Declaração de Lula sobre Holocausto é antissemita, afirma diplomata dos EUA
“O Departamento de Estado adota a definição [de antissemitismo] da IHRA [aliança internacional para a memória do Holocausto], e a definição da IHRA deixa claro que isso constitui antissemitismo”, disse Lipstadt ao jornal Folha de S.Paulo.
A diplomata foi ouvida nesta quinta em uma audiência no Congresso americano sobre o aumento do antissemitismo na América Latina. Durante a sessão, Lula foi citado nominalmente diversas vezes, assim como o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e o do Chile, Gabriel Boric –todos apontados como maus exemplos na região.
Durante uma entrevista na Etiópia no mês passado, Lula afirmou que “o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”.
Após a repercussão negativa, Lula ressaltou que não utilizou a palavra “Holocausto” em sua fala. “Holocausto foi interpretação do primeiro-ministro de Israel. Não foi minha”, disse, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, na Rede TV.
Lula, de fato, não utilizou a palavra “Holocausto” durante a entrevista. No entanto, o termo está diretamente ligado ao extermínio do povo judeu, justamente a ação mais grave cometida por Hitler contra um povo.
“Essa declaração é a pior possível”, disse a embaixadora americana nesta quinta-feira.
A IHRA define antissemitismo como “uma certa percepção dos judeus, que pode ser expressa como ódio em relação aos judeus. As manifestações retóricas e físicas do antissemitismo são direcionadas a indivíduos judeus ou não judeus e/ou a suas propriedades, a instituições comunitárias judaicas e instalações religiosas”.
Entre os exemplos desse tipo de retórica, a organização lista “fazer comparações entre políticas contemporâneas israelenses com as dos nazistas” —exatamente o que Lula fez.
Questionada sobre a diferença entre críticas legítimas a Israel e antissemitismo, Lipstadt afirmou que as duas coisas não são equivalentes e que a linha é cruzada quando, em razão de divergências políticas, todos os judeus são responsabilizados globalmente.
“Nós estamos muito desapontados que alguns países da América Latina, incluindo a Bolívia, suspenderam ou cortaram relações diplomáticas com Israel, e outros chamaram seus embaixadores de volta para consultas. Não acreditamos que reduzir canais diplomáticos funcione para o nosso objetivo compartilhado de combater crises”, disse a diplomata americana.
O Brasil é um dos países que convocaram seus embaixadores em Israel para consultas, o que na praxe diplomática denota insatisfação com a conduta do país anfitrião. Na ocasião, essa foi a resposta de Brasília à crise que se formou com Tel Aviv a partir da declaração de Lula. O presidente brasileiro foi declarado “persona non grata” por Israel, e o embaixador brasileiro Frederico Meyer foi chamado para reprimenda fora do protocolo diplomático, no Memorial do Holocausto.
Errando o nome do presidente brasileiro nesta quinta, a republicana Maria Salazar, codiretora do subcomitê da Câmara sobre Hemisfério Ocidental, onde ocorreu a audiência, foi muito mais dura em seus comentários.
“Gustavo Lula da Silva [sic] disse que Israel está repetindo o Holocausto, que israelenses são os novos nazistas dessa era”, afirmou, incorretamente, em sua fala inicial.
Citando também os presidentes de Chile, Colômbia e Bolívia, ela disse que “é desprezível que chefes de Estado tenham essas opiniões, mas é mais preocupante para nós que esses líderes são os parceiros favoritos do governo Biden na região”, disse a deputada conservadora.
Salazar cobrou de Lipstadt consequências concretas a esses países pelas falas de seus líderes. Em relação ao Brasil, a embaixadora disse que o secretário de Estado, Antony Blinken, cobrou Lula privadamente durante reunião entre os dois e deixou claro que as declarações, para os EUA, são perturbadoras, e que Washington discorda.
Na ocasião, Blinken também aproveitou a reunião com o presidente para dar um depoimento de cunho pessoal: segundo relatos, mencionou a Lula a história de seu padrasto, Samuel Pisar, sobrevivente de campos de concentração nazista.
No mês passado, o colombiano Gustavo Petro anunciou que seu país vai suspender compras de armas de Israel como resposta à morte de dezenas de palestinos enquanto recebiam comida na Faixa de Gaza. Em uma publicação no X, afirmou que o que aconteceu “se chama genocídio e lembra o Holocausto, ainda que não agrade às potências mundiais reconhecê-lo”.
O chileno Gabriel Boric, por sua vez, já expressou em várias ocasiões que considera a resposta de Israel aos ataques do Hamas desproporcional e passível de condenação, além de uma violação do direito internacional.
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