Partidos estabelecem critérios obscuros para uso de R$ 5 bi do fundo público eleitoral brasil
A lei define que, para receber a verba, a legenda tem que aprovar e divulgar com destaque uma resolução com os parâmetros que irá usar para repartir o recurso.
Consulta feita pela Folha nas resoluções aprovadas pelos principais partidos, porém, mostra um rol de generalizações que, à exceção da determinação da verba mínima para mulheres e negros, mantém a decisão final nas mãos dos pequenos grupos que formam cada uma das cúpulas dessas legendas.
Partido com a maior fatia do fundo, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro é um exemplo disso.
A sigla aprovou resolução que prevê que 70% dos R$ 887 milhões a que tem direito serão divididos com base, principalmente, no desempenho do partido na eleição de 2022. Ou seja, candidatos de estados que elegeram mais deputados federais devem receber mais recursos.
A sigla, porém, estabeleceu uma cláusula que dá à Executiva Nacional, comanda por Valdemar Costa Neto, poder total para modificar completamente esses critérios, a depender apenas da conveniência política.
“Os recursos (…) só serão destinados às unidades federativas após deliberação da Comissão Executiva Nacional do PL, diante das peculiaridades e objetivos partidários em cada estado da Federação, quando poderão ser adotados critérios políticos” que venham a ser estabelecidos “pela Executiva Nacional, no interesse e na conveniência partidária”.
Caso algum estado não se enquadre nesses parâmetros, não receberá um centavo, diz o texto.
Os demais 30% da bolada do PL serão distribuídos diretamente pelo comando da sigla, sem qualquer critério objetivo, também com base apenas no “interesse e na conveniência partidária”.
Procurado, o PL não se manifestou.
Partido que detém a segunda maior fatia do fundão eleitoral, o PT de Lula (R$ 620 milhões), presidido por Gleisi Hoffman, também aprovou um texto genérico, em que não detalha valores a serem divididos ou critérios de escolha de candidatos. Apenas delibera que os congressistas do partido irão participar, ao lado do Diretório Nacional, da decisão dos recursos distribuídos.
A resolução do PT também concentra poderes na Executiva Nacional, afirmando que ela poderá rever decisão das instâncias inferiores do partido.
Não fica claro quem dará a palavra final no caso de divergências entre congressistas e diretórios.
“O critério estabelecido na resolução, de tomar decisões em conjunto com as bancadas eleitas, é o da democracia interna do partido”, disse a assessoria de imprensa do PT.
O Fundo Eleitoral foi criado por lei aprovada pelo Congresso em 2017, após o STF (Supremo Tribunal Federal) proibir, dois anos antes, o financiamento empresarial de candidatos e partidos.
Além dos R$ 5 bilhões, os partidos têm ainda direito à verba anual do Fundo Partidário, neste ano projetada em R$ 1,2 bilhão.
A verba dos dois fundos é distribuída aos partidos com base, principalmente, no desempenho de cada um deles nas eleições para a Câmara dos Deputados.
“O que se nota, de modo geral, contraria a legislação na medida em que não se definem propriamente critérios, mas somente a divisão de fatias dos recursos entre órgãos ou autoridades do partido, cujos critérios para distribuí-los entre as candidaturas permanecem desconhecidos”, afirma Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.
O PP aprovou uma tabela que reserva os maiores valores proporcionais dos R$ 417 milhões de sua cota do fundo aos estados dos seus dois governadores, Acre (Gladson Cameli) e Roraima (Antonio Denarium), além de Alagoas e do Piauí, estados do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do presidente do partido, Ciro Nogueira, respectivamente.
Na ponta de baixo da lista, o PP de três estados terá valor correspondente a menos de R$ 1 por habitante: Pará, Amapá e Mato Grosso. No Amazonas não receberá nada. A sigla não tem deputados federais nesses quatro estados.
“Os recursos serão distribuídos por livre deliberação da Comissão
Executiva Nacional, diante das peculiaridades e objetivos da organização
do partido nos estados e municípios, mediante critérios
políticos, pesquisas eleitorais e potencial eleitoral de candidatos,
candidatas ou coligações, conforme o interesse e a conveniência
políticos e eleitorais partidários”, diz a resolução aprovada pelo PP.
O documento confere ainda a Ciro Nogueira poder de “proceder a eventuais ajustes a fim de compatibilizar a contabilidade do partido