Lula bate recorde em liberação de emendas em um único dia; 60% da verba da Saúde já é do Congresso
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destinou mais de 60% do orçamento do Ministério da Saúde para atender congressistas neste ano, de janeiro a abril. O índice foi alcançado após nova liberação, na terça-feira, 30, de R$ 4,9 bilhões em emendas, um valor recorde para um único dia (veja abaixo).
De todo o recurso não obrigatório liberado pela pasta, um total de R$ 21 bilhões, R$ 12,8 bilhões foram para emendas individuais (indicadas por deputados e senadores) e emendas de bancada (indicadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado).
O levantamento, realizado pelo Estadão com dados do Siga Brasil, representa valores empenhados, um jargão técnico que significa que o recurso foi reservado no caixa da União e definido para onde vai o dinheiro, e considera o orçamento discricionário, aquele que o governo tem ingerência na liberação.
As emendas liberadas pelo Ministério são impositivas, ou seja, os valores são garantidos pela Constituição e o governo é obrigado a pagar conforme o interesse dos parlamentares. O momento da liberação, porém, é controlado pelo Executivo, que tem a “senha” do cofre da União. Historicamente, emendas são liberadas em troca de apoio político no Congresso e durante votações importantes.
O dinheiro da saúde é destinado para compra de equipamentos e custeio das unidades de saúde em Estados e municípios, incluindo hospitais e postos de saúde. Quando o recurso é do ministério, o repasse precisa atender critérios técnicos, como a necessidade de cada cidade, o tamanho da população e a quantidade de procedimentos realizados. Com as emendas, porém, a escolha de qual município vai receber o dinheiro fica totalmente nas mãos do parlamentar, sem obedecer a esses requisitos.
Se todo o orçamento do ano inteiro for levado em conta, as emendas representam 37% das despesas do Ministério da Saúde. Ou seja, nos quatro primeiros meses do ano, o governo deu prioridade às indicações parlamentares, que tiveram 61% dos valores empenhados. Procurados, a Presidência da República, a Secretaria de Relações Institucionais e a do Ministério da Saúde não responderam.
Conforme o Estadão revelou, o governo usou o Ministério da Saúde para liberar verbas sob critérios políticos, repassando dinheiro de cirurgias e exames para cidades sem capacidade de realizar esses procedimentos. O descontrole aconteceu no orçamento controlado pelo próprio ministério, e não no carimbado como emendas parlamentares, mas que mesmo assim foi usado para atender indicações políticas.
Lula exalta articulação política e faz a aceno a deputados
Nesta quarta-feira, 1, o presidente Lula participou de um ato do 1º de Maio em São Paulo. No discurso, Lula fez acenos ao Congresso e enalteceu a articulação política do governo com os parlamentares, rebatendo o entendimento de que haveria uma crise entre o Executivo e o Legislativo.
Lula puxou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e disse que ele tem o cargo “mais difícil” do governo, que é conversar com os deputados e senadores. Padilha é responsável pela articulação envolvendo as emendas parlamentares e tem forte influência no Ministério da Saúde, chefiado pela ministra Nísia Trindade, de quem é padrinho no cargo.
“Nós fizemos alianças para governar e até hoje todos os projetos que nós mandamos para o Congresso foram aprovados de acordo com os interesses que o governo queria. E isso por competência dos ministros, por competência dos deputados, que aprenderam a conversar ao invés de se odiarem”, afirmou Lula durante o ato.
Governo bate recorde emendas em um único dia
Até o dia 30 de abril, o governo Lula liberou (empenhou) R$ 13,9 bilhões em emendas parlamentares, dos quais R$ 12,8 bilhões foram destinados às custas do Ministério da Saúde. Metade das emendas individuais precisa ser obrigatoriamente vinculada a ações e serviços públicos de saúde, o que aumenta a importância da pasta nas negociações. O valor total do ano deve aumentar ainda mais com a liberação das emendas Pix, estas sem transparência e sem vinculação com nenhuma política pública, e de outros recursos.
Só na terça-feira, 30, o governo liberou R$ 4,9 bilhões em emendas, um valor recorde para um único dia. A destinação ocorreu após uma série de pressões de parlamentares por dinheiro antes das eleições municipais. Neste ano, a lei eleitoral proíbe o pagamento de emendas três meses antes da eleição, período conhecido como defeso eleitoral, que começa no dia 6 de julho. O empenho abre caminho para o repasse ocorrer antes desse período, atendendo prefeitos apadrinhados pelos congressistas.
A semana começou ruim para o Planalto no Congresso, após a decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a desoneração da folha salarial de 17 setores da economia brasileira e de municípios, contrariando o Congresso. O governo entrou em campo para prometer uma negociação envolvendo a medida e para evitar um apagão na pauta de interesse do Executivo no Congresso, liberando emendas na mesma semana.
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