Venezuela rebate críticas do governo Lula e diz que nota do Itamaraty parece ‘ditada pelos EUA’
Em uma clara mudança no tom entre os países, a Chancelaria venezuelana chamou a nota do Itamaraty de “cinzenta e intervencionista” e afirmou que o texto parece ter sido ditado pelos Estados Unidos. Por outro lado, não citou o nome do presidente Lula e creditou a redação a “funcionários da Chancelaria brasileira”.
“O Ministério do Poder Popular para as Relações Exteriores da República Bolivariana da Venezuela repudia o comunicado cinzento e intervencionista redigido por funcionários da chancelaria brasileira, que parece ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, no qual são emitidos comentários carregados de profundo desconhecimento e ignorância sobre a realidade política na Venezuela”, diz a nota divulgada pelo chanceler Yvan Gil, em português.
“O governo venezuelano tem mantido uma conduta fiel aos princípios que regem a diplomacia e as relações amistosas com o Brasil, sendo que, em nenhuma hipótese, emite nem emitirá juízos de valor sobre os processos políticos e judiciais que ocorrem naquele país”, continua o texto.
O país vizinho cita ainda o princípio na não ingerência nos assuntos internos e diz que sua democracia é “uma das mais robustas da região”, apesar de ter aumentado o cerco contra opositores nos últimos meses, diante de uma queda da popularidade de Maduro após a profunda crise econômica e humanitária que ainda afeta o país.
Recentemente, o regime inabilitou sua principal opositora, María Corina Machado, prendeu membros de sua equipe de campanha sob a acusação de conspiração e expulsou funcionários da agência de direitos humanos da ONU do país. Também mandou tirar do ar o sinal do canal alemão Deutsche Welle, que havia publicado denúncias contra o alto escalão.
Nesta segunda (25), Maduro afirmou que homens armados vinculados ao partido de María Corina, o Vente Venezuela, foram detidos após se infiltrarem no comício organizado pelo chavismo para oficializar sua candidatura, no centro de Caracas —o que o grupo opositor chamou de “acusação infundada”.
“Chama atenção que a Chancelaria brasileira não esteja preocupada com as tentativas de magnicídio [assassinato de um líder político] e desestabilização que foram desmanteladas nas últimas semanas, incluindo a tentativa de ontem, quando um extremista da organização Vente Venezuela foi preso com armas, disposto a atentar contra a vida do presidente durante a impressionante manifestação que o acompanhou no momento da sua inscrição como candidato”, disse o regime.
O Ministério Público, controlado por Maduro, anunciou que eles serão acusados de terrorismo e tentativa de assassinato. Sete dirigentes do mesmo partido foram detidos nos últimos dias, e a Promotoria emitiu ordens de captura contra outros sete.
Em um aceno ao presidente brasileiro, por outro lado, a Venezuela encerra o comunicado agradecendo “as expressões de solidariedade do presidente Lula da Silva, que condenam direta e inequivocamente o bloqueio criminosos e as sanções que o governo dos Estados Unidos impôs ilegalmente, com o objetivo de produzir dano ao nosso povo”.
O comunicado foi divulgado pela Chancelaria venezuelana em meio a uma sequência de outras notas de repúdio a países que criticaram o processo eleitoral no país. O ministro Yvan Gil distribuiu críticas também à União Europeia e à Colômbia, sempre citando o intervencionismo norte-americano.
ENTENDA O QUE ACONTECEU
A coalizão opositora Plataforma Unitária Democrática (PUD) queria inscrever como candidata a professora universitária Corina Yoris, diante da inabilitação de María Corina Machado, que venceu com folga as primárias da oposição no ano passado e era favorita nas pesquisas.
A aliança, porém, denunciou nesta segunda que foi impedida de registrar sua postulante na disputa. “Fizemos todas as tentativas de inserir os dados e o sistema está completamente fechado para poder entrar digitalmente”, afirmou Yoris em entrevista coletiva a horas do encerramento do prazo para as inscrições.
O Itamaraty, então, divulgou uma nota dizendo que o impedimento “não é compatível” com o acordo firmado pela Venezuela para eleições livres e “não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial”, marcando uma inflexão na postura até então adotada por Lula, de preservar o aliado sul-americano.
Diante do bloqueio a Yoris, o principal rival de Maduro nas eleições de julho deve ser Manuel Rosales, considerado o nome mais “palatável” ao regime dentro da coalizão opositora. Ele foi registrado poucos minutos antes do fim do prazo para as candidaturas, à meia-noite desta segunda.
Rosales é figura conhecida na política venezuelana. Atualmente é governador de Zulia, um estado de grande produção de petróleo na fronteira com a Colômbia. Ele enfrentou Hugo Chávez (1954-2013) nas eleições presidenciais de 2006, quando o líder socialista estava no auge da sua popularidade.
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