Bolsonaro, Hezbollah no Brasil e brasileiros em Gaza: os pontos que elevam tensão entre governo Lula e Israel

Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil descartam, pelo menos por ora, a adoção de medidas consideradas drásticas do ponto de vista diplomático contra o governo israelense
Países que mantêm relações diplomáticas há décadas, Brasil e Israel vivenciaram, nas últimas semanas, uma série de episódios que, segundo diplomatas, criaram tensão entre os governos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A série de eventos que tensionou as relações entre os dois países tem como pano de fundo o conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas na Faixa de Gaza. O conflito começou no dia 7 de outubro, após uma série de ataques coordenados pelo Hamas que resultou na morte de pelo menos 1,4 mil pessoas.

Como resposta, Israel lançou uma campanha militar na Faixa de Gaza que, segundo o Ministério da Saúde da região, controlado pelo Hamas, já matou mais de 10 mil pessoas.

O governo brasileiro emitiu notas condenando os ataques praticados pelo Hamas, por um lado, e, por outro, tentou viabilizar uma resolução no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) que previa um cessar-fogo.

A resolução, no entanto, não foi aprovada.

Em meio à possibilidade de escalada no conflito, pelo menos três eventos vêm criando tensão entre os dois países: o encontro entre o embaixador do país no Brasil, Daniel Zonshine, com parlamentares de oposição e com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); a demora na liberação pelo governo israelense de brasileiros e seus familiares que tentam deixar a Faixa de Gaza para fugir do conflito; e as declarações de autoridades israelenses sobre uma operação da Polícia Federal que prendeu dois brasileiros suspeitos de fazerem parte do Hezbollah e planejarem uma série de ataques no Brasil.

Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil admitem que esses episódios afetaram as relações entre os dois países, mas descartam, pelo menos por ora, a adoção de medidas consideradas drásticas do ponto de vista diplomático contra o governo israelense.

Confira abaixo os detalhes dos episódios que vem abalando as relações entre Brasil e Israel.
Encontro entre Bolsonaro e embaixador de Israel
Demora na liberação de brasileiros
Um dos episódios que, aparentemente, gerou mais estresse nas relações entre os dois países foi o encontro entre o embaixador de Israel, Daniel Zonshine, com parlamentares de oposição e com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na quarta-feira (8/11), no Congresso Nacional, em Brasília.

Ao longo do encontro, os parlamentares usaram o evento para tecer críticas ao governo Lula. Bolsonaro, por sua vez, ficou conhecido nos últimos anos por ser um apoiador do Estado de Israel. Desde o início do conflito, ele fez críticas à atuação do governo Lula em relação à crise na Faixa de Gaza e associou o Hamas a Lula citando uma nota divulgada pelo grupo palestino parabenizando a vitória do petista nas eleições de 2022.

Em entrevista ao portal UOL, Zonshine disse, no entanto, que a ideia original do encontro não era transformá-lo em um evento político, mas mostrar imagens referentes aos ataques praticados pelo Hamas a alvos israelenses no dia 7 de outubro.

"A ideia do evento era demonstrar para representantes do governo brasileiro o que aconteceu no dia 7 de outubro. Convidamos parlamentares de vários partidos, incluindo o PT, para participar e para ver. Não era intenção fazer isso como um evento político", disse o embaixador ao UOL.

Em nota divulgada em suas redes sociais, a Embaixada de Israel diz que "a presença do ex-presidente não foi coordenada pela Embaixada de Israel e não era de conhecimento antes do evento, ocorrendo de forma fortuita".

A versão foi a mesma dada pelo advogado e ex-secretário de comunicação de Jair Bolsonaro, Fabio Wajngarten. Em seu perfil no X (antigo Twitter), o advogado disse que o encontro entre os dois aconteceu "de surpresa".

Um diplomata ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado, no entanto, classificou o episódio como "grave" e disse que, na avaliação do governo, Zonshine já vinha "inviabilizando" sua posição como representante do governo isralense no Brasil com atitudes como essa.

A presidente nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PT) criticou a postura do embaixador e classificou o encontro com Bolsonaro como uma intromissão indevida na política brasileira.

"Mais uma vez o embaixador de Israel no Brasil intrometeu-se indevidamente na política interna de nosso país, num ato público com o inelegível Jair Bolsonaro, realizado em pleno Congresso Nacional", disse a deputada em seu perfil no X.

No início do mês, Zonshine já havia se reunido com parlamentares do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Israel, composto por diversos deputados federais de oposição que criticaram a resposta do Brasil ao conflito na Faixa de Gaza como o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Fotos do encontro chegaram a ser divulgadas no perfil da Embaixada de Israel no X, antigo Twitter.

Também em outubro, o embaixador criticou uma resolução do PT sobre o conflito que disse que o governo de Israel realizava um "genocídio" contra a população da Faixa de Gaza. Em entrevista ao portal Poder 360, Zonshine disse que o partido havia perdido a "noção de humanidade".

