sido embalado a vácuo.
Chavaglia confirma que a venda das safras de soja e milho estão lentas na sua região, mas os armazéns da cooperativa não estão abarrotados. Como os produtores sabem que têm de vender o milho armazenado na cooperativa até novembro e a soja até fevereiro de 2024, optaram por estocar os grãos na fazenda para poder adiar a venda por mais tempo. “Tem muito milho nas fazendas, em silos bolsa e em armazéns.”
Especulação arriscada
O menor nível de preço dos grãos dos últimos três anos reduziu o ritmo de vendas e desencadeou um arriscado movimento especulativo por parte dos produtores. A saca de soja, por exemplo, cotada em R$ 143,74 na última quarta-feira (25/10) no Porto de Paranaguá (PR), segundo dados do Cepea, está mais de 20% abaixo da mesma data de 2022. Em igual período, a saca de milho e a tonelada de trigo, cotadas a R$ 58,91 e R$ 1.071,37, respectivamente, recuaram 30,62% e de 41,16% em 12 meses.
Para quitar dívidas, há produtores que preferem pegar dinheiro no banco, pagar juros, do que vender a safra, conta Galinari, da Coamo. “O produtor perde duas vezes”, alerta. A aposta de que o preço da soja vai subir e trazer uma remuneração superior a despesa com juros “é um perigo muito grande”, argumenta o executivo.
Apesar da proximidade do período de entressafra nos próximos meses, quando normalmente a oferta diminuiu e os preços aumentam, a tendência para este ano é de que não ocorra uma forte recuperação das cotações, diz o economista José Carlos Hausknecht, sócio da consultoria MB Agro.
Com as recentes chuvas no Sul e a seca no Norte, ele pondera que o plantio da próxima safra não está numa situação ideal. Mas, na sua opinião, isso ainda não significa que haverá quebra de produção.
No entanto, essa não é a crença, por exemplo, do produtor Ademir Inocente, de Cambé (PR). “Estou com pé no chão, mas acredito que o preço possa subir por causa do cenário internacional de guerra e da seca no Norte que pode atrasar o plantio da próxima safra de soja”, diz o produtor.
Por esse e outros fatores, Hausknecht acredita ser prematuro esperar um aumento significativo das cotações. Ele lembra que nos dois últimos anos os preços muito bons dos grãos foram atípicos e hoje eles voltaram para um patamar normal.
Nesse sentido, Galinari conta que tem alertando os cooperados. O presidente da Coamo avalia que os preços dos grãos não devem subir tanto, a menos que ocorra um grande problema na próxima safra. “A saca de soja não vai sair de R$125 para R$ 200.”
Risco para 2024
O problema da falta de silos veio à tona porque houve um descompasso entre o ritmo de expansão da safra de grãos e a capacidade de armazenagem. Hausknecht aponta que entre 2013 e 2023, a produção de grãos cresceu 66% e a capacidade de armazenagem aumentou menos da metade, 30%. O economista ressalta que a falta de armazenagem pode se agravar com a entrada da nova safra em fevereiro de 2024, se a atual não for vendida.
Questionada sobre os gargalos na armazenagem, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, informa, por meio de nota, que a capacidade estática de armazenagem do Brasil é de 198,5 milhões de toneladas, para uma previsão de safra 2023/2024 de 317,5 milhões de toneladas.
Ela esclarece, porém, que a diferença entre a capacidade total dos silos no País e a previsão da safra de grãos não reflete um déficit de armazenagem real. “Existe a necessidade de aumentar a capacidade estática no Brasil, no entanto, esse quantitativo precisa ser melhor calibrado, respeitando as singularidades de que no Brasil se planta e colhe mais de uma safra ao longo do ano, levando em consideração todo o processo de escoamento dos grãos”, diz o comunicado.
A Conab reconhece que preços baixos para a soja e para o milho ao longo de 2023 influenciaram no escoamento mais lento da produção. Ressalta, porém, que há situações diferentes. No Mato Grosso, maior produtor de grãos, a safra foi de 93,6 milhões de toneladas e a capacidade estática de armazenagem é de 48,4 milhões de toneladas.
De acordo com a Conab, é “possível sentir o déficit de armazenagem causado pela falta de armazéns no Estado mato-grossense, pela retenção da soja da safra 2022/2023 e pela colheita do milho da segunda safra de 2022/2023. A presença de estruturas emergenciais de armazenamento, tais como silos bolsa e silos infláveis são provas desse déficit”, diz o comunicado.
O cenário de Mato Grosso, de acordo com a Conab, não se repete na mesma proporção em regiões de fronteiras agrícolas, como é o caso da Bahia. A Bahia tem capacidade de armazenar 7,2 milhões de toneladas e uma previsão de produção de 12,7 milhões de toneladas.
Segundo a Conab, o Plano Safra da Agricultura 2023/2024 prevê recursos para financiamento de armazéns. A companhia informa que “está desenvolvendo um estudo qualificado para melhor compreender o déficit de armazenagem no País e assim traçar estratégias de forma mais efetiva e eficaz”.
Estadão
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