Alto escalão de equipes de ministros de Lula tem 2 homens para cada mulher

Origem acadêmica se destaca entre servidoras nesses cargos
Apesar de ter avançado na diversidade de gênero em relação ao governo Jair Bolsonaro (PL), a gestão Lula (PT) mantém predominância masculina não só no gabinete ministerial, mas também nos cargos de alto escalão das pastas. Para cada mulher em um desses postos, há dois homens.

O discurso sobre a diversidade de gênero nos ministérios foi reforçado nesta quinta-feira (11) no anúncio de Ricardo Lewandowski como futuro ministro da Justiça e Segurança Pública.

Lula disse que a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, cobraria a nomeação de mulheres na pasta. O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) respondeu que faria isso “com certeza”.

Para obter uma radiografia do alto escalão do governo federal, a Folha analisou o perfil dos 299 nomes de ocupantes dos cargos comissionados de nível hierárquico, segundo dados do Portal da Transparência de dezembro.

Compõem o grupo os auxiliares mais próximos de cada ministro ou ministra. São, em regra, secretários executivos (os número 2 das pastas), secretários de áreas temáticas, alguns assessores especiais e presidentes de órgãos —por exemplo, o Ibama ou o Inep.

Eles ocupam os chamados postos de natureza especial e as funções e cargos e comissionados executivos 1.17 e 1.18, os mais altos da administração federal.

Diferentemente de cargos comissionados de baixo e médio escalão, essas funções não precisam ser exercidas por servidores de carreira, o que em tese dá ao ministro maior autonomia para escolher sua equipe com base em suas prioridades.

A reportagem não considerou cargos com mandato como os de conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

O grupo analisado tem 69% de homens e 31% de mulheres. No total, 57% se graduaram em instituições de ensino dos estados de Minas Gerais (7%), São Paulo (25%), Rio de Janeiro (13%) ou Distrito Federal (11%).

A população brasileira como um todo é composta por 48,5% de homens e 51,5% de mulheres, segundo o Censo de 2022. Nessas quatro unidades da federação estão 41% dos habitantes do país.

As universidades com maior parcela de egressos no alto escalão, considerando a graduação, são USP (9%), UnB (9%), UFRJ (4%), UFMG (4%) e Uniceub, particular no DF, com 3%.

Quando se observam os cursos, os mais frequentes são direito (25%), economia (11%) e engenharia (10%).

A predominância de homens no alto escalão dos ministérios não é uniforme em toda a Esplanada.

Em 7 das 38 pastas, ocorre o contrário: Mulheres, Igualdade Racial, Direitos Humanos, Educação, Controladoria-Geral da União, Povos Indígenas e Desenvolvimento Social.

Com exceção da CGU, 6 dessas pastas são da área social, o que vai ao encontro de outros estudos que mostram a maior presença de mulheres em cargos de chefia nesse setor.

No Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, há igualdade de participação feminina e masculina no alto escalão. Nas 30 demais pastas, além da Presidência, o predomínio é masculino.

Nesse grupo, destacam-se cinco ministérios sem nenhuma mulher no alto escalão: GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Cidades, Minas e Energia, Trabalho e Previdência —comandados, respectivamente, por militar e políticos do MDB, PSD, PT e PDT.

Chefiadas por dois dos auxiliares mais próximos de Lula, as pastas da Fazenda e da Justiça também estão entre aquelas com menos diversidade de gênero no alto escalão, segundo os dados do Portal da Transparência.

O ministério de Fernando Haddad (PT) tem nove homens e uma mulher —Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Econômicos Internacionais— no nível hierárquico mais elevado.

Em nota, a pasta afirma que a igualdade de gênero e a inclusão de grupos excluídos são prioridades e destaca a criação da Assessoria de Participação Social e Diversidade.

Com oito homens e uma mulher no alto escalão até a folha de pagamento mais recente divulgada, a pasta comandada por Flávio Dino citou, por meio de nota, a nomeação de mais uma servidora, Estela Aranha, para a recém-criada Secretaria de Direitos Digitais.

O ministério também citou a presença de mulheres em postos intermediários de direção como exemplo da preocupação da gestão com o tema, da mesma forma que fez a pasta de Minas e Energia.

Embora contraste com o discurso do governo Lula em prol da diversidade de gênero, a sub-representação de mulheres no alto escalão dos ministérios já foi pior.

Estudo de Luana Pinheiro, então no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostrou que, em 2020, durante o governo Bolsonaro, as mulheres eram apenas 20,7% dos cargos DAS 6, então correspondentes em regra aos de secretários, e 14% entre os de natureza especial.

Ao analisar série histórica desde 1999, ela observou crescimento na presença feminina entre os DAS 6 no período de 2006 até a crise que levou à queda de Dilma Rousseff (PT), quando chegou ao ápice de apenas quase um quarto dos cargos.

Entre os cargos de natureza especial, o auge da presença das mulheres até então havia sido de 20% em 2005, no primeiro mandato de Lula. Nos escalões mais baixos, a representatividade feminina era maior.

Ao tomar posse no seu terceiro mandato, o petista alçou a diversidade a símbolo de sua gestão, subindo a rampa do Palácio do Planalto com uma comitiva de representantes de diferentes segmentos da população.

Ao longo do ano, no entanto, essa pauta perdeu fôlego. Com a demissão de duas ministras para acomodar aliados do centrão, o número de mulheres no gabinete de Lula passou de 11 para 9 em 38.

CENÁRIO REFORÇA ‘TETO DE VIDRO’, DIZ PROFESSORA
A sub-representação feminina no alto escalão dos ministérios reforça o conceito de “teto de vidro” para a ascensão das mulheres, afirma a professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Daniela Rezende. O termo se refere ao fenômeno da redução da presença de mulheres em cargos de poder à medida que o nível hierárquico sobe.

Além do fato de o governo Lula ser uma coalizão com partidos que não necessariamente priorizam a diversidade, Daniela ressalta fatores estruturais na disparidade de gênero que afetam todas as siglas, do centrão ao PT.

Entre eles, está a divisão desigual das tarefas de cuidado em casa, o que dificulta a progressão na carreira e na vida pública de mulheres.

Ela cita trabalhos que mostram o receio de servidoras com filhos pequenos de ocuparem cargos que acabam por exigir disponibilidade 24h para ligações e compromissos de trabalho. Rever esse modelo, diz, também é importante para aumentar a diversidade.

As estruturas partidárias também dificultam a ascensão das mulheres, aponta a professora da UnB Flávia Biroli. Em sua avaliação, as organizações da sociedade civil e as universidades, apesar de também terem obstáculos, tendem a ser mais permeáveis às mulheres e é por essa via que elas tendem a entrar na política institucional, mesmo em partidos de esquerda.

Tal constatação ajuda a explicar outra diferença de gênero no alto escalão dos ministérios. Enquanto entre os homens 8% saíram da academia para ocupar seus cargos, entre as mulheres a proporção sobe para 19%.

Já entre os que vieram da política, como deputados eleitos, o quadro se inverte. Essa é a origem de 16% dos homens e de apenas 5% das mulheres no alto escalão.

Angela Pinho, Folhapress

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