Alta de gastos e juro maior levam déficit nominal do Brasil ao maior patamar desde 2021
O indicador, que reflete o balanço entre receitas e despesas mais o custo com juros da dívida pública, chegou a 9,41% do PIB (Produto Interno Bruto) para o setor público consolidado no acumulado em 12 meses até abril. É o maior patamar desde janeiro de 2021, quando a situação das contas ainda refletia os impactos da pandemia de Covid-19.
Apesar do paralelo, a composição desses resultados é distinta. Se na pandemia o salto nos gastos para combater os efeitos da emergência sanitária foi o principal motor da piora fiscal, agora é a conta de juros que mais pesa sobre a situação das finanças brasileiras.
Em valores absolutos, o déficit nominal alcançou R$ 1,066 trilhão em 12 meses até abril, dos quais R$ 792,3 bilhões (ou 74%) são juros da dívida pública. Os dados são divulgados pelo Banco Central e foram atualizados pela XP Investimentos para descontar os efeitos da inflação.
Outros R$ 274,1 bilhões vêm do déficit primário (que exclui a conta de juros e aponta de forma mais direta o saldo entre receitas e despesas com políticas públicas).
Técnicos do governo ponderam que o valor inclui o pagamento de precatórios (sentenças judiciais) que haviam sido adiados pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Por isso, na visão desses interlocutores, é preciso adotar cautela nas comparações com o quadro na época da pandemia.
A Selic está hoje em 10,5% ao ano, decorrente de um ciclo de queda iniciado em agosto de 2023, quando a taxa básica de juros estava estacionada em 13,75% ao ano para ajudar o Banco Central no combate à inflação.
Na pandemia, o volume de gastos sem precedentes foi contrabalançado por juros reais negativos (com a Selic chegando à mínima histórica de 2%).
Em janeiro de 2021, quando o déficit nominal alcançou o pico de R$ 1,308 trilhão, a conta de juros somava R$ 402,8 bilhões (30% do total), em valores já corrigidos. Os números do setor público consolidado incluem governo federal, estados, municípios e suas estatais (exceto os grupos Petrobras e Eletrobras).
Segundo o Tesouro Nacional, 45% da dívida interna brasileira, denominada em reais, está atrelada à Selic. Por isso, qualquer oscilação na taxa impacta automaticamente a conta de juros do governo.
Mas esse não é o único fator que interfere nos resultados. O cenário internacional de juros mais elevados acaba empurrando para cima todas as taxas cobradas pelos investidores para financiar o Brasil por meio da compra de títulos públicos, inclusive as de médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, pode limitar o movimento de redução da Selic no curto prazo.
Os custos são amplificados pelas incertezas que cercam a trajetória fiscal do país, que adicionam um prêmio de risco às taxas pagas pelo governo brasileiro.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) prega a harmonização entre as políticas fiscal e a monetária e já chegou a dizer que os juros altos praticados pelo Banco Central contribuem para a elevação da dívida.
Já o BC elenca a incerteza fiscal como um dos motivos para adotar uma posição mais conservadora na condução da política de juros.
“É o déficit primário que eleva o custo de financiamento [via taxa de juros] ou é o déficit nominal que acaba pesando na conta da sustentabilidade? É a pergunta do que vem primeiro”, diz o economista da XP Tiago Sbardelotto.
Para ele, a incerteza fiscal é um fator de pressão relevante e deve interferir na conta de juros ainda que o BC prossiga com o corte de juros. “Se não tiver certeza que [o governo] vai conseguir entregar os resultados fiscais prometidos, os agentes vão cobrar mais. O custo da dívida está atrelado ao risco fiscal maior. [O corte na Selic] Não seria suficiente para reduzir o custo da dívida”, alerta.
Em sua visão, o governo deveria atuar para reforçar o arcabouço fiscal e garantir sua sustentabilidade no futuro. Hoje, o avanço de despesas obrigatórias como benefícios previdenciários e os pisos com Saúde e Educação lançam dúvidas sobre a capacidade de acomodar tais gastos sob o limite de despesas.
O economista Cláudio Hamilton, coordenador de Finanças Públicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que a questão do déficit nominal preocupa, mas há uma tendência de redução à frente, tanto dos juros quanto do déficit primário.
“A situação se deteriorou muito nos últimos 12 meses, por uma série de fatores. O ano de 2023 foi de arrumação das contas públicas, o déficit primário aumentou bastante [após o aumento de gastos aprovado na transição de governo]. De outro lado, teve uma aceleração das taxas de juros que agora estão caindo, mas lentamente e continuam muito altas se comparada à inflação”, avalia.
Em sua avaliação, há “bons argumentos técnicos” para continuar reduzindo a taxa de juros, pois a melhora do mercado de trabalho não gerou um repique inflacionário. No entanto, ele reconhece a incerteza fiscal.
“Não é que o governo esteja tendo vitórias no Congresso Nacional. E tem que ver como vai ficar a conta do Rio Grande do Sul, é um choque negativo importante. Mantém-se a pressão por mais gastos”, diz Hamilton. Segundo ele, um maior esforço do governo poderia abrir caminho para uma queda mais rápida dos juros.
A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, afirma que já era esperado o aumento na despesa com juros, sobretudo diante do adiamento das perspectivas de corte de juros nos Estados Unidos. Por outro lado, a trajetória de deterioração acende um alerta sobre a condução da política fiscal.
“Déficit nominal é consequência de um ajuste fiscal que não foi feito. Passado um ano do arcabouço, vemos deterioração grande nos gastos, e o primário não melhora. Vejo maior percepção de risco nas taxas dos leilões do Tesouro”, afirma.
Ela destaca que, com uma fatura de R$ 100 bilhões em precatórios para 2025, o resultado nas contas do ano que vem pode ser até pior do que em 2024, embora a meta fiscal traçada por Haddad preveja melhora —parte da despesa com sentenças judiciais pode ser descontada do cálculo da meta e dos limites do arcabouço, conforme autorização do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em suas projeções, o governo deve ter um déficit primário de R$ 77 bilhões em 2024 e de R$ 78 bilhões em 2025.
“É um paradoxo. Tem contas que não entram para a meta, então não tem o mesmo controle. Precatório é uma dívida que tem que ser paga, mas tem um custo ficar fora. Tem que se preocupar com todos os gastos”, avalia.
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