Pauta de costumes bolsonarista avança mais sob Lula do que sob Bolsonaro
Se de 2019 a 2022 temas como escola sem partido e o chamado Estatuto do Nascituro empacaram, agora o Congresso caminha a passos largos para criminalizar o consumo de drogas e, ao menos na Câmara, para equiparar as penas de homicídio ao aborto cometido após 22 semanas de gestação.
Um conjunto de fatores explica o paradoxo, que engloba também temas relativo à segurança pública e à questão agrária.
A composição do Congresso sob Bolsonaro e Lula é similar, com maioria de parlamentares de centro e centro-direita. Tanto esquerda quanto o bolsonarismo controlam, cada um, cerca de um quarto das cadeiras de Câmara e Senado.
A diferença é que nas eleições de 2022 o contingente de parlamentares mais alinhados ao ex-presidente ganhou um impulso —cinco ex-ministros foram eleitos para o Senado e o PL emplacou quase 100 deputados, a maior bancada da Câmara em um quarto de século.
Uma espécie de pontapé inicial na guinada verificada no Congresso partiu do Senado.
Na reta final de sua gestão na presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) e prestes a se aposentar, Rosa Weber desengavetou em 2023, em uma só tacada, julgamentos sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, a descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação e o marco temporal das terras indígenas.
A atitude inflamou as poderosas bancadas ruralista, religiosa e da bala. Isso levou o Senado a deixar de ser a barreira a projetos do bolsonarismo, papel que cumpriu em boa parte da gestão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que chegou ao comando da Casa em fevereiro de 2021.
Ao contrário, o Senado partiu para a ofensiva. Em resposta direta ao STF, aprovou não só a limitação de decisões monocráticas de ministros da corte —que está agora na Câmara—, mas também projeto que coloca na Constituição a criminalização de porte e posse de drogas e outro que retoma a posição dos ruralistas sobre o marco temporal indígena.
Além da reação ao STF, contribuiu para isso a já deflagrada campanha de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para suceder Pacheco e voltar ao comando do Senado, em 2025, tarefa que envolve a tentativa de não estimular um candidato bolsonarista competitivo.
A eleição de fevereiro tanto para o comando do Senado quanto para o comando da Câmara é um dos fatores que ajudam a explicar a mudança de posição do centrão, o grupo formado por PP, Republicanos e por parlamentares espalhados por outros partidos, como PL e União Brasil.
Assim como Pacheco e Alcolumbre no Senado, Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, tenta reunir o maior apoio possível a um candidato a sua sucessão, cujo nome ainda não está definido. Em troca de apoio, sofre pressão das bancadas ruralista, religiosa e da bala.
Na semana que passou, o plenário da Câmara aprovou a tramitação em regime de urgência do projeto que iguala ao homicídio aborto feito após 22 semanas de gestação. Já a Comissão de Constituição e Justiça validou por 47 votos a 17 a PEC das Drogas aprovada pelo Senado.
Na avaliação de líderes da Casa, o movimento de Lira mostra a tentativa do alagoano de reunir apoio dos parlamentares da oposição e da direita em torno de seu sucessor. Ao mesmo tempo, ele coloca o governo contra a parede, ao dar andamento a pautas que a esquerda e a base de Lula são contra. Lira também busca o apoio do petista para o seu candidato.
O presidente da Câmara incluiu a urgência do projeto antiaborto na pauta do plenário atendendo a um pedido da bancada evangélica.
Na quarta (4), ele foi questionado por jornalistas sobre o avanço das pautas de costume e falou em “olhar para todos os lados”.
“Se você quiser que eu paute todas as pautas de costumes, vocês vão ver que são enormes. A gente tem aqui o costume de olhar para todos os lados, todos os partidos, todos os representantes. São posições ideológicas muito diversas e nós temos que nos acostumar que, muitas vezes, a gente pode discordar, mas tem que respeitar o ponto de vista diferente”, disse.
Também avançou na Câmara matérias de um pacote “anti-MST” patrocinado pela FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) como resposta às invasões do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em abril.
Em maio, os deputados aprovaram um projeto que determina que invasores de propriedades rurais serão impedidos de receber auxílios ou benefícios de programas do governo, como o Bolsa Família, assim como de tomar posse em cargos e funções públicas.
Na área de segurança pública, o maior avanço da agenda bolsonarista se deu com a aprovação do projeto que acaba com a saidinha dos presos, o que incluiu derrubada do veto de Lula a trecho dessa lei. Nesse mesmo dia a Câmara aprovou revogação de parte dos decretos de Lula que amenizaram a legislação pró-armas de Bolsonaro.
Congressistas também afirmam que Lula não tem uma agenda de fôlego no Congresso para a segurança pública, o que abre espaço para o avanço de propostas de aliados do ex-presidente. Além disso, parlamentares da oposição dizem que usam essas pautas de costume como instrumento para desgastar a imagem do governo federal, que não tem base para tentar barrar temas como esses.
Nos quatro anos da gestão Bolsonaro, houve principalmente a partir de 2020 a entrega da sua articulação política ao centrão. Sob o comando de Lira, o grupo tinha uma posição clara de priorizar temas econômicos e que pudessem impulsionar a reeleição do presidente.
Devido a isso, propostas como a escola sem partido —que tem como pressuposto a existência de uma ideologização à esquerda patrocinada por professores nas salas de aula— e do Estatuto do Nascituro —que visa acabar com as permissões legais para realização do aborto— não saíram do lugar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente esta matéria.