Governo Lula deve bloquear de R$ 5 bi a R$ 15 bi em primeira revisão do Orçamento
Não se trata de um contingenciamento, outra modalidade de trava usada quando a meta de resultado primário está em risco.
Segundo técnicos ouvidos pela reportagem, a alta da arrecadação vai ajudar a manter o déficit dentro da margem de tolerância de até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto). Por isso, o contingenciamento deve ser próximo de zero.
Já o bloqueio de despesas será necessário porque gastos obrigatórios com Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada) e Proagro (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária) estão crescendo.
Para evitar o risco de faltar dinheiro para essas ações, a equipe econômica precisa segurar gastos dos ministérios de forma preventiva, até ter maior clareza sobre o andamento das políticas ao longo do ano.
O valor definitivo do bloqueio ainda está em discussão dentro do governo e pode sofrer variações, uma vez que os técnicos seguem atualizando as projeções. O primeiro relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas será enviado ao Congresso na próxima sexta-feira (22).
Um dos elementos-chave para o cálculo é o relatório técnico do grupo de trabalho da Previdência, que está refinando os números do que deve ser poupado com a revisão dos benefícios.
Técnicos trabalham para mostrar que a revisão dos gastos da Previdência poderá alcançar R$ 10 bilhões. Nota técnica, no entanto, precisará mostrar que esse cenário é factível de ser alcançado com o trabalho que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) está fazendo para detectar fraudes.
A fundamentação técnica das revisões de despesas é uma exigência do TCU (Tribunal de Contas da União), que costuma analisar no detalhe as premissas utilizadas nas estimativas.
A principal aposta do governo para cortar despesas é o Atestmed, sistema que recebe atestados médicos online para pedidos de auxílio-doença, dispensando a perícia presencial. A ferramenta usa inteligência artificial para fazer cruzamentos de dados e detectar falsificações e fraudes.
Segundo técnicos do governo, a economia com o Atestmed deve ser superior a R$ 5,5 bilhões. O valor considera o uso do sistema em cerca de 85% das análises de requerimentos do auxílio-doença até junho –em dezembro, essa proporção estava em quase 50%.
Segundo técnicos, a agilidade do sistema evita o pagamento do benefício por um período mais longo do que o necessário. A duração média dos auxílios concedidos via Atestmed está entre 60 e 70 dias, contra 300 dias de um benefício que precisa aguardar perícia presencial.
O grupo técnico também está mapeando outras ações que podem poupar recursos. Nos últimos dias, já havia indicativo da possibilidade de economizar R$ 2,15 bilhões com detecção de inconsistências nos auxílios, R$ 1,8 bilhão com prevenção e contenção de fraudes previdenciárias, R$ 767 milhões com cobrança administrativa de benefício indevidos e R$ 570 milhões com ferramentas de segurança da informação.
Um integrante da equipe que participa da elaboração do relatório afirmou à reportagem que, se a revisão funcionar como o esperado, o bloqueio ficará abaixo de R$ 10 bilhões. Na visão do governo, isso consolidaria um cenário benigno para as contas públicas, muito diferente das preocupações de poucos meses atrás, quando o debate fiscal era sobre o tamanho do contingenciamento que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) teria de fazer para cumprir a meta de déficit zero.
Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada no início de fevereiro, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, antecipou que os ganhos de arrecadação ajudariam o governo a fechar o primeiro relatório com um contingenciamento próximo de zero. A estratégia agora é usar esse fôlego para adiar qualquer eventual debate sobre flexibilização da meta fiscal para o segundo semestre.
Nos cenários em discussão para o primeiro relatório, se o governo conseguir garantir uma revisão parcial dos gastos do INSS, o bloqueio poderá ficar entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões.
Mesmo com todo esse esforço, a necessidade de segurar despesas existe porque a folha de pagamento do INSS está crescendo pela concessão mais rápida de benefícios. Por isso, a alta do gasto previdenciário, que ainda pode ficar em torno dos R$ 15 bilhões.
Na última quarta (13), o ministro Carlos Lupi (Previdência Social), reconheceu que os gastos da área devem ter uma expansão neste ano. “Todo esse impacto [das concessões] empurra [o gasto] para cima. [Mesmo] Com toda essa economia, essa equação é impossível de diminuir. Você pode diminuir o impacto final, como vamos diminuir com o Atestmed. Mas tem um impacto, não tem o que fazer”, afirmou.
O bloqueio será feito em despesas dos ministérios, mas não pode atingir os gastos com Saúde, que já estão próximos do valor mínimo determinado pela Constituição. Técnicos reconhecem que o bloqueio deve atingir investimentos, mas a expectativa é que isso não comprometa a execução dos projetos, que têm prazo de maturação mais longo.
No Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, boa parte dos R$ 7,8 bilhões aplicados na faixa 1 do programa no ano passado ainda estão no FAR (Fundo de Arrendamento Residencial) e pode ser usada para administrar o fluxo de pagamentos.
Para os técnicos, a primeira avaliação bimestral do Orçamento pode sinalizar também que o governo está próximo de conseguir usufruir do aumento de cerca de R$ 15 bilhões autorizado pelo arcabouço fiscal a partir de maio.
A regra permite o uso desse espaço em caso de alta na arrecadação, mas condiciona sua efetivação ao cumprimento da meta. Na prática, a incorporação desse valor pode compensar o bloqueio inicial sem necessidade de mudar a meta fiscal.
O próprio presidente Lula, em discurso na semana passada, tratou dessa possibilidade ao falar que o aumento da arrecadação federal iria ensejar uma discussão com o Congresso Nacional para elevar os gastos públicos. Era uma sinalização aos parlamentares da reposição de parte dos R$ 5,6 bilhões em emendas que foram vetadas por ele na sanção do orçamento deste ano.
Como Lula não citou o crédito, sua fala foi inicialmente interpretada como uma tentativa de mudança das regras do arcabouço.
Entenda a diferença entre bloqueio e contingenciamento
O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).
Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.
Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.
Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.
Como funciona o bloqueio
O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).
Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.
Como funciona o contingenciamento
O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas.
Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.
Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?
Sim. Não é este o cenário atual, mas é possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Neste caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.
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