Mercosul e UE descartam acordo no curto prazo e negociam declaração para reduzir frustração

O Mercosul e a União Europeia negociam uma declaração pública sobre o futuro do acordo comercial entre os dois blocos. A ideia, de acordo com relatos feitos à Folha, é argumentar que as negociações sobre os termos do acordo não fracassaram e que o acerto continuará sendo perseguido pelas autoridades envolvidas apesar dos reveses dos últimos dias.

O comunicado também deve ressaltar que houve avanços técnicos nos últimos meses de negociação, abrindo espaço para entendimentos futuros, numa tentativa de reduzir as frustrações com o fato de que não deve haver anúncio de um texto de consenso para o acordo na cúpula do Mercosul, na quinta-feira (7), no Rio de Janeiro.

O governo Lula (PT) —que exerce a presidência de turno do Mercosul— tinha como meta anunciar o fim das negociações na reunião dos chefes de Estado, o que agora está descartado.

A definição dos termos do acordo entre os blocos é o passo inicial para que a proposta possa começar a tramitar nos dois blocos, onde precisa ser aprovada por parlamentos —e, no caso da UE, também pelo Conselho Europeu, que reúne os chefes de governo de todos os países do grupo.

A versão final do comunicado sobre as negociações ainda está em elaboração. O alinhamento do discurso será feito em uma reunião por videoconferência nesta terça (5). A reunião virtual também servirá para calibrar o tom da mensagem.

De acordo com pessoas a par das tratativas, um dos principais objetivos do texto é passar a mensagem de que as negociações serão retomadas tão logo haja a troca de governo na Argentina —a transição no país vizinho do peronista Alberto Fernández para o ultraliberal Javier Milei foi apontada como o principal entrave ao fechamento do acordo a tempo da cúpula no Rio.

O posicionamento dos argentinos foi determinante para o bloqueio nas negociações antes da cúpula do Rio, segundo relatos feitos à Folha. Na última quinta (30), eles informaram aos outros sócios sul-americanos que não tomariam qualquer decisão três dias antes da posse do novo presidente.

De acordo com o relato de uma pessoa que acompanha o tema, os negociadores do país vizinho argumentaram que a Argentina foi muito colaborativa ao longo do processo e esperou Brasil e Paraguai em transições de seus respectivos governos. Eles disseram que agora é o momento de os argentinos pedirem uma pausa nas discussões para troca presidencial.

Uma fonte do governo brasileiro disse que foi como se a Argentina tivesse jogado uma “dinamite” na sala, em uma reunião classificada como “intensa”.

Os sócios sul-americanos informaram o posicionamento do bloco aos europeus, que cancelaram a viagem que fariam ao Brasil para finalizar os termos do acordo comercial com o Mercosul. A rodada final de conversas ocorreria dias antes da cúpula do Rio.

A decisão colocou um freio nas negociações que avançavam nos últimos meses em ritmo acelerado, com reuniões semanais, impulsionadas pelo desejo do presidente Lula de anunciar a conclusão das negociações ao término do mandato do Brasil na presidência rotativa do Mercosul.

Ao lado do primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, em entrevista coletiva em Berlim, Lula disse que vai trabalhar pelo acordo enquanto puder, dizendo que não fechar a parceria depois de 23 anos de negociação seria irracional.

“Eu não vou desistir enquanto não conversar com todos os presidentes e ouvir o ‘não’ de todos”, disse Lula. “Só posso dizer que não vai ter assinatura quando terminar a reunião do Mercosul e eu tiver o ‘não’. Enquanto eu puder acreditar que é possível fazer esse acordo eu vou lutar para fazer.”

O Brasil recorreu à Alemanha e também à Espanha para tentar destravar as negociações, segundo afirmação feita pela secretária da América Latina e Caribe do Itamaraty, Gisela Padovan.

Na abertura da Cúpula Social do Mercosul, nesta segunda (4), no Rio de Janeiro, a embaixadora disse haver vontade política para chegar a um consenso que seja benéfico para os países de ambos blocos.

A fala de Padovan vem na esteira dos comentários feitos pelo presidente da França, Emmanuel Macron, que chamou os termos atuais do acordo de “antiquados”.

Segundo ela, a posição de Macron já era esperada, pois a França sempre se posicionou contrária ao pacto ao longo das duas décadas de negociações.

“Isso [a fala de Macron] não é uma surpresa, mas a gente está contando com países como a Alemanha e como a Espanha, que têm interesse, para buscar um acordo que seja bom para os dois lados. Tem que ser bom para nós também”, afirmou a secretária do Itamaraty.

A divulgação do documento público pró-acordo também está sendo pensada para diminuir o impacto negativo dessas recentes falas de Macron.

A avaliação entre os negociadores é que o presidente francês se manifestou contrário ao acordo quando já sabia que o governo Fernández não assinaria nada antes da posse de Milei.

Para uma fonte do governo brasileiro, havia condições de ter algo mais concreto ao término da cúpula. Embora reconheça que uma janela de oportunidade se fecha neste momento, ela não vê o desfecho como definitivo.

Apesar do tom positivo que deve ser adotado na declaração pública, as perspectivas da conclusão do acordo nos próximos meses são desafiadoras, reconhecem pessoas que acompanham o assunto.

A presidência do Mercosul passa em dezembro para o Paraguai, país que tem posições mais céticas em relação ao acordo do que o governo Lula.

Em agosto, quando ainda era presidente eleito, o atual líder do Paraguai, Santiago Peña, chegou a defender a interrupção das tratativas com a União Europeia. Ele disse na ocasião duvidar que o bloco europeu tenha “interesse genuíno” em fazer avanços.

Peña também afirmou, em entrevista à agência Reuters, que as exigências ambientais da UE nas discussões são “inaceitáveis” e prejudicariam o desenvolvimento econômico do país, que é grande exportador de soja.

Além do mais, o Conselho da União Europeia, órgão que define as orientações gerais da UE, passa em janeiro para as mãos da Bélgica. O país resiste ao acordo com o Mercosul, posição diferente da Espanha, atual presidente do órgão e entusiasta do tratado comercial.

Nathalia Garcia e Ricardo Della Colletta/Folhapress

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