Pastor Sargento Isidório viveu tortura e drama familiar e pulsa contradições
Em um voo de rotina entre Salvador e Brasília, um homem negro de camisa social e gravata ergue uma Bíblia com a mão direita e faz orações em voz alta dentro do avião. Recosta-se na poltrona e dorme até o procedimento de pouso, quando repete o ritual.
Na capital federal, ele é 1 dos 513 deputados federais do país, 1 dos 27 que se declararam pretos nesta legislatura. É policial militar, pastor evangélico, mas passou longe do bolsonarismo e subiu no palanque do presidente Lula (PT) nas eleições presidenciais.
Deputado federal pelo Avante da Bahia, Manoel Isidório de Santana Júnior, o Pastor Sargento Isidório, 61, tem uma trajetória política marcada por dramas pessoais, mudanças de percurso e polêmicas em série.
Sua persona pública é associada ao uniforme militar, Bíblia na mão e réplica de botijão de gás no ombro, saltos acrobáticos e alcunha de doido. Mas a figura folclórica está na superfície do político que pulsa contradições e que oculta as feridas em gargalhadas.
Isidório é técnico em enfermagem, policial militar desde 1984 e ascendeu na tropa até chegar ao posto de sargento. Em 2001, participou de um motim de policiais durante o governo César Borges, então no PFL.
Preso durante a paralisação, foi levado a uma unidade militar na cidade de Simões Filho, vizinha a Salvador, e detido em um depósito sem cama, luz nem banheiro e repleto de produtos químicos. Nas madrugadas, era torturado psicologicamente por um coronel da Polícia Militar.
Por causa do contato com os produtos químicos, foi encontrado desacordado na prisão e socorrido para uma unidade hospitalar com quadros de crise convulsiva. Após ter alta, foi transferido para o hospital Juliano Moreira, especializado em psiquiatria e saúde mental.
“Quando a minha família me procurou, disseram que eu estava morto. Eu fui torturado, é uma triste memória do meu passado”, lembra o hoje deputado federal em conversa com a Folha. Em 2009, o coronel envolvido no episódio foi condenado por prática de tortura.
A participação no motim e o posterior afastamento da polícia foi a catapulta de Isidório para a política. Ele concorreu a deputado estadual em 2002 pelo PT e foi eleito com 44.559 votos, sendo o segundo mais votado do partido.
A votação expressiva foi resultado não apenas da base eleitoral de policiais militares. Desde 1991, Sargento Isidório também comandava uma comunidade terapêutica para tratamento de dependentes químicos em Candeias, cidade da região metropolitana de Salvador.
A Fundação Doutor Jesus firmou convênios com o governo estadual a partir das gestões do PT, em 2007, ampliou a estrutura para cinco prédios e atualmente abriga cerca de 1.300 internos. Com repasses que chegam a R$ 24 milhões por ano, a entidade recebeu R$ 122 milhões do Governo da Bahia desde 2015.
A entidade é alvo de investigação do Ministério Público do Estado da Bahia após internos relatarem uma rotina de castigos em reportagem do Fantástico, da TV Globo, no ano passado. Isidório nega irregularidades e diz que a fundação está de portas abertas para qualquer apuração.
A relação do deputado com a política é antiga. Isidório disputou todas as eleições entre 1988 e 2000, sendo derrotado em três disputas para vereador e uma para prefeito em Candeias, além de eleições para deputado estadual e federal.
Sempre teve relação com a esquerda e um histórico de embates com o grupo do senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007). Em 1986, ajudou na campanha vitoriosa de Waldir Pires (1926-1018), do MDB, para o Governo da Bahia. Nas campanhas presidenciais, estendia faixas de apoio a Lula na Fundação Doutor Jesus e participava de atos liderados pela CUT (Central Única dos Trabalhadores).
Após se tornar deputado estadual em 2003, entrou em rota de colisão com o PT por suas posições conservadoras, deixou o partido, mas manteve boas relações com a esquerda baiana.
Passou por PSC, Pros, PSB e PDT até chegar ao Avante em 2018, quando foi o deputado mais votado da Bahia com 323 mil votos. Nas últimas eleições, incorporou o Pastor ao nome político e se voltou para as pautas de costumes, criticando as relações homoafetivas e propondo “o dia do orgulho hétero”.
Há quatro anos, foi processado por Daniela Mercury após chamar a cantora, ativista da causa LGBTQIA+, de “escrava de Satanás”. Agora, está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República por suspeita de violência política de gênero e homotransfobia cometida contra a deputada Erika Hilton (PSOL-SP).
“São coisas que a gente fala sem pensar. Sou contra a intolerância”, minimiza Isidório. Ele diz não se opor à união civil entre pessoas do mesmo sexo, mas recentemente votou a favor de um projeto que visa proibir o casamento homoafetivo.
Em 2021, Isidório enfrentou seu mais duro baque: um de seus sete filhos, o deputado estadual João Isidório, morreu afogado aos 29 anos em uma praia na Ilha dos Frades, região insular de Salvador. Ele havia estreado nas urnas em 2018, atingindo a maior votação do estado, com 110 mil votos.
“Depois que perdi meu filho, fiquei deprimido. Ninguém é Super-Homem, né? Peço a Deus que guarde até os inimigos de um dia perderem um filho. Pai e mãe não foram feitos para enterrar filho”, lamenta.
O drama pessoal coincidiu com uma quase derrocada nas urnas. Em 2022, sua votação minguou para 77 mil votos, queda brusca que ele credita ao seu apoio a Lula em meio ao que chama de campanha de desinformação do bolsonarismo entre os eleitores evangélicos.
Mesmo sendo autodeclarado preto, a questão racial nunca esteve no seu foco de atuação parlamentar. Ainda assim, Isidório reconhece o racismo como uma chaga e como um obstáculo para os políticos negros no Brasil.
“Nós negros sempre vivemos mais dificuldades de acesso aos espaços de poder, principalmente por causa de um racismo velado que existe em tudo quanto é lugar”, afirma.
Antes de encerrar a conversa, propõe uma reflexão: “Imagine aí, se Jesus for da nossa cor, negão? Eu vou dizer ‘está vendo aí, vocês que ficaram se preocupando com nossa cor?’. Isso não existe, todos nós parecemos com Jesus.”
RAIO-X | PASTOR SARGENTO ISIDÓRIO, 61
Nascido no Salvador, é técnico em enfermagem, policial militar, pastor evangélico e lidera uma comunidade terapêutica em Candeias (BA) desde 1991. Participou de um motim da Polícia Militar em 2001 e, no ano seguinte, se elegeu deputado estadual pelo PT com 44,5 mil votos. Desde 2019, é deputado federal pelo Avante
João Pedro Pitombo/Folhapress
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