PRF vê suicídios crescerem entre agentes enquanto esconde dados de afastamento por doença mental
A PRF (Polícia Rodoviária Federal) tem visto o número de suicídios na corporação crescer nos últimos anos. Enquanto os dados aumentam, a corporação se nega a fornecer informações sobre afastamentos por doenças mentais.
Foram cinco suicídios em 2022 contra apenas um caso em 2021, segundo dados obtidos pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação). Em 2023, foram pelo menos três casos até o momento.
Os dados de afastamento por doenças mentais foram negados tanto pela corporação quanto pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública —no caso da pasta, após recurso em segunda instância.
A PRF afirma não dispor de uma ferramenta para separar as informações de afastamentos por doenças mentais. Por sua vez, o ofício da pasta —assinado pelo ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública)— cita “inexistência da informação”.
O próprio diretor-geral da PRF, Antônio Fernando Souza Oliveira, em entrevista à Folha em setembro, reconheceu a existência desses dados dentro da PRF. Ele não conseguiu explicar, na ocasião, por que as informações não foram disponibilizadas.
“Esses dados existem [afastamentos] e eu posso dizer que o suicídio é crescente. Nós temos, dentro da direção de gestão de pessoas, um grupo que faz esse estudo de como assistir os agentes”, disse.
Em nota, a instituição disse haver “caráter reservado nas informações solicitadas, que devem, portanto, ser tratadas com a devida cautela”. Além disso, destacou o que tem feito na área, como o Projeto Vida PRF, com 436 psicólogos e 16 psiquiatras credenciados que realizam atendimentos aos servidores. Foram abertos mais editais para contratação de especialistas.
Pablo Lira, presidente do Instituto Jones dos Santos Neves e professor de Segurança Pública da Universidade Vila Velha, diz ser importante divulgar os dados de afastamento para que políticas de enfrentamento possam ser pensadas em conjunto com a população.
“Saber quantas pessoas estão afastadas é um indicador importante para a gente saber o tamanho do problema. A gente tem que pensar em políticas com base em evidências científicas”, afirma, ressaltando a importância de se preservar a privacidade dos envolvidos.
Além da PRF, outras corporações têm visto os números de suicídios aumentarem.
Foram ao menos 531 casos de suicídios nos últimos cinco anos se somados os dados da PRF com aqueles de PF (Polícia Federal), Polícia Militar e Polícia Civil. Os dados foram obtidos via LAI e por meio do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O número equivale a uma morte a cada três dias de policiais no país de 2017 a 2022.
Na PF, o número de suicídios passou de zero em 2022 para quatro policiais da ativa em 2023 (em 2021, foram dois casos).
Desde 2018, a PF registrou mais de 200 afastamentos por ano de servidores por motivos psicológicos e psiquiátricos. O ápice desse cenário foi visto em 2021, quando 271 servidores precisaram se afastar por essas razões.
Segundos dados de 2022, a PRF tem cerca de 12,3 mil profissionais. Já a Polícia Federa supera 14,4 mil.
A assessora jurídica Mariana de Moradillo perdeu seu ex-marido, Alessandro de Moradillo, de 45 anos, em 10 de março deste ano, em Salvador (BA), por suicídio. O servidor dedicou 18 anos de sua vida como agente da PF.
Após enfrentar algumas perdas familiares, incluindo a do pai e do irmão, Alessandro começou a demonstrar mudanças de humor repentinas nos dois anos anteriores à morte.
Situações que anteriormente não o afetavam, como trocar de canal na televisão, o deixavam visivelmente irritado. Ele também desejou mudar da área operacional, de que tanto gostava, para a área administrativa.
Até aquele momento, segundo Mariana, ninguém imaginava que ele enfrentava alguma doença mental pois o viam como extremamente forte. Foi somente na última semana antes de seu falecimento que ele começou a chorar e fazer questionamentos existenciais, como sobre seu propósito no mundo e a existência de Deus.
Nesse momento, Mariana tomou a decisão de levá-lo a um psicólogo, mas ele fez somente duas sessões. Além disso, ela sugeriu a entrega da arma —mas ele recusou temendo um possível preconceito dos colegas de trabalho quando voltasse.
