‘Temo parcialidade; a Justiça tem julgado com interesses políticos’, diz Zema sobre investigações que envolvem Bolsonaro brasil
“Eu sempre falo que quem não deve, não teme. Eu só temo que possa haver alguma parcialidade. Aí é que está a questão. A Justiça no Brasil, no meu entender, tem demonstrado que, muitas vezes, tem julgado de acordo com interesses políticos e não de acordo com a lei. E isso me parece que ficou bastante acentuado nesses últimos catorze meses”, disse Zema.
O governador concedeu entrevista exclusiva ao Estadão nesta sexta-feira, 1º, em Porto Alegre (RS), onde participa da 10ª edição do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud).
O período citado pelo governador mineiro coincide com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os atos golpistas do 8 de Janeiro. Zema criticou o governo petista por, segundo ele, gastar mais do que arrecada, enquanto defendeu o governo Bolsonaro, citando o acordo para a expansão do metrô de Belo Horizonte (MG), uma queda na criminalidade e medidas que proporcionam, na visão dele, o atual crescimento econômico do país. O governador, ressalva, porém, que o ex-presidente “teve dificuldades’ na pandemia. Antes, justificou sua ida ao ato do dia 26 na Avenida Paulista.
“Eu tinha diversos outros compromissos em São Paulo e eu julguei que seria altamente positivo estar junto com o presidente que levou grandes melhorias para Minas Gerais”, respondeu Zema ao ser questionado sobre o motivo de ter comparecido à manifestação em apoio a Bolsonaro.
O chefe do Executivo mineiro disparou contra o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT). Em evento realizado em Belo Horizonte na quinta-feira, o ministro elogiou a atuação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na renegociação da dívida de Minas Gerais, mas criticou Zema sem citá-lo nominalmente. “Tem muita gente que fala, mas não resolve, não apresenta soluções”, declarou Padilha. Pacheco tem se aproximado de Lula e é cotado para se candidatar a governador em 2026 com o apoio do presidente e do PT.
O governador relembrou a gestão de Fernando Pimentel (PT), seu antecessor, para rebater o ministro. O governo do petista foi marcado por atrasos salariais e nos repasses constitucionais da arrecadação com impostos para os municípios. ”Eu acho que ele [Padilha] não deve ir a Minas já há dez anos ou mais”, respondeu Zema.
Leia a íntegra da entrevista:
Governador, no último domingo o senhor foi ao ato em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista. Por que que o senhor decidiu ir?
Bom, eu estive em São Paulo, eu tinha diversos outros compromissos lá, e eu julguei que seria altamente positivo estar junto com o presidente que levou grandes melhorias para Minas Gerais. Nós temos que lembrar que o metrô de Minas foi uma conquista do presidente Bolsonaro e que ele, nesse momento, precisa de um apoio que eu julgo que seria extremamente importante da minha parte. E o movimento comprovou isso, que ele tem apoio. Julgo que o governo dele deixou um legado bom para o Brasil. Queda na criminalidade, nunca se teve uma queda tão expressiva como no governo dele. Ele teve dificuldades durante a pandemia, teve essa infelicidade.
E tivemos, eu julgo, avanços expressivos. Diversas medidas que ele adotou que estão proporcionando, nesse momento, que o Brasil cresça. E eu temo que algumas medidas que foram adotadas pelo governo federal recentemente tragam em breve um efeito oposto.
Quais, por exemplo?
Gastar mais do que arrecada. E principalmente tentar interferir em empresas que estavam funcionando adequadamente. É só olhar o resultado das empresas estatais durante a gestão Bolsonaro e agora que você já vê uma diferença brutal. E empresa estatal não é para distribuir favor para os amigos do rei. É para poder investir e proporcionar produtos e serviços adequados para a população.
Como o senhor avalia as investigações da Polícia Federal contra o ex-presidente, que colocam ele em uma suposta tentativa de golpe de Estado assim como aliados e ministros do governo dele?
