Governo fecha brecha para acabar com farra na emissão de títulos isentos de IR
Fernando Haddad comanda o Ministério da Fazenda |
Os títulos alcançam as chamadas LCA, LCI, CRA, CRI e LIG, papéis que têm como base operações no setor imobiliário e no agronegócio.
As medidas, aprovadas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) na noite desta quinta-feira (1º), restringem o rol do que pode ser utilizado pelos bancos e pelas empresas como lastro (operações ou ativos que servem de garantia) para eles emitirem esses títulos.
Ao fecharem o cerco e limitarem o escopo desses títulos, um dos efeitos benéficos para o governo federal pode ser a diminuição do montante de renúncia fiscal ligado a essas operações.
Após um trabalho de meses investigando esse mercado, o Ministério da Fazenda, o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) mapearam empresas e bancos, sem relação alguma com o agro e o setor imobiliário, que estavam pegando carona na emissão desses papéis.
Até empresas de petróleo, rede de fast-food e de aluguel de carros já fizeram emissões desse tipo —beneficiando-se das vantagens de vender os títulos para investidores que, ao comprá-los, têm garantida a isenção do IR.
Esse mapeamento mostrou que mais de 40% do valor captado com LCA e LCI, quase 100% das LIGs e 80% dos CRA e CRIS não iam para os setores agrícola e imobiliário, segundo pessoas ouvidas pela Folha a par do trabalho que embasou a decisão dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que integram o colegiado do CMN.
Com as novas regras, essas captações desvirtuadas deixarão de ocorrer. Para continuar emitindo os títulos, os emissores terão de, efetivamente, aplicar os recursos no agronegócio e no setor imobiliário.
Nada muda na isenção do IR nem no estoque desses papéis.
O benefício da isenção fiscal é que torna esses cincos títulos os preferidos dos investidores pessoas físicas não só da classe média, mas também de alta renda, do chamado segmento “private” dos bancos.
O governo considera que o aperto nas regras para a captação desses papéis vai acabar beneficiando os produtores rurais e as empresas imobiliárias, porque a medida deve acabar canalizando mais recursos para os dois setores. Espaço que hoje está sendo ocupado por empresas de outras áreas.
Em entrevista a jornalistas, na noite de quinta-feira (1º), diretores do Banco Central afirmaram que pode haver uma redução na emissão desses títulos. No entanto, descartaram que isso possa afetar o financiamento da agricultura, por exemplo.
“A nossa expectativa é que não tenha nenhum efeito imediato de dar problemas para o financiamento do agro, de manter a mesma linha, e que a gente faça essa separação da política pública: o mercado do agro vem crescendo num ritmo, e não estamos trabalhando exatamente em aumentar ou diminuir [a emissão dos títulos], estamos só fazendo essa troca para dar mais eficiência à política pública”, afirmou Cláudio Filgueiras, chefe do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro, do Banco Central.
Na mesma linha, Felipe Derzi, chefe-adjunto do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro, do BC, disse que pode haver uma queda na emissão dos títulos referentes ao mercado imobiliário.
“A expectativa nossa é que de fato as LCIs emitidas passem a partir das novas medidas a ser direcionadas para o mercado e para as operações que a política pública buscava incentivar. Se não houver interesse do mercado na contratação dessas operações, o efeito pode teria de ser a redução do volume de captação dessas letras”, afirmou.
Ele estima que esses títulos ligados ao mercado imobiliário girem em torno de R$ 460 bilhões. Desse total, calcula-se que de 15% a 20% tenha ligação com as operações, beneficiando o próprio setor.
O governo busca deixar claro que a ação tem como objetivo pegar desvios de finalidade e que ela não terá como resultado a retirada de recursos dos setores imobiliário e agrícola.
A preocupação se justificativa porque tentativas anteriores de mexer com a LCA e com a LCI, em particular com o fim da isenção do Imposto de Renda, provocaram grande reação na sociedade e no Congresso Nacional.
CRIS E CRAS
Os CRIs e os CRAs são títulos securitizados de renda fixa com recebíveis
que o produtor e o empreendedor tenham a receber. No caso do agro, por
exemplo, um crédito a receber pela produção futura. No setor
imobiliário, o exemplo mais comum são créditos que uma incorporadora tem
a receber de quem comprou apartamento na planta.
As empresas empacotam esses recebíveis com base nesses créditos e vendem os títulos. O mercado começou a ficar disfuncional, de acordo com o governo, quando as empresas começaram a emitir debêntures (títulos de dívida emitidos por empresas com capital aberto em Bolsa). Depois usavam essas debêntures para emitir um CRI ou um CRA.
Em um caso detectado pelo governo, as empresas justificaram estar usando os recursos no pagamento, por exemplo, de aluguel ou na compra de um produto do agronegócio, como carne.
O mapeamento feito pela Fazenda, BC e CVM revelou que a maioria das companhias abertas estava emitindo esses títulos com base em recebíveis que não são de fato dos dois setores-alvo do benefício fiscal concedido pela renúncia do IR.
Na avaliação de técnicos, o volume dessas distorções estava em patamar considerado gigantesco. Bancos também estariam emitindo papéis por meio desse mecanismo com base em gastos com aluguel e não com vistas a um investimento imobiliário real.
As LCA, LCI e a LIG são emitidas pelas instituições financeiras para captar recursos junto aos investidores e oferecer financiamento para os dois setores: LCA para agricultura, e LCI e LIG para empreendimentos imobiliários e compra da casa própria.
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