Trump 2.0 será poderoso e sem lugar para infiéis, diz plano de aliados
O trecho acima poderia ter saído de uma obra religiosa, mas integra a principal proposta de plataforma para um novo governo Donald Trump, caso o republicano seja eleito em 5 de novembro.
Chamado de Projeto 2025, o plano é resultado de um esforço de mais de cem organizações conservadoras e nomes ligados ao republicano, inclusive ex-membros de seu governo, capitaneado pela Fundação Heritage.
O caráter radical e polêmico de muitas das propostas vem sendo explorado pela campanha de Joe Biden. O exemplo mais recente ocorreu na quinta-feira (6), quando o Comitê Nacional Democrata acusou o adversário “e republicanos por trás do Projeto 2025” de planejarem restringir o acesso ao aborto e a métodos contraceptivos —propostas que, de fato, estão no texto.
O projeto é dividido em quatro pilares. O primeiro é o “Mandato para Liderança”, uma obra de quase 900 páginas divulgada no ano passado em que propostas para orientar um novo governo conservador são detalhadas. Desde 1979, às vésperas da eleição de Ronald Reagan, a Heritage costuma lançar um documento do tipo.
Desta vez, são mais de 400 pessoas envolvidas. Cada capítulo é voltado para um departamento (equivalente americano a um ministério), agência e comissão federal —além da própria Casa Branca.
O segundo pilar do Projeto 2025 é a concentração de currículos e filtragem de interessados em trabalhar em um novo governo republicano. O terceiro é a “Academia de Administração Presidencial”, um conjunto de cursos online para treinar pessoas sem experiência na esfera pública.
O último pilar é o “Manual dos 180 dias”, um conjunto de propostas em elaboração a serem adotadas nos primeiros seis meses de governo para “levar alívio rápido aos americanos sofrendo das políticas devastadoras de esquerda”, como explica o Projeto 2025 em seu site.
Este não é o único plano proposto por uma organização conservadora, mas é o mais abrangente e com nomes de maior peso envolvidos. Embora não seja vinculado oficialmente à campanha de Trump —que diz que nenhum grupo fala pelo candidato—, muitos dos nomes são da órbita trumpista, e suas propostas ecoam declarações já feitas pelo republicano.
O objetivo prático do projeto é evitar que se repita o cenário caótico observado em 2017, após a primeira eleição do empresário, quando o governo teve dificuldades para fazer nomeações e avançar seus planos diante da falta de experiência ou da resistência de membros da administração.
Assim, o Projeto 2025 funciona como um pacote completo de propostas e um quadro treinado e comprovadamente leal para implementá-las.
“Nosso objetivo é montar um exército de conservadores alinhados, verificados, treinados e preparados para começar a trabalhar no primeiro dia para desconstruir o Estado Administrativo”, escreve Paul Dans, diretor do plano e ex-membro do governo Trump, na abertura do texto.
O “Estado Administrativo” designa a burocracia formada por funcionários de carreira de agências federais que, na visão desses conservadores, tomam decisões de governo que deveriam estar fora de sua alçada.
Para retirá-los do caminho, o plano prevê a retomada do Anexo F, decreto de Trump no final de seu mandato que ampliava os poderes de demissão de funcionários públicos –e que foi revogado por Biden. Cerca de 50 mil pessoas seriam cortadas, estimou o presidente da Heritage, Kevin D. Roberts, em entrevista ao jornal The New York Times.
O Projeto 2025 cita explicitamente algumas categorias na sua mira: funcionários da Agência de Proteção Ambiental que criam regulamentos que “sufocam a produção nacional de energia” e diplomatas que inserem “extremismo woke [termo jocoso para bandeiras de diversidade] sobre interseccionalidade e aborto” na política externa.
Em linhas gerais, as recomendações significam uma ampla reestruturação do governo americano, centralizando o poder nas mãos do presidente. Na agenda de comportamentos, o pano de fundo é uma visão conservadora cristã que coloca o fortalecimento da família nuclear, fruto do casamento entre um homem e uma mulher, como prioridade.
Um exemplo é a limitação da independência do Departamento de Justiça por meio de um aumento significativo do número de nomeações políticas e submissão total à Casa Branca. Proposta semelhante é feita em relação ao FBI, a polícia federal dos EUA.
Ambos os órgãos são alvos de ataques constantes de Trump, que acusa o atual governo de instrumentalizá-los para persegui-lo politicamente —ao mesmo tempo em que promete instaurar inquéritos contra democratas se for eleito. Dois dos quatro processos criminais contra o empresário foram abertos pelo Departamento de Justiça.
No tema de imigração, o Projeto 2025 recomenda a criação de uma pasta específica a partir da união de diferentes órgãos —somando um quadro estimado em mais de 100 mil pessoas, ou a terceira maior burocracia do governo.
O texto recomenda ainda uma reforma do visto de trabalho H-1B, amplamente utilizado por empresas americanas que contratam estrangeiros, para que seja limitado apenas “aos melhores e mais brilhantes” e desde que não prejudique trabalhadores americanos.
Sem surpresas, aborto é um dos principais alvos do plano, que propõe a reversão da autorização de comercialização de pílulas abortivas —método mais comum de interrupção da gravidez nos EUA.
Nesse campo, o Projeto 2025 defende o incentivo a métodos como a tabelinha, enquanto recomenda a revogação da exigência de que planos de saúde cubram camisinhas e pílulas do dia seguinte. O Departamento de Saúde seria renomeado “Departamento da Vida”.
No capítulo voltado ao Departamento de Educação, o texto propõe em sua primeira frase a eliminação da pasta. Em meio a um ambiente de frequentes embates entre pais e escolas sobre o que se ensina na sala de aula, o projeto afirma que a prioridade deve ser dada aos primeiros. Uma reforma que impulsiona a educação privada também é recomendada.
A questão que se coloca é se, afinal, Trump vai seguir essas propostas se eleito. Embora o Projeto 2025 não o endosse formalmente nem sua campanha encampe o texto, a Heritage destaca que o empresário seguiu 64% das recomendações feitas em 2016 em seu primeiro ano de mandato.
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