Senado mantém regras para afrouxar fiscalização e transparência de partidos e eleições
O texto do senador é o mais novo capítulo da tentativa do Congresso Nacional de aprovar a mais volumosa reforma da história nas regras eleitorais e partidárias, revogando toda a legislação ordinária e substituindo-a por um único código, com cerca de 900 artigos.
O primeiro passo para isso foi dado pela Câmara, que aprovou o projeto em setembro de 2021. São vários os pontos, entre os cerca de 900 artigos, que tiram poder da Justiça Eleitoral, em especial da área técnica responsável pela análise das contas de partidos e candidatos.
A cada ano, os 29 partidos políticos existentes recebem dos cofres públicos cerca de R$ 1 bilhão do Fundo Partidário. A cada dois anos, nas eleições, eles e seus candidatos são beneficiários do Fundo Eleitoral, que em 2024 irá distribuir R$ 5 bilhões.
Todo esse dinheiro passa hoje pelo escrutínio do Ministério Público e da Justiça Eleitoral, sendo bastante comum a constatação de irregularidades.
O julgamento pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) das últimas contas partidárias nacionais, por exemplo, resultou na reprovação de 19 delas e aprovação de 16 com ressalvas, com a constatação de desvios que incluíram compra de avião e de 4 toneladas de carne sem indicativo de vinculação com atividade partidária.
Com o projeto aprovado na Câmara, e agora em tramitação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, essa fiscalização perde amparo, como reforça análise feita pelo Movimento Transparência Partidária.
Um dos principais pontos é o que muda o caráter da análise das contas de “jurisdicional” para “administrativo” —na prática, isso permitiria a apresentação de documentos e manifestações pelos partidos e candidatos a qualquer tempo, levando a uma instrução infinita do processo de análise e, consequentemente, à prescrição.
Paralelamente a essa mudança, a proposta de reforma encurta prazos de análise e julgamentos das contas a período que, segundo técnicos da Justiça Eleitoral, são impossíveis de serem cumpridos diante da atual estrutura e do volume de dados a serem analisados.
O projeto da Câmara estabelece que contas não analisadas pelos técnicos da Justiça Eleitoral em seis meses serão automaticamente consideradas aprovadas. O relatório do Senado estende esse prazo para um ano e troca a aprovação automática por parecer favorável à aprovação.
O julgamento final teria que ocorrer em até três anos, sendo que hoje o limite é de cinco anos.
O texto aprovado pela Câmara também estabelece a devolução aos cofres públicos de valores aplicados irregularmente apenas em “caso de gravidade”, além de limitar a multa a R$ 30 mil (hoje o teto é de até 20% do valor considerado irregular, que em vários casos atinge a casa dos milhões).
Outra alteração reforça a tentativa de dar apenas um caráter formal à fiscalização.
O relatório apresentado pelo Senado estabelece que os pareceres emitidos pelas áreas técnicas
da Justiça Eleitoral devem “limitar-se a questões estritamente formais,
sendo vedado tecer considerações sobre elemento volitivo [vontade de
praticar a ação] do agente” público.
Na questão da transparência, hoje os partidos são obrigados a informar à Justiça Eleitoral suas atividades financeiras por meio do SPCA (Sistema de Prestação de Contas Anuais), de acesso público a qualquer cidadão, o que padroniza as informações e permite, em alguns casos, o acompanhamento “em tempo real” das contas.
Pelo texto aprovado na Câmara e pelo relatório apresentado agora no Senado, esse sistema é extinto. Com isso, a transparência no uso das bilionárias verbas públicas volta a ser restrita à apresentação anual das contas, em junho de cada ano, sempre relativa ao ano anterior.
“Especialmente em relação a transparência e fiscalização das contas partidárias, o texto segue apresentando pontos extremamente preocupantes”, diz Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.
“A proposta, por exemplo, elimina a obrigação de que as contas sejam prestadas à Justiça Eleitoral por meio do seu sistema eletrônico, permitindo que cada agremiação as apresente numa plataforma diferente, o que na prática acaba com a padronização e a transparência hoje existentes.”
Em relação à fiscalização, ele destaca que os prazos de análise estabelecidos são inviáveis para a área técnica, que ficaria impedida de apurar “irregularidades como sobrepreço, contratação de fornecedor sem capacidade técnica ou mesmo pagamento por serviço não prestado”.
Apesar de manter o cerne dos pontos que fragilizam transparência e fiscalização, o relatório de Marcelo Castro sugere a retirada de alguns trechos mais “radicais” aprovados pelos deputados.
Entre eles, o que censurava e criava exigências inexequíveis em relação às pesquisas eleitorais —o texto vetava a divulgação de pesquisas na véspera e no dia da votação, além de estipular que os institutos publicassem “o percentual de acerto” das últimas cinco eleições.
Saiu também do texto a parte que permitia ao Congresso cassar resoluções eleitorais emitidas pelo TSE.
Outro ponto suprimido no relatório de Castro é o que restabelece o poder da Justiça Eleitoral de responder consultas feitas pelos partidos.
Os deputados haviam incluído ainda na lista de permissões de uso do dinheiro do Fundo Partidário “gastos de interesse partidário, conforme deliberação do partido político”, o que, em tese, permitiria qualquer uso.
Castro tirou esse ponto de seu relatório, mas suprimiu também a exigência de apresentação da lista de passageiros de aviões fretados com o dinheiro público.
Após votação na CCJ, o relatório de Marcelo Castro irá para análise do plenário do Senado. Como é provável que os senadores alterem o texto dos deputados, o tema ainda voltará para nova análise da Câmara antes de seguir para sanção ou veto presidencial.
Medidas no intuito de afrouxar as regras de transparência e fiscalização de partidos e campanhas eleitorais encontram amplo apoio no Congresso, da esquerda à direita.
Continua nos escaninhos da Câmara, por exemplo, a chamada PEC da Anistia, que dá o maior perdão da história a irregularidades cometidas por partidos e candidatos.
A PEC conta com o apoio de praticamente todos os partidos, do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, tendo como oposição aberta apenas o esquerdista PSOL e o direitista Novo.
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