Na ocasião, em meio a esses episódios, o embaixador israelense foi convidado para uma reunião no Itamaraty, o que na linguagem diplomática significa um estremecimento nas relações entre os países.

A BBC News Brasil questionou a Embaixada de Israel sobre as motivações do encontro entre Bolsonaro e Daniel Zonshine, mas nenhuma resposta foi enviada até o fechamento desta reportagem.

Em meio às críticas, um diplomata ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado disse nesta semana que a orientação no governo brasileiro é evitar "ruídos" nas relações entre os dois países e que o foco, agora, seria garantir a repatriação dos brasileiros e seus familiares que aguardavam, na Faixa de Gaza, autorização para irem ao Egito.

Segundo ele, o Brasil não tomaria nenhuma medida contra o embaixador antes de esse assunto estar resolvido.

A situação dos brasileiros na Faixa de Gaza, aliás, vinha sendo outro ponto de tensão nas relações entre os dois países.
Imagem de satélite mostra a passagem de Rafah, por onde alguns estrageiros e feridos já foram liberados de Gaza
Um outro ponto indicado por fontes diplomáticas ouvidas pela BBC News Brasil como complementar ao tensionamento das relações entre Brasil e Israel foi a demora do governo de Tel Aviv para liberar o grupo de 34 brasileiros e seus familiares que aguardam uma autorização do governo israelense para deixar a Faixa de Gaza pela fronteira com o Egito.

Um diplomata ouvido pela BBC News Brasil disse que o país não tomaria nenhuma medida diplomática mais drástica contra Israel como convocar seu embaixador o país enquanto o grupo ainda não tiver retornado ao Brasil.

Segundo ele, o Brasil não "brigaria com o dono da fila", em menção à fila de palestinos querendo deixar a Faixa de Gaza.

A evacuação de palestinos em direção ao Egito pela cidade palestina de Rafah foi uma das consequências dos intensos bombardeios israelenses à Faixa de Gaza. Milhares de pessoas se deslocaram do norte da região para o Sul com a expectativa de deixar a área em direção ao Egito.

A fronteira, no entanto, vem sendo mantida fechada pelas autoridades de Israel e Egito e a saída da Faixa de Gaza só vem ocorrendo por meio de listas elaboradas pelo governo israelense.

A primeira liberação ocorreu no dia 1º de novembro. Havia a expectativa de que o grupo de brasileiros seria liberado até quarta-feira (8/11), mas isso não aconteceu.

Na quinta-feira, o Itamaraty divulgou um comunicado afirmando que o ministro das Relações Exteriores, Eli Cohen, teria garantido ao ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, que os brasileiros seriam liberados a atravessar a fronteira nesta sexta-feira (9/11).

Até o momento da publicação desta reportagem, ainda não tinha sido confirmado se os brasileiros já atravessaram a fronteira.

No Brasil, começaram especulações sobre uma possível retaliação de Israel ao Brasil por conta de sua atuação na presidência do Conselho de Segurança da ONU durante o mês de outubro, quando o país tentou aprovar uma resolução prevendo um cessar-fogo. A proposta brasileira foi rejeitada com o veto dos Estados Unidos, principal aliado de Israel.

Outro motivo para a suposta retaliação seria o fato de o Brasil não classificar o Hamas como uma entidade terrorista, ao contrário do que fazem países como os Estados Unidos.

Oficialmente, o Itamaraty afirma que o Brasil segue a classificação feita pela ONU, que apesar de condenar os ataques praticados pelo Hamas, não classifica o grupo como terrorista.

Em comunicado divulgado pela Embaixada de Israel na quinta-feira, o país nega ter imposto dificuldades para liberar os brasileiros.

"Se afirma que o governo israelense jamais criou obstáculos ou preteriu a saída dos brasileiros de Gaza. Brasil e Israel têm laços fortes e fraternos desde a fundação do Estado de Israel e nosso esforço é para fortalecer cada vez mais essa amizade", disse um trecho do comunicado.

Na nota divulgada pelo Itamaraty na quinta-feira, a justificativa dada pelo governo de Israel para a demora na liberação dos brasileiros seria os "fechamentos inesperados na fronteira".

Durante uma reunião convocada pelo governo francês, em Paris, para garantir ajuda humanitária à população da Faixa de Gaza, Celso Amorim usou o termo genocídio para se referir às mortes de crianças causadas pelas ações militares israeleneses na região.

"A morte de milhares de crianças é chocante. A palavra genocídio inevitavelmente vem à mente", disse Amorim durante um discurso.

De acordo com o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, administrado pelo Hamas, pelo menos 10,5 mil pessoas morreram desde o início das ações militares israelenses na região. Desse total, aproximadamente 4,3 mil seriam crianças.

https://www.msn.com/pt-br/noticias/mundo

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