“É um lugar onde tem muitos homens e machismo, e eles acham que não podem ficar doentes. Eu imaginava que qualquer pessoa poderia se suicidar, menos ele porque sempre dizia estar bem. Hoje percebi que é preciso entender os pequenos sinais e, por isso, estou falando para que outras pessoas possam ter a chance de salvar um parente. O suicídio causou uma destruição em toda a família”, afirma.
A PF disse, em nota, contar com profissionais de saúde mental capacitados para identificar e lidar com transtornos mentais. A instituição disse também estar comprometida com a conscientização sobre o tema, investindo na capacitação de seus colaboradores, incluindo gestores.
Adicionalmente, estabeleceu a Coordenação-Geral de Saúde e implementou o programa Rosa dos Ventos. Essas iniciativas visam a fortalecer a cultura de pertencimento na organização, além de melhorar a qualidade de vida e o bem-estar de seus servidores.
Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que vários fatores podem justificar o crescimento dos casos. Entre eles, o aumento da violência nos últimos anos —o que intensifica a demanda de trabalho dos policiais.
Martins ressalta que a profissão policial envolve constantemente lidar com fatores estressantes e, em muitos casos, cargas horárias excessivas e remunerações insuficientes, levando muitos a buscar empregos adicionais para complementar a renda.
A especialista defende mudanças estruturais dentro da corporação. Para ela, somente oferecer serviços de apoio psicológico aos policiais não surtirá efeito se continuarem a ser submetidos a jornadas excessivas de trabalho, por exemplo.
“Nós lidamos mal com o tema na sociedade. No âmbito das polícias, lidamos ainda pior porque estamos falando de uma população que está desde cedo sendo preparada para reforçar valores de força e virilidade. São levados a entender que aguentam tudo, e isso certamente faz com que os policiais e instituição negligenciem aspectos de saúde muito importantes”, destaca.
Dentre as corporações estaduais, o número de suicídios cresceu em seis estados entre 2021 e 2022: Paraná, Goiás, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte. Nessas regiões, por exemplo, essa causa de morte é maior do que a gerada por confrontos em serviço.
O Paraná foi o estado com o maior crescimento de suicídios nas corporações estaduais. O número de casos na Polícia Militar passou de dois para cinco entre 2021 e 2022, um aumento de 150%. Por lá, houve apenas um caso de morte em confronto durante o mesmo período.
Martins diz que o número de suicídios pode ser ainda maior nas corporações. Em Minas Gerais, por exemplo, as informações são tratadas como sigilosas e não são disponibilizadas.
A Secretaria da Segurança Pública do Paraná disse, em nota, que está em vigor o Programa de Atenção à Saúde Mental, o qual proporciona assistência psicossocial para os servidores e familiares. Além disso, lançou a Operação Re-Conhecer, um projeto por meio do qual servidores passarão por atividades em grupo e individuais, com o objetivo de serem colhidos dados sobre a saúde mental e o ambiente de trabalho.
Já a PM do Rio Grande do Norte disse reconhecer que a saúde mental é uma preocupação crescente em toda a sociedade. Em 2022, disse ter admitido 78 profissionais de saúde para integrar os quadros da corporação.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará afirmou, por nota, que faz acolhimento, escuta e acompanhamento de servidores através da Assessoria de Assistência Biopsicossocial e outros órgãos.
Segundo o governo da Bahia, o Sistema Estadual de Segurança Pública está implementando um projeto de prevenção voltado a fatores que afetam a saúde mental de seus servidores. Goiás e Mato Grosso do Sul não responderam até o encerramento do texto.
SERVIÇO DE SAÚDE
Quem precisa de ajuda psicológica, o Centro de Valorização da Vida (CVV) do SUS (Sistema Único de Saúde) oferece auxílio por meio do telefone 141. Também é possível acionar os profissionais por meio do www.cvv.org.br.
O site Mapa de Saúde Mental (www.mapasaudemental.com.br) indica diversos tipos de atendimento e acolhimento especializado em saúde mental, automutilação, prevenção e posvenção do suicídio.
Os NPVs (Núcleos de Prevenção à Violência) são constituídos por ao menos quatro profissionais dentro das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e de outros equipamentos da rede municipal. Para acolher e resguardar as vítimas, os núcleos atuam em parceria com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar, a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
Raquel Lopes/Folhapress
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