Independência financeira é crucial para 74% dos BCs do mundo, mostra estudo do FMI
Essa é a opinião de 64 dos 87 representantes que participaram do levantamento.
No texto para discussão, publicado em meados de fevereiro, os autores Tobias Adrian, Ashraf Khan e Lev Menand elaboraram uma nova metodologia para medir as características que regem a atuação dos bancos centrais de forma a reforçar a autonomia sobre decisões relacionadas à política monetária.
O estudo tem circulado no Congresso Nacional no momento em que o presidente do BC do Brasil, Roberto Campos Neto, encampou publicamente a bandeira pela aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que dá autonomia financeira e orçamentária à instituição. A autonomia operacional da autoridade monetária está em vigor desde fevereiro de 2021.
Em entrevista à Folha, Campos Neto disse que mais de 90% dos bancos centrais do mundo com autonomia operacional também têm independência orçamentária.
“O que temos feito aqui é realmente pensar sobre as melhores práticas. Ter essa autonomia orçamentária, achamos que é uma característica-chave de independência. Isso incluiria propor, aprovar e suspender orçamentos anualmente”, afirma à Folha Tobias Adrian, conselheiro financeiro e diretor do departamento de Mercado Monetário e de Capitais do FMI.
Apontado como um dos principais quadros do FMI –antes de ingressar no fundo, foi vice-presidente do Fed (Federal Reserve) de Nova York–, Adrian tem se debruçado sobre o tema nos seus estudos.
Segundo ele, a literatura acadêmica mostra a correlação entre autonomia e resultados eficazes nos bancos centrais. No entanto, pondera que algumas questões, como a independência orçamentária, receberam menos atenção em análises anteriores.
Saber em que medida um banco central pode determinar os salários de seus funcionários, afirma, é um aspecto importante.
“Vimos exemplos em que enfraquecer a autonomia orçamentária pode levar a resultados ruins”, acrescenta. Na visão dele, “a falta de independência pode levar a resultados macroeconômicos perigosos.”
Para a elaboração do novo índice, o estudo conjugou informações das bases de dados do FMI sobre legislação dos Bancos Centrais (CBLD, na sigla em inglês) e sobre operações e instrumentos monetários (MOID) –que regem 151 autoridades monetárias– e uma pesquisa empírica feita com banqueiros centrais e representantes seniores das instituições.
O índice engloba dez métricas, entre elas independência política dos banqueiros centrais em relação ao Poder Executivo, avaliação dos empréstimos autorizados pelas autoridades monetárias aos governos e autonomia financeira e orçamentária das instituições.
Das 193 autoridades monetárias procuradas para avaliar o peso que deveria ser dado a cada variável de maneira global, foram obtidas 87 respostas, inclusive de representantes de três uniões monetárias (Banco Central dos Estados da África Ocidental, Banco Central Europeu e Banco Central do Caribe Oriental). A ponderação variava em uma escala de 0 a 5, do assunto menos ao mais importante.
Ainda que a pesquisa conte com a participação de BCs das cinco regiões do mundo, de variados níveis de renda e diferentes tipos de mercado, as economias avançadas acabaram sobrerrepresentadas.
Além da avaliação majoritária relativa à autonomia financeira, a sondagem mostrou que 68% dos participantes veem como fundamental que os órgãos de controle fiquem restritos a uma supervisão da eficiência operacional da autoridade monetária, sem poder para influenciar decisões relacionadas à política monetária.
Adicionalmente, para 62% dos entrevistados, é crucial que o presidente do Banco Central seja independente do Poder Executivo.
Nesse contexto, Adrian ressalta a importância de os mandatos do presidente e dos diretores do BC não serem coincidentes com o do chefe do Executivo e da necessidade de proteções legais nesse sentido.
O diretor do FMI destaca que o BC, cujo objetivo principal é manter a inflação baixa e a estabilidade de preços, pode eventualmente tomar decisões que desagradam ao governo. Diante disso, em caso de ingerência política, pode haver comprometimento da estabilidade financeira e até da sustentabilidade da dívida em alguns países.
“Essa independência realmente se mostrou um conceito-chave para o sucesso dos bancos centrais”, diz.
A nova metodologia, segundo os autores, produz pontuações (em base binária, 0 ou 1) relativas à independência dos bancos centrais mais baixas se comparadas a estudos acadêmicos anteriores. Isso porque não é permitido usar crédito parcial no novo índice, e uma instituição só pode pontuar se uma série de requisitos forem atendidos.
“Ao estruturar as variáveis de forma mais rigorosa do que os índices anteriores, não creditamos as leis do banco central que parecem oferecer aos funcionários independência decisória em alguns aspectos, mas contêm lacunas que tornam ilusória a independência gerada por essas características”, diz o texto.
Segundo os pesquisadores, a maioria dos bancos centrais obteve pontuação zero em múltiplas características estatutárias associadas a maior autonomia de decisão. “Mais da metade da amostra carece de independência em seis das dez métricas”, afirma o estudo, sem detalhar quais delas.
Adrian reconhece que a legislação pode não ser estritamente necessária ou suficiente para que um banco central seja, de fato, independente, visto que alguns países apresentam fragilidades no arcabouço legal, mas possuem práticas eficazes, enquanto outros possuem leis “fortes” e atuações mais frágeis.
“O problema é que a política pode mudar no futuro, e, nesse ponto, não há proteção legal. Agora, é claro, se os tribunais não fazem cumprir as leis, também existe um problema. Nesse sentido, é um pouco mais sutil do que apenas olhar para as leis”, diz.
Os autores estão trabalhando em um estudo complementar no qual vão fornecer novas classificações a partir de recortes feitos por região e nível de renda, envolvendo parâmetros como inflação, crescimento econômico e emprego.
No Brasil, os defensores da ampliação da autonomia do BC têm usado o texto de discussão do FMI para fomentar o debate sobre a PEC no Congresso com a apresentação de informações comparativas de como funciona a autonomia dos BCs em outros países.
Apesar das resistências do governo à proposta, a expectativa é que seja possível fazer o debate dentro do Congresso, mesmo num ambiente de dificuldade para a PEC avançar sem apoio da base governista em ano eleitoral.
As discussões sobre o grau de autonomia do BC acontecem em um momento de crise no BC brasileiro com a perda de servidores num quadro de anos sem novos concursos públicos.
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