Obras com emendas do Congresso no Amapá tiveram propina paga em Pix, aponta investigação
Com cerca de 22 mil habitantes, o lugarejo foi agraciado com recursos federais incluídos em emendas ao Orçamento de autoria do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e outros dois políticos: o deputado federal Vinícius Gurgel (PL-AP) o ex-deputado André Abdon (PP-AP). Nenhum deles é citado na investigação do Ministério Público. Alcolumbre nega envolvimento e disse apoiar as investigações. Gurgel disse não ser responsável pela execução das obras. Já Abdon e o prefeito, Dudão Costa (União Brasil), não se manifestaram.
Segundo o MP, Dudão Costa, aliado de Alcolumbre, foi beneficiário de “vantagem indevida”. A obra que rendeu pagamento de R$ 5 mil em Pix é a construção de uma praça com um píer na orla de Mazagão. O caso está sendo investigado a partir da operação Cartas Marcadas, do Ministério Público do Amapá, deflagrada em abril. Após a operação, o MP-AP pediu o afastamento do prefeito do cargo.
Nas redes sociais, Alcolumbre postou fotos e vídeos ao lado do prefeito, comemorando a inauguração da obra. Procurado, Davi Alcolumbre disse que “não há envolvimento algum” dele em qualquer irregularidade.
O comprovante do Pix foi apreendido no e-mail do prefeito durante a operação Cartas Marcadas. A investigação mira um possível conluio entre empresários, políticos e servidores que teria fraudado mais de 100 licitações em Mazagão ao longo dos últimos anos, movimentando mais de R$ 150 milhões em recursos públicos. O ex-suplente de Davi Alcolumbre em seu primeiro mandato no Senado, o empresário Marco Jeovano Soares Ribas, o Marquinho, também é investigado. Há comprovante de pagamento da empreiteira dele para o filho de um servidor da prefeitura, de R$ 40 mil.
Três obras bancadas com emendas do deputado federal Vinícius Gurgel e dois convênios custeados com emendas do ex-deputado André Abdon também são investigados. Uma delas, a da Casa da Cultura de Mazagão Velho, bancada com emenda de André Abdon, teria gerado pagamentos de R$ 24 mil para o prefeito Dudão e de R$ 90,5 mil para dois sobrinhos dele, de acordo com comprovantes obtidos pelos investigadores.
A parte da investigação que diz respeito aos recursos federais foi encaminhada para o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria da República no Amapá. Não há, nos documentos do MP-AP e da Justiça do Amapá aos quais a reportagem teve acesso, nenhuma menção a Davi Alcolumbre, a André Abdon ou a Vinícius Gurgel, e nem os documentos sugerem o envolvimento deles nas possíveis irregularidades. A Procuradoria da República no Amapá foi procurada, mas não retornou o contato da reportagem.
“Oi gente, tudo bem? Nós estamos aqui saindo na comitiva com o governador Clécio (Luís, do Solidariedade), com várias lideranças do nosso Estado, indo a Mazagão Velho, fazer a grande festa da inauguração, Clécio, que nós sonhamos há dois anos atrás, colocamos, em 2020 e 2021 recursos para o prefeito Dudão, para a gente fazer um belo ponto turístico e fortalecer ainda mais a cultura de Mazagão e a cultura do Amapá”, diz Alcolumbre numa postagem no Instagram em 22 de julho passado, em que comemora a inauguração do píer. “Um presente do nosso mandato para a comunidade”, escreveu ele na publicação.
O Pix de R$ 5 mil para o prefeito Dudão Costa foi feito no mesmo dia em que a prefeitura de Mazagão reuniu as empresas de engenharia que participaram da licitação, em março de 2022. Três meses depois, a empresa S. F Construções (cujo nome fantasia é Megacom) foi anunciada como vencedora do certame. O dinheiro saiu da conta de Wilson de Oliveira da Silva, que representou a Megacom na reunião de março. Formalmente, a empresa pertence ao filho e à esposa de Wilson, que é oficial de justiça do Tribunal de Justiça do Amapá (TJ-AP). “Possivelmente, pelo pagamento de vantagem indevida, tal empresa já se encontrava predestinada a vencer”, escrevem os promotores amapaenses.
Ao todo, a Megacom recebeu R$ 1,8 milhão pela obra da orla de Mazagão, feita em duas etapas. Além disso, segundo os promotores, há indícios de que a prefeitura comandada por Dudão Costa atuou para garantir que a Megacom vencesse as disputas, alterando os prazos das disputas em cima da hora.
Apresentada em 2019, a emenda de Davi Alcolumbre foi executada e chegou à prefeitura de Mazagão por meio do Programa Calha Norte, do Ministério da Defesa – àquela altura, a pasta era comandada pelo general Fernando Azevedo e Silva, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). O mesmo se deu com dezenas de outras obras investigadas na Cartas Marcadas.
