Com corte de gastos em xeque no governo Lula, despesas com saúde, BPC e Previdência batem recorde
O crescimento vertiginoso dessas despesas está sendo puxado, principalmente, pela decisão do governo de voltar com a indexação do salário mínimo ao crescimento do PIB, que pressiona os gastos com Previdência e BPC – pago a idosos e pessoas de baixa renda com deficiência – e também com a volta do piso para saúde, que está atrelado ao crescimento da arrecadação do governo.
A pressão sobre o governo Lula para corte de gastos ganhou força nas últimas semanas mediante os sinais de esgotamento do ajuste fiscal apenas pelo lado da receita, como encaminhado pela equipe econômica. As declarações de Lula em resistência a rever e desvincular despesas, juntamente com a volta da artilharia do petista ao Banco Central, tem feito o dólar disparar nos últimos dias.
O presidente se encontrou na manhã desta quarta-feira com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e terá nova reunião durante a tarde, para tratar do quadro fiscal.
O economista Tiago Sbardelotto, especialista em contas públicas na XP Investimentos, explica que os gastos públicos totais cresciam a uma taxa média de 6% ao ano entre 2000 e 2016, até a implementação do teto de gastos no governo Temer – que limitava o crescimento dos gastos pela inflação. Depois disso, houve estabilidade nas despesas – e agora, no governo Lula, voltou-se a um ritmo parecido com o anterior.
“Estamos falando de um novo patamar de crescimento do gasto. Isso a gente vem verificando desde 2023, após a PEC da Transição, e continua neste ano. Apesar de ter o limite de despesa de 2,5% acima da inflação (pelo novo arcabouço fiscal), é uma tendência de alta parecida com a que havia antes”, afirmou.
Os gastos com a Previdência Social chegaram a R$ 930 bilhões em maio, mesmo descontados os precatórios bilionários (dívidas judiciais da União) que foram herdados do governo anterior. Em maio de 2023, a mesma despesa somava R$ 819 bilhões – ou 12% a menos, já com correção inflacionária.
“Se perguntar ao governo, a explicação é de que há uma política para reduzir a fila de pedidos no INSS. Mas o que estamos vendo é um crescimento maior. Cerca de 80% da alta este ano é por conta de aposentadorias e pensões, e não por benefícios temporários, como auxílio-doença. As concessões disparam”, afirmou Sbardelotto.
Gabriel de Barros, da ARX Investimentos, entende que a vinculação da Previdência com o salário mínimo já praticamente anulou os ganhos para o setor com a reforma de 2019. Ele enxerga falhas nas concessões dos benefícios, já que o envelhecimento da população, embora esteja acelerando, não justificaria uma alta tão rápida.
“A dinâmica de crescimento está muito acima do que era esperado com a reforma. A vinculação (com o salário mínimo) e a decisão de voltar com a política de ganho real (acima da inflação), liquidamente está produzindo um gasto a mais. Isso, mais a baixa fiscalização dos benefícios não previdenciários, indica que também há um problema de fiscalização e concessão”, afirmou.
O Benefício de Prestação Continuada, por sua vez, rompeu a casa dos R$ 100 bilhões pela primeira vez em março deste ano e subiu para R$ 103 bilhões em maio. A média mensal nos pedidos pelo benefício aumentou 40% nos seis primeiros meses deste ano em comparação a 2023.
Ainda que o presidente Lula já tenha descartado desvincular essas despesas do salário mínimo, ao afirmar que não as considera como gasto, o governo prevê uma revisão dos cadastros para atender ao Tribunal de Contas da União (TCU) e contribuir para a agenda de redução de gastos obrigatórios. O INSS deve realizar até 800 mil perícias presenciais do Benefício por Incapacidade Temporária, o antigo auxílio-doença, e do BPC até dezembro deste ano.
Só essa revisão cadastral, no entanto, não é suficiente e deve gerar pouca economia, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Na área de saúde, a volta do piso – um gasto mínimo atrelado à arrecadação do governo – já alçou o setor ao maior gasto da série histórica. As despesas obrigatórias atingiram R$ 142 bilhões nos 12 meses acumulados até maio, acumulado em 12 meses, enquanto os gastos discricionários (não obrigatórios) alcançaram outros R$ 54 bilhões. Somados, chegam a R$ 196 bilhões.
Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário da Fazenda, entende que o crescimento desses gastos reflete escolhas feitas pelo próprio Executivo. Mesmo com o aumento de despesas de R$ 170 bilhões promovido pela PEC da Transição, o governo voltou com as regras de indexação, que aceleraram as despesas a partir de um nível já elevado.
“O que o governo fez é, de certa forma, inacreditável, porque recuperou as regras de indexação do (salário) mínimo, os pisos da educação e da saúde e depois estabeleceu um teto limite de 2,5% para os gastos, que foi o arcabouço fiscal. Quando houve uma piora do quadro externo, e mais as mudanças das metas fiscais pela equipe econômica para os anos à frente, veio uma crise de credibilidade”, afirmou.
Procurados, os Ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Previdência Social e do Desenvolvimento Social não se manifestaram.
Mais gastos batem recorde
Outras despesas menos expressivas, mas também importantes, também vêm batendo recorde. Apesar de estar na mira da equipe econômica para revisão em 2025 e de ter sofrido mudanças em seu desenho, as despesas com o Proagro – espécie de seguro rural voltado aos pequenos e médios produtores – chegaram a R$ 11 bilhões em maio, o maior número da série histórica.
No seguro-desemprego, apesar de a taxa de desocupação ter atingido em maio o menor nível em dez anos – 7,1% –, as despesas voltaram a acelerar e romperam a casa dos R$ 50 bilhões em janeiro, saltando para R$ 51,5 bi em maio. Esse é o mesmo volume de despesas de dezembro de 2020, já corrigido pela inflação, quando a desocupação estava em 13,9%.
Na área de educação, as despesas do Tesouro com o Fundeb, fundo que repassa recursos para Estados e municípios, também bateram recorde e chegaram a R$ 42,7 bilhões em maio. Essa alta representa a aprovação pelo Congresso, em 2020, do aumento de repasses do governo federal para o fundo. Em maio daquele ano, o Fundeb representava menos da metade desse valor, R$ 20,6 bilhões. Os gastos discricionários com o setor chegaram a R$ 37,33 bilhões – o maior valor em sete anos, desde maio de 2017.
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