Proposta paralela de regulamentação da reforma tributária vai tirar poder dos Fiscos
O secretário especial da Reforma Tributária Bernard Appy |
O gatilho começou porque o Ministério da Fazenda criou 19 grupos de trabalho para regulamentar o texto da emenda constitucional, porém, não incluiu nenhum representante do setor privado. Nenhum sequer.
Os grupos foram instalados e os ânimos não arrefeceram. Pelo contrário, deu mote para que os Congressistas (alguns deles da oposição e que votaram contra a PEC da reforma) se organizassem para começar o ano legislativo com a pauta paralela da regulamentação.
A reação do setor privado é um indício de que a regulamentação pode acabar demorando mais. Sem as normas aprovadas, a reforma não fica em pé e não pode funcionar na prática.
Um ponto que não veio à tona ainda, identificado pela coluna, é que um grupo de parlamentares quer aproveitar a fase de regulamentação da PEC para tirar poder da Receita e dos demais Fiscos estaduais e municipais de baixar as normas.
Paneja-se que os textos saiam do Congresso sem precisar das chamadas normas infralegais, como as famosas INs (Instruções Normativas) da Receita. Será difícil implantar tal sistema, mas esse movimento está crescendo.
Em junho de 2021, ainda no governo Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, cantou essa bola ao afirmar que pretendia restringir a atuação da Receita Federal na regulamentação de leis tributárias aprovadas pelo Parlamento.
Em live organizada pela Fiesp, ele disse na ocasião que, com as mudanças previstas na reforma tributária, o Fisco “não poderia mais regulamentar as leis e soltar resoluções para a sua aplicação”.
O desejo só aumentou. Para quem está junto com Lira nessa empreitada, a hora chegou.
O secretário Extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy, até ganha tempo na elaboração dos três projetos de regulamentação sem ouvir as demandas das empresas, mas pode perder na negociação depois no Congresso.
O argumento de Appy é que o “tiro é curto” —60 dias para entregar os trabalhos— por causa da janela apertada das eleições municipais deste ano.
Appy disse que os grupos teriam autonomia para convidar representantes do setor privado para conversas. Até agora isso não aconteceu.
Risco ainda maior seria a Câmara (onde os projetos começam a tramitar) passar na frente o texto que será elaborado pela regulamentação paralela e deixar a proposta do governo em segundo plano.
Se essas insatisfações não forem contornadas nas próximas semanas, vai dar problema no futuro. A estratégia do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de garantir a votação ainda no primeiro semestre pode não acontecer, com custo político e também econômico.
A regulamentação pode sair mais cara com novas exceções. A disputa em torno delas não acabou com a aprovação da PEC. Só fica agora restrita aos detalhes técnicos. Os interesses por trás de cada trecho incluído, ou eventualmente modificado na votação, serão ainda mais difíceis de serem identificados na complexa linguagem dos textos legislativos.
Os parlamentares abriram as portas para entidades e associações, como mostrou no domingo a coluna Painel da Folha.
As frentes parlamentares do Empreendedorismo, Agricultura, Comércio e Livre Mercado montaram um calendário de cinco semanas de debates, a partir do dia 20 de fevereiro. Depois, vão apresentar uma proposta de texto de regulamentação.
Sabia-se que a regulamentação seria uma parada dura. Talvez ainda maior do que a aprovação da PEC. Faltou, no entanto, tato, prudência.
Faz sentido o setor privado participar das discussões. Dessa forma, as propostas podem chegar ao Congresso com mais consenso.
A reforma precisa ter a visão de quem cobra (os Fiscos do governo federal, estados e municípios) e de quem paga (as empresas e pessoas físicas).
O meio termo.
Nem abrir a negociação para um debate interminável nem excluir o contribuinte das negociações nessa fase inicial.
Senão fica a impressão que o governo está querendo apenas passar o rolo compressor usando os 19 grupos técnicos.
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