Governo acumula erros em série, líderes batem cabeça e Lula fica sob pressão
A desarticulação entre ministros e auxiliares de Lula também continuava como antes, com alguns defendendo posição considerada equivocada por outros.
A insatisfação de deputados e senadores chegou a um ministro, Fernando Haddad (Fazenda), até então poupado do arsenal de críticas dirigido à equipe de Lula.
Em suma, é atribuída a ele uma atitude primária na política, discrepante da que vinha adotando até então, a de enviar ao Congresso uma medida sem antes negociar seus pontos com os principais cardeais de Câmara e Senado.
Até os mais fieis aliados do governo têm reclamado do sucessivo envio de propostas da Fazenda sem prévio debate, sempre com a justificativa de serem fundamentais para a saúde da economia.
O dia nublado do governo começou com o anúncio da anulação do leilão de importação de arroz feito neste mês, após indícios de falta de capacidade técnica e irregularidades.
O preço do arroz e o suposto efeito na popularidade do presidente eram motivo de apreensão no governo mesmo antes da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul.
Além de sofrer críticas de produtores, agora o governo vê novamente atrasar a promessa de colocar na prateleira dos supermercados arroz a R$ 4 o quilo.
A decisão de anular o leilão e a demissão do secretário de Política Agrícola, Neri Geller, foi chancelada por Lula durante uma reunião no Palácio do Planalto.
Apesar de o governo sinalizar com a saída de que havia um responsável pelo fracasso da medida, o presidente cobrou bastante também de Carlos Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário).
Mais tarde, Geller desmentiu o governo afirmando que era contra o leilão e que não pediu demissão, mas foi demitido.
Além do caso do arroz, a insatisfação de Lula com sua equipe já havia sido manifestada no dia anterior, justamente na reunião das segundas-feiras que desde a semana passada ele tem feito com seus articuladores políticos, principal medida do novo modelo anunciado.
De acordo com relatos feitos por quatro participantes, ele reclamou de erros na tentativa de criar uma medida para compensar a desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios.
Para ele, sua equipe deveria ter negociado uma fonte de receitas no momento em que firmou um acordo para manter a desoneração, ocasião em que teria mais força para fazer valer sua posição.
A edição de uma MP que restringiu o uso de crédito presumido de PIS/Cofins provocou uma reação negativa do setor produtivo e terminou com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciando a devolução de parte da medida.
Integrantes do Palácio do Planalto reclamam, porém, que o governo não teve tempo para reagir e buscar uma solução para evitar que isso acontecesse.
Durante encontro na tarde de segunda-feira (10), Pacheco teria levado a insatisfação com a proposta e colocado na mesa a hipótese da devolução caso o governo não apresentasse uma alternativa. Lula então teria pedido 24 horas.
O governo federal ainda insistia que poderia trabalhar na articulação, para esclarecer alguns pontos da proposta e diminuir a rejeição.
O Palácio do Planalto, porém, se viu atropelado pelo presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Ricardo Alban. Lula e o dirigente se reuniram no Palácio do Planalto na manhã desta terça. Segundo auxiliares palacianos, o mandatário teria dito que iria retirar a medida provisória caso sua equipe não conseguisse avançar com uma proposta alternativa.
Ao deixar o encontro, no entanto, Alban declarou que Lula havia assegurado que a MP seria retirada. O Palácio do Planalto não o desmentiu e as declarações do representante da CNI acabaram por acelerar o processo, impedindo qualquer reviravolta.
No Senado, o próprio líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), se juntou aos críticos da MP do governo afirmando que Lula “não estava confortável” e que a decisão de Pacheco tinha “o aplauso do presidente da República”.
“É melhor um final trágico do que uma tragédia sem fim. Nós estávamos vivendo uma tragédia que pareceria sem fim”, disse.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), foi em linha diversa, crítica ao Congresso. Disse que os parlamentares têm que estar disponíveis para encontrar fonte de compensação e, sobre as declarações de Wagner, que Lula sabia da MP e poderia estar desconfortável com a crise, não com a medida.
Até um discurso que parecia unificado no governo novamente foi alvo de controvérsias internas.
A promessa de se esquivar de qualquer embate em torno da chamada “agenda de costumes” da maioria conservadora no Congresso novamente foi colocada à prova.
Membros do governo e do PT divergem sobre a análise da PEC (proposta de emenda à Constituição) das Drogas, prevista para ser votada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara nesta quarta-feira (12).
A proposta coloca na Constituição a criminalização do porte e posse de drogas. Ela foi apresentada por Pacheco e aprovada por ampla maioria em abril pelos senadores, numa reação ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que pode descriminalizar a maconha para uso pessoal.
De um lado, governistas afirmam que o Executivo deve empreender esforços para aprovar matérias da pauta econômica, que são prioritárias para o governo, e não se desgastar com a pauta de costumes, como é o caso dessa PEC.
De outro, o PT deverá se posicionar contra o texto. “Essa PEC só amplia o encarceramento no Brasil e é péssima para a política de segurança pública. Vamos orientar contrariamente à matéria”, disse à Folha o líder da legenda na Casa, deputado Odair Cunha (PT-MG).
O governo enfrenta um problema crônico de instabilidade de sua base no Congresso, apesar de ter distribuído 11 ministérios para União Brasil, PSD, MDB, PP e Republicanos. A esquerda é minoritária na Câmara e no Senado.
Um exemplo disso foi a série de derrotas sofridas no dia 28, quando o Congresso derrubou vetos de Lula, entre eles o que havia mantido as saídas temporárias de presos.
Agora, um novo embate se avizinha. Petistas e integrantes de partidos de centro-esquerda já avisaram aos articuladores do governo que vão protestar caso a Fazenda apresente proposta para redução dos pisos para saúde e educação.
Alegam que qualquer medida nesse sentido estaria em dissonância com as promessas de campanha de Lula e os acordos firmados no debate do arcabouço fiscal.
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