Defensoria afirma que famílias no RS não conseguem acessar auxílio de R$ 5.000 brasil
Um relatório elaborado pela DPU (Defensoria Pública da União) aponta que, passado um mês desde o início da tragédia que assola o Rio Grande do Sul, o acesso a benefícios sociais ainda é custoso e, por vezes, impraticável para muitas das vítimas das enchentes.
O órgão ainda relata a situação precária encontrada nos alojamentos e alerta para o risco de sobrecarga e de aumento expressivo da exclusão social caso o governo de Eduardo Leite (PSDB) insista na construção das chamadas “cidades provisórias”.
Segundo a DPU, muitos dos afetados têm dificuldade para acessar o Auxílio Reconstrução, apoio de R$ 5.100 ofertado pelo governo federal, e os programas estaduais Volta por Cima e SOS Rio Grande do Sul. Entraves burocráticos e exigências de cadastros em canais digitais estariam por trás do transtorno.
Dados obtidos pelo órgão junto à Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, que está vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Social, ainda indicam que apenas 5.268, ou 23%, das 22.616 famílias elegíveis para receber o Bolsa Família ingressaram, de fato, no programa e estão recebendo os recursos.
“Esse contexto [de tragédia] exige um modelo de atuação diferente do habitual, que se adapte à dinâmica do evento e à necessidade de desburocratização para garantir o acesso a direitos”, afirma a DPU.
“No que diz respeito ao Auxílio Reconstrução, a DPU tem observado uma série de equívocos no cadastro das famílias na plataforma gov.br”, acrescenta. “É urgente que sejam disponibilizados novos mecanismos para o acesso”.
Os defensores públicos federais também fazem um alerta para o risco de o estado se tornar palco de um “gigantesco campo de desabrigados” caso não reveja seus planos de acolhimento.
Na semana passada, o governo Eduardo Leite assinou um termo de cooperação para a construção de cinco “cidades provisórias”, como ficou conhecida a proposta, ou Centros Humanitários de Acolhimento. Três das estruturas serão implementadas em Porto Alegre, e outras duas, em Canoas (RS).
A DPU afirma que o superpovoamento sobrecarregará todas as estruturas de atendimento à população na região e fomentará “um conglomerado urbano com altos índices de exclusão social”.
Como alternativa, sugere que o governo aproveite imóveis públicos ociosos para dar abrigo aos desalojados e desabrigados, forneça um aluguel social temporário e financie quartos de albergues e da rede hoteleira, entre outras medidas que poderiam substituir os centros provisórios.
“Não é adequada a formação de um gigantesco campo de desabrigados em plena capital gaúcha quando estudos apontam a existência de imóveis disponíveis para alocação de famílias desabrigadas em espaços menores, próximos dos bairros de origem e com melhor gestão dos serviços”, diz a DPU.
Os defensores destacam que uma atuação célere e eficaz por parte do Governo do RS é necessária num contexto em que milhares de cidadãos ainda se encontram em espaços provisórios precários ou inadequados. Em Porto Alegre, por exemplo, apenas um dos alojamentos visitados por eles tem camas.
“São ginásios ou escolas em que as famílias ficam distribuídas sobre colchões, com pouco acesso à luz solar e sem qualquer privacidade; os banheiros ficam em condições de higiene precárias em razão do pequeno número em comparação com a quantidade de pessoas acolhidas”, diz o relatório.
“Essas constatações não desnaturam a histórica mobilização da sociedade gaúcha e nacional para o socorro às vítimas das enchentes. Evidenciam, porém, que os alojamentos são estruturas provisórias e que é atribuição do poder público assumir a gestão dos espaços”, completa.
O documento é assinado pelo Grupo Extraordinário de Monitoramento e Ação em Defesa das Vítimas das Enchentes, criado pela DPU na capital gaúcha e coordenado pelo defensor público federal Gabriel Travassos. A atuação envolve 48 defensores e servidores públicos e foi iniciada em 5 de maio.
Desde o início da crise, os defensores públicos federais já visitaram mais de 30 abrigos em Porto Alegre e fizeram mais de 1.800 atendimentos, que resultaram em mais de 2.000 processos de assistência jurídica.
A própria DPU teve sua sede na cidade alagada pelas águas do rio Guaíba, no início do mês passado. A princípio, os quadros do órgão se instalaram no Teatro Renascença, no bairro Menino Deus, mas tiveram que evacuar o local por causa de uma nova inundação.
Nos abrigos, os defensores públicos federais fazem desde atendimentos diretos a monitoramento das condições oferecidas, além de checar se grupos com necessidades específicas estão sendo atendidos, como mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas trans e a população que vive em situação de rua.
Uma equipe também foi destacada para comparecer a agências da Caixa Econômica Federal e fiscalizar o saque de benefícios como o Bolsa Família e o FGTS, liberados em condições especiais para as vítimas.
No relatório, a DPU diz ter instaurado 30 processos coletivos de assistência jurídica. Trabalhadores que denunciaram situações de assédio laboral, com empregadores exigindo presença mesmo com a pessoa estando desabrigada e sem condições de deslocamento, estão entre os casos ajuizados.
“Ninguém pode ser deixado para trás. A reconstrução [do estado] deve observar a dimensão socioambiental dos danos para adotar medidas que a curto, médio e longo prazo previnam novos desastres e reestruturem a sociedade gaúcha por meio de ações e projetos de redução da desigualdade e reparação dos danos sofridos”, defende a DPU.
O documento elaborado pelo órgão, que em Porto Alegre é chefiado por Regina Taube, afirma que muitas das ações realizadas até aqui só foram possíveis graças ao poder da Defensoria Pública de requisitar documentos a autoridades e à administração pública.
Sob a gestão de Augusto Aras, a PGR (Procuradoria-Geral da República) ingressou com 22 processos no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo o fim do mecanismo. A demanda foi negada pela corte.
“Graças a essa prerrogativa, os membros da DPU podem requisitar exames, certidões, informações, documentos e diligências imprescindíveis de órgãos públicos e privados para a adequada assistência jurídica à população”, afirma o órgão.
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