Eu sou favorável a toda investigação. Eu sempre falo que quem não deve, não teme. Eu só temo que possa haver alguma parcialidade. Aí é que está a questão. A Justiça no Brasil, no meu entender, tem demonstrado que muitas vezes tem julgado de acordo com interesses políticos e não de acordo com a lei. E isso me parece que ficou bastante acentuado nesses últimos catorze meses.
Na reunião dos governadores com os secretários de Fazenda do Cosud, houve reclamação em relação à dificuldade de se discutir com o Ministério da Fazenda a renegociação das condições das dívidas dos Estados. Para mudar o indexador da dívida, por exemplo. Que avaliação que o senhor faz dessa interlocução? É uma reclamação que o senhor concorda?
Sim. Nós, Estados endividados, estamos já há meses, vai fazer coisa de 8, 10 meses que nós estivemos com o ministro Haddad, passamos as dificuldades e a quase inviabilidade de se pagar essas dívidas com a correção que está. Nós não estamos com os Estados de um lado e a União de outro. Nós temos de um lado um devedor e de outro lado o banco União, que está cobrando juros que, no meu entender, são totalmente impagáveis.
A dívida de Minas, a do Rio Grande do Sul, a do Rio de Janeiro e a de outros Estados cresceram numa proporção muito superior ao ICMS. É como se o seu salário subisse 30%, 40% e a dívida subisse 100% ao longo dos anos. Isso demonstra claramente que esses Estados, da forma que está hoje estruturada a questão do serviço do pagamento, amortização da dívida, são Estados inviáveis. Tanto é que no passado o Estado de Minas chegou a atrasar folha de pagamento e não fez os repasses para as prefeituras.
Eu consegui sair dessa situação devido a um esforço quase que sobre-humano que nós tivemos. Uma redução drástica, dramática, na estrutura do Estado. E mesmo assim estou enfrentando grandes dificuldades, e não descarto que esse horror que aconteceu no passado em Minas Gerais volte a ocorrer, mesmo com toda a austeridade do meu governo. Porque é praticamente impossível você ter uma dívida da ordem de R$ 60 bilhões e pagar juros de 10% ao ano como aconteceu recentemente. E a sua arrecadação cresce 2%, 3%.
Então, a medida que o tempo avança, o problema só amplia e, se não houver de boa parte do governo federal uma nova visão sobre essa questão, nós vamos nos tornar Estados sem liquidez, Estados quebrados. E outros estão rumando para essa situação.
O Cosud, enquanto consórcio, vai tomar alguma atitude? Entrar, por exemplo, no STF de forma conjunta ou mobilizar as bancadas no Congresso para tentar alterar esse cálculo da dívida?
Primeiro, eu espero que nós tenhamos condições de conversar. Qualquer pessoa que entenda de finanças, e na Secretaria do Tesouro Nacional nós temos muita gente capacitada, vai ver que da forma que está hoje é necessário mudança. Eu já solicitei audiência ao ministro da Fazenda, ao presidente, com o presidente do Senado, que também comprou essa causa. Ele quer rever a questão da dívida de Minas e, consequentemente, ele vai rever a dívida dos outros Estados. Porque há um tratamento isonômico.
Então, espero que o presidente do Senado capitaneie essa questão, e dou meu total apoio a ele para que leve adiante. Muitos Estados, como Minas Gerais, têm créditos com a União. Nós temos já uma ação que nós ganhamos do Fundeb, do antigo Fundeb que eu não me recordo do nome. Nós temos compensações previdenciárias. A reforma tributária vai destinar a todos os Estados recursos de um fundo regional. E nós poderíamos estar deduzindo isso da dívida.
Então, tem que haver aí uma boa vontade. Precisamos rever principalmente o indexador. Acho que para a dívida existente nós tínhamos de ter um indexador pequeno, um juro pequeno pra corrigir essa dívida. E, se for para uma dívida nova, aí sim, que seja um indexador maior, pactuado. Essa dívida que já se arrasta há 30 anos, 40 anos, em alguns períodos teve uma correção monstruosa. E nós temos de lembrar que o governo federal não é banco, ele está lá para fazer uma gestão do Brasil e não para cobrar juro de alguns Estados que já tiveram um ônus grande no passado.
