Exército reage e diz que previdência diferenciada para militares corrige desigualdade
O Caderno de Orientação aos Agentes da Administração, feito pela Secretaria de Economia e Finanças do Exército, foi escrito para defender que militares sigam com regras de aposentadoria diferentes dos civis. O documento será enviado a membros da equipe econômica.
O Exército afirma que os militares têm menos direitos que os civis durante a carreira e, para compensar, devem ter benefícios ao ir para a reserva —entre eles, a manutenção do salário integral.
“A integralidade e a paridade dos vencimentos dos militares, portanto, são ações afirmativas por parte do Estado brasileiro, que visam a garantir a igualdade material entre civis e militares […]. Isso pode ser comparado a outras ações afirmativas que visam corrigir desigualdades históricas e estruturais”, disse a Força.
Ação afirmativa é uma política pública de combate e reparação de desigualdades sociais, como as cotas para negros e indígenas em universidades e em concursos públicos.
O Exército destaca alguns direitos que os militares não possuem, como o recebimento de horas extras, adicional noturno e sindicalização. E reforçam que a carreira exige dedicação exclusiva e mudanças de cidade constantes.
As peculiaridades na carreira, segundo o documento, fazem com que o tratamento especial na reserva seja um “reconhecimento justo e merecido pelo serviço prestado pelos militares”.
“O regime jurídico distinto que rege os militares das Forças Armadas não implica em privilégios imerecidos; pelo contrário, visa apenas mitigar as desvantagens impostas a esses profissionais pelas particularidades da profissão militar”, afirmou.
Para defender o tratamento diferenciado, o documento apresenta uma imagem. Ela mostra um civil engravatado do lado de uma balança cheia da palavra “direito”; do outro lado, um militar-robô tem menos “direitos” em seu prato, mostrando desequilíbrio.
A legislação brasileira criou o SPMFA (Sistema de Proteção dos Militares das Forças Armadas) em 1980, durante a Ditadura Militar, que ganhou o nome e foi alterado em 2019. Trata-se de um conjunto de direitos que os fardados possuem para a garantia de remuneração, pensão, saúde e assistência social.
Eles preveem, por exemplo, que o militar na reserva receberá a mesma remuneração que tinha na ativa. A regra permite que um general receba R$ 37 mil até o fim da vida, enquanto civis são submetidos ao teto de R$ 7.786,02 do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
O militar que vai para a reserva recebe ainda uma ajuda de custo equivalente a oito salários —valor que chega a R$ 300 mil para generais. Quando morre, o oficial ou praça ainda deixa pensão para familiares que, em determinados casos, atenderá de forma vitalícia à cônjuge ou no limite de 24 anos para filhos.
Os integrantes das Forças Armadas ainda não têm idade mínima para deixar o serviço ativo e podem ir para a reserva remunerada após 35 anos de serviço. O TCU afirma que militares costumam deixar o trabalho entre os 50 e 70 anos, enquanto civis só podem se aposentar a partir dos 65 anos.
As regras especiais para os militares após o fim da carreira causaram um déficit de quase R$ 50 bilhões ao governo em 2023, segundo dados levantados pelo TCU.
O rombo causado nas contas públicas é de R$ 158,8 mil por militar inativo a cada ano; a aposentadoria de cada civil no Regime Geral da Previdência Social custa, em média, R$ 9,4 mil. Em síntese, o déficit por militar é 15 vezes maior que o de cada civil.
O presidente do TCU, Bruno Dantas, defendeu que o corte de gastos que o governo Lula pretende fazer comece pelos militares.
“No governo passado, foi feita uma reforma da Previdência para o servidor civil, e não foi feita para os militares. Talvez possa ser [mudada]. O que me cabe como auditor das contas do Brasil é mostrar esses números. É óbvio que há uma desproporção aqui e que algo precisa ser pelo menos pensado”, disse em entrevista à Folha.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, confirmou ao Congresso Nacional que cortes de benefícios dos militares estarão entre as propostas de redução de gastos públicos a serem apresentadas ao presidente Lula. “[Precisamos] ter coragem de atacar, por exemplo, a aposentadoria dos militares”, disse.
Os militares das Forças Armadas não têm aposentadoria, segundo a legislação e acórdãos do TCU. Os militares da reserva não são considerados legalmente como aposentados, porque podem ser reintegrados em casos excepcionais, como em guerras.
No documento, o Exército diz que guerras “inviabilizam a existência de um regime previdenciário contributivo” para as Forças Armadas.
“Um conflito armado levaria a óbito e invalidez boa parcela dos contribuintes jovens e deixando um efetivo expressivo e irremunerável de pensionistas e inválidos, provocando a insolvência de qualquer fundo de previdência que se venha a conceber”, disse.
Críticos às regras benéficas dos militares dizem que o Brasil não vive conflitos há décadas e que, portanto, elas deveriam ser extintas para garantir equilíbrio entre os tratamentos de civis e militares.
O Exército afirma que os direitos que os militares não possuem na carreira geram redução de R$ 30 bilhões nas despesas com pessoal e que os benefícios na reserva compensam o valor.
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