Desmatamento foi crescente em projeto de carbono da Petrobras, e análise cita créditos irreais
O desmatamento na área do projeto de créditos de carbono comprados pela Petrobras passou a aumentar a partir do quinto ano de implementação da iniciativa, chegou ao ápice em 2020 e voltou a crescer em 2022.
É o que mostram dados do Prodes (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite) do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), sistematizados pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) a pedido da Folha.
Conforme os dados, o desmatamento na área do projeto no Acre foi de 6,8 hectares em 2011 e de 16,5 hectares em 2012, ano em que teve início o empreendimento para geração de créditos de carbono. Em 2017, houve desmate de 23,3 hectares.
A perda de vegetação seguiu superior aos anos anteriores do projeto em 2018, 2019 e 2020, ano em que atingiu 106,5 hectares. O desmatamento em 2021 e em 2022 foi de 53,7 hectares e 61,4 hectares, respectivamente, segundo os dados sistematizados pelo Ipam.
O levantamento mostra ainda a possibilidade de que os dados de desmatamento a ser evitado —usados como base para cálculo dos créditos— tenham sido inflados.
Até 2007, o desmatamento acumulado foi de 686,1 hectares. A perda de vegetação amazônica chegou a 1.048 hectares até 2022, ou 2,4% do total. O projeto chegou a prever um desmate evitado de 7.000 a 32.205 hectares somente no primeiro ano da iniciativa, bem superior ao que ocorria na prática.
O empreendimento se justificaria porque os donos da área planejavam desmatar 20% da propriedade para formar pastagem, conforme os documentos do projeto.
Uma análise feita pela organização Instituto Amazônia Livre, com sede em Manaus e com posição crítica a certificações feitas por empresas internacionais, como é o caso do projeto que forneceu créditos de carbono à Petrobras, aponta a criação de “créditos irreais”, por ter havido “alegações sem comprovação de plano de desmatamento de 20% no período de referência”.
“A taxa de desmatamento considerada como base nos cálculos de emissões de gases de efeito estufa utiliza índices do arco do desmatamento, e não da região da área do projeto”, afirmaram Rodrigo Lima e Antônio José Fernandes, diretores do Instituto Amazônia Livre, na análise feita a pedido da reportagem.
Para Francisco Higuchi, da empresa Tero Carbon, que atua com certificação de créditos de carbono a partir de metodologia nacional, o projeto que forneceu créditos à Petrobras deveria ter sido penalizado em razão dos desmatamentos constatados.
“Ao constatar desmatamentos e/ou degradação florestal na área do projeto, durante o ‘período de creditação’, o projeto deveria ter sido penalizado de alguma forma por não ter cumprido o básico de projetos de carbono florestal: governança sobre o imóvel”, disse Higuchi, em análise dos dados e documentos feita também a pedido da reportagem.
Em 5 de setembro, a Petrobras informou ao mercado ter comprado 175 mil créditos de carbono do projeto Envira Amazônia, que fica no Acre, a 40 km em linha reta da cidade de Feijó. Foi a primeira compra do tipo pela estatal, que não divulgou quanto gastou com a transação.
A Verra foi a empresa internacional certificadora dos créditos. O Envira Amazônia é desenvolvido por CarbonCo, com sede nos Estados Unidos, e JR Agropecuária e Empreendimentos, de Rio Branco, como consta nos documentos cadastrados na Verra.
Petrobras, Verra, CarbonCo e JR Agropecuária não responderam aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.
A propriedade onde os créditos são gerados é apontada como privada, com área de 200 mil hectares, dos quais 39,3 mil hectares são destinados à iniciativa —manter a floresta em pé, em vez de desmatá-la para a constituição de uma fazenda, e assim gerar os créditos de carbono como os comprados pela Petrobras.
Os 175 mil créditos de carbono do projeto equivalem a 175 mil toneladas de CO2 que seriam evitadas e a uma alegada preservação de 570 hectares de floresta, segundo a estatal.
A empresa anunciou um produto atrelado à compra de créditos de carbono: uma gasolina “carbono neutro”, com emissões de gases de efeito estufa que seriam compensadas pela aquisição dos créditos.
A geração de créditos de carbono ocorre a partir de atividades que evitem desmatamento e degradação da floresta. O instrumento que permite isso é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima.
Os créditos gerados são vendidos a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa, como é o caso de petroleiras como a Petrobras.
Reportagem publicada pela Folha em 13 de setembro mostrou a ocorrência de desmatamento na área do projeto; o uso de uma base de dados considerada “não plausível” pela associação das principais empresas do mercado de crédito de carbono no país —a Aliança Brasil NBS—; e a negativa de renovação do projeto pela Verra em maio de 2023.
Além disso, em 2018, a organização não governamental WRM (sigla em inglês para Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais) afirmou que famílias de seringueiros vivem há gerações na área e que há contestação quanto à propriedade do terreno.
Os documentos do projeto Envira Amazônia apontam a presença de comunidades extrativistas dentro e fora do imóvel rural.
Na ocasião, a Petrobras afirmou, em nota, que o projeto reportou um desmate de 464,8 hectares desde o início do empreendimento. “Tal reporte representa a contabilidade transparente requerida de um projeto de REDD+”, disse.
Segundo a estatal, “houve um amplo processo competitivo para selecionar a melhor proposta para a qualidade dos créditos previstos na operação”.
A empresa afirmou que existe um mecanismo chamado seguro de permanência, acionado em caso de perda de estoques de carbono. “O projeto prevê 23% de retenção de créditos a título de seguro de permanência. Os créditos de reserva podem ser cancelados para compensarem prejuízo.”
Vinicius Sassine/Folhapress
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