O senhor mencionou Rodrigo Pacheco. Na quinta-feira o ministro Alexandre Padilha esteve em Belo Horizonte e elogiou a atuação do presidente do Senado na renegociação da dívida em Minas junto ao governo federal e, indiretamente, criticou o senhor. Como o senhor recebeu a afirmação do ministro?
Eu vejo que talvez ele não esteja a par do que acontece em Minas. Não sei se ele conversou com prefeitos e tem conhecimento de que, no passado, quando o partido dele governava Minas, os prefeitos não recebiam o repasse do ICMS, do IPVA, do Fundeb e da saúde. Não sei se sabe que eu paguei o 13º salário que o governador do partido dele não pagou. Será que ele tem conhecimento disso?
Não sei se ele sabe que o governador do partido dele fez com que várias prefeituras tivessem de fechar postos de saúde, UBS, deixando o mineiro sem atendimento médico. E que eu reabri porque voltei a pagar. Não sei se ele sabe que o governador do partido dele também paralisou as obras dos hospitais regionais, que eu agora estarei também concluindo. E não sei também se ele sabe que 240 mil funcionários públicos de Minas tiveram o nome incluído no SPC e Serasa porque o ex-governador do partido dele não pagou (o crédito consignado), deduziu, descontou o crédito consignado do salário e não repassou aos bancos. E o salário atrasado também.
Então, acho que ele está muito pouco informado sobre Minas. Eu até queria que ele voltasse lá pra poder se inteirar dessas questões. Eu acho que ele não deve vir a Minas já há 10 anos ou mais, e deve estar fechando os olhos para o que aconteceu em Minas Gerais, principalmente durante a gestão do partido que ele está.
O presidente Lula esteve em Minas Gerais no início do mês, o senhor pediu uma reunião com ele a sós, que não aconteceu. Mas vocês conversaram bastante durante o evento, no palco. Como foi essa conversa e como é está a relação com o presidente?
Eu tenho total respeito pelo presidente, apesar de termos uma linha de atuação bastante diferente. Eu acredito num Estado eficiente, austero. E me parece que ele tem (outro) posicionamento. Mas foi um diálogo bom e ficamos de conversar novamente. Tanto é que já solicitei uma nova audiência para estarmos tratando principalmente sobre a questão da dívida de Minas e também do acordo de Mariana (que discute a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015).
Sobre o acordo de Mariana, o Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, disse que há dois problemas hoje: a proposta que as empresas fizeram, cujo valor não agradou, mas também a indefinição sobre quem vai ser o próximo presidente da Vale. Como estão as negociações hoje? Há perspectiva da repactuação ser concluída ainda neste ano?
Na minha opinião, esse acordo tem que ser fechado. É um absurdo que nós já vamos para oito anos e os atingidos não terem recebido nada. São 70 mil atingidos na bacia do Rio Doce. Um governo que se diz social, na minha opinião, precisaria mostrar que é social. E nós precisamos que esse acordo seja concretizado. Nós já mostramos que é possível, através do acordo de Brumadinho. E esse outro, se dependesse só de nós, já teria saído.
Agora, me parece que tem pessoas que não têm interesse que esse acordo saia. Querem é que a briga fique na Justiça 50 anos. Daqui a 50 anos quem foi afetado já faleceu. Eu sempre falo: é melhor você receber um carro hoje e usar esse carro do que receber dois carros daqui a 50 anos. Um carro hoje vai te ser útil. Dois carros daqui a 50 anos eu não sei se vai ter muita utilidade. Então, a Justiça no Brasil demora. Nós provamos na tragédia de Brumadinho que é possível (resolver rápido). Esses recursos de Brumadinho já estão se transformando em hospitais, em estradas, estão salvando vidas. E eu queria muito que o mesmo acontecesse com relação ao acordo de Mariana, que envolve Minas, Espírito Santo e também a União.
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