Procuradoria diz que governo Lula não age para conter mortes de indígenas na Amazônia

Floresta Amazônica
O MPF (Ministério Público Federal) afirma que se multiplicam relatos de mortes violentas e suicídios entre os madihas kulinas, no sudoeste da Amazônia, quatro meses após o anúncio da criação de um grupo de trabalho no governo Lula (PT) para a adoção de ações contra o quadro de violência e abandono vivido pelos indígenas.

Segundo a Procuradoria da República no Amazonas e indígenas da região, o governo não agiu, apesar da criação do grupo pelo MPI (Ministério dos Povos Indígenas).

A falta de ações fez o órgão convocar uma reunião para esta segunda-feira (29). O ofício foi enviado a integrantes do MPI, do MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), da Casa Civil da Presidência e à presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana.

“As notícias de mortes violentas, suicídios e afins entre os madihas continuam a se multiplicar, inclusive entre menores de idade, sem a efetiva e urgente resposta do poder público ao tema”, cita o ofício, assinado pelo procurador Fernando Merloto Soave, que cobrou informações sobre medidas concretas adotadas, a serem repassadas num prazo de 15 dias.

Em nota, a pasta de Povos Indígenas afirmou que tem dialogado com as organizações da área, com respostas às demandas encaminhadas e articulações institucionais para “enfrentar os desafios que impedem os povos da calha do Juruá de gozarem de seus plenos direitos”.

Um comitê para proteção dos povos indígenas, criado em setembro, vai se reunir neste mês para tratar da situação dos povos do médio Juruá, conforme o ministério. “O MPI, em seu primeiro ano de existência, busca estabelecer suas articulações institucionais a fim de estruturar políticas sólidas para a promoção dos direitos indígenas.”

Em reportagem publicada em 13 de setembro de 2023, a Folha mostrou o conteúdo de relatórios e imagens compartilhados com o escritório da ONU para prevenção de genocídio, com detalhamento da realidade vivida por madihas kulinas.

O material, enviado em 11 de maio por um grupo de entidades, com a participação do MPF no Amazonas, aponta uma realidade de desnutrição infantil, insegurança alimentar, abandono, estupro, suicídio e mortes violentas desses indígenas.

A sistemática violação a direitos, descrita em documentos e fotos, inclui retenção de cartões de benefícios sociais e uma rede de dívidas contraídas por quem vai às cidades mais próximas dos territórios tradicionais para acessar o Bolsa Família.

O procurador Merloto enviou um relatório antropológico concluído em abril de 2022, a cargo do MPF, e um conjunto de fotos, validadas por lideranças indígenas da região, à subsecretária-geral da ONU Alice Wairimu Nderitu, assessora especial para prevenção de genocídio.

Merloto apontou um “quadro de desumanização” dos indígenas, diretamente associado à “absoluta omissão de autoridades públicas”. Assim, nada é feito para a prevenção de um genocídio, conforme o procurador.

Além de crianças desnutridas, há imagens de abandono em cidades no sudoeste do Amazonas, como Ipixuna, Eirunepé e Envira; corpos de indígenas com sinais de agressão e violência; e espera por atendimento em saúde.

Os madihas kulinas estão em dez terras indígenas, especialmente no médio rio Juruá (AM), e no alto rio Purus (AC). Eles também estão no Peru. As informações são do banco de dados elaborado pelo ISA (Instituto Socioambiental), que aponta a presença de 7.200 indígenas nesses territórios no Brasil. A violação de direitos básicos inclui outras etnias, segundo o MPF.

Após a publicação da reportagem, o MPI anunciou a criação de um grupo de trabalho para ações de socorro aos indígenas.

Integrantes do ministério estiveram na região entre 22 e 26 de agosto. “Diante da situação de alta vulnerabilidade identificada entre os povos da calha do rio Juruá, decidiu-se pela instalação de um grupo de trabalho para tratar das necessidades identificadas”, disse a pasta na ocasião, em nota.

Desde a visita, nada foi feito, conforme citado em ofício do MPF enviado a integrantes do governo federal. “Os madihas informaram que nada foi feito desde a visita do MPI e Funai em agosto de 2023.” As ações precisam ser emergenciais, e há grave vulnerabilidade dos indígenas, afirmou a Procuradoria.

Os índices de suicídios nas aldeias, um problema persistente, relatado em diferentes laudos antropológicos e de saúde indígena nos últimos anos, vêm se mantendo elevados, conforme relatos de madihas kulinas a lideranças nos primeiros dias do ano.

Segundo esses relatos, houve cinco suicídios recentes em duas aldeias, sendo duas adolescentes de 14 anos. Um terceiro caso envolve uma jovem de 20 anos, que deixou filhos, conforme os relatos feitos a lideranças.

É comum o preconceito aos madihas kulinas nas cidades, a dependência ao álcool e o abandono durante a permanência nos municípios para o acesso a benefícios sociais.

As comunidades estão distantes da cidade, e o acesso se dá por água, em percursos que podem levar dias. Nos territórios, aldeias são abandonadas diante do elevado número de mortes de indígenas, afirmam lideranças.

Entre 2011 e 2016, houve registro de 34 casos de suicídio entre madihas, conforme dados de saúde indígena referentes à área de abrangência de três cidades.

A taxa de mortalidade por suicídio, levando em conta os dados do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) que atende a região, é uma das mais elevadas de 2012 a 2021, na comparação com outros distritos.

Os indígenas tiveram uma “drástica redução demográfica”, em razão da exploração em condições de escravidão em ciclos pretéritos da borracha, e houve uma grande dispersão de grupos familiares em processos de fuga dessa exploração, segundo o relatório enviado à ONU.

Vinicius Sassine/Folhapress

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