“Os recursos serão aplicados em obras de infraestrutura básica como pavimentação de vias, calçamento, dentre outras, contribuindo com a elevação da qualidade de vida da população, em diversos municípios do Estado do Amapá”, diz Alcolumbre na justificativa da emenda, que tinha valor total de R$ 7,2 milhões.
“Para além disso, em que pese a identificação de que a licitação da Tomada de Preços, n.º 005/2022-CEL/PMMZ tenha como fonte de pagamento vínculo orçamentário federal, o que deverá ser devidamente apurado pelo Ministério Público Federal, essa mereceu destaque pois, em tese, indica um modo de operação dos investigados, o qual poderá ser replicado em outros procedimento com vínculo orçamentário de verbas estaduais”, escreveram os promotores sobre as obras no píer.
Várias outras obras bancadas com dinheiro federal também são investigadas. Três delas, para construção de escolas em diferentes comunidades de Mazagão, foram custeadas com emendas do deputado federal Vinícius Gurgel – os repasses somam R$ 1,2 milhão. Uma dessas obras, a da construção da escola da comunidade do Carvão, foi tocada pela empresa do “sobrinho de consideração” do prefeito, Leandro Dias dos Santos.
Os dois convênios custeados com emendas do ex-deputado André Abdon somam R$ 750 mil em repasses. Um deles foi para a compra de tratores e implementos, e o outro, para a construção da Casa de Cultura de Mazagão. No caso desta última, houve pagamento de R$ 24 mil da empresa que executou a obra, a DSM Construções, “para a conta pessoal do prefeito”, segundo o Ministério Público do Amapá.
Outros R$ 90,5 mil foram pagos a Leandro Dias dos Santos e a outro sobrinho do prefeito, Arlen Wanderson Costa de Lima, diretamente ou por meio das empresas deles. Abdon foi candidato à reeleição em 2022, mas não conseguiu manter o mandato. Hoje, é diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa), do governo do Estado.
Com pouco mais de 20 mil habitantes, a Mazagão amapaense surgiu em 1770, ao receber a população da antiga colônia portuguesa de mesmo nome no Marrocos. Cerca de 340 famílias deixaram o território português do Norte da África em direção ao Amapá, por ordem de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que decidiu pelo abandono da colônia. Hoje, a antiga Mazagão marroquina se chama El Jadida, e ainda conserva alguns prédios da época do domínio português. Tem 194 mil habitantes e fica a 90km de Casablanca, na costa atlântica do Marrocos.
A reportagem do Estadão ligou e mandou mensagens diretamente para o prefeito Dudão Costa e para o ex-deputado André Abdon. Dudão não respondeu, e Abdon disse que não iria comentar.
Davi Alcolumbre nega envolvimento e diz apoiar investigação
Em nota, o senador Davi Alcolumbre negou ter qualquer envolvimento no
possível pagamento de propina ao prefeito e disse que os fatos “precisam
ser apurados” pelas autoridades e os responsáveis punidos, caso fique
comprovada “a ocorrência de qualquer irregularidade”. As emendas, diz
Alcolumbre, destinam-se a atender o interesse público dos habitantes de
Mazagão.
“A assessoria do senador Davi Alcolumbre informa que não há envolvimento algum do senador nesse fato. Os investimentos, por meio de transferência voluntária da União em obras e projetos desenvolvidos nos municípios do Amapá, atendem aos critérios legais e são sujeitos a devida fiscalização.
O senador reforça ainda que os fatos questionados precisam ser apurados pelas autoridades competentes, com a observância do devido processo legal, para a aplicação de penalidades cabíveis, caso seja comprovada a ocorrência de qualquer irregularidade, pois os recursos foram destinados para atendimento do interesse público da população de Mazagão”.
O deputado Vinícius Gurgel disse que Mazagão sempre esteve entre as prioridades de seu mandato, e que suas emendas para o município sempre seguiram critérios “legais e transparentes”. Disse ainda que não tem ligações pessoais com a prefeitura local, e que o relacionamento é apenas “institucional”.
“O deputado federal Vinícius Gurgel (PL/AP) esclarece que sempre foi prioridade em seu mandato ajudar no desenvolvimento dos 16 municípios amapaenses. Como Mazagão faz parte da região Metropolitana de Macapá, o parlamentar assegura que parte de suas emendas direcionadas ao município sempre foram pautadas para atender as principais demandas dos munícipes, seguindo os critérios legais e transparentes. De acordo com Vinícius Gurgel, sua relação com a prefeitura de Mazagão é apenas institucional, sem indicações ou ligações pessoais com o município citado. Ele ressalta ainda que o papel do parlamento é a destinação da emenda. A execução cabe ao Executivo, seja ele municipal ou estadual”, diz a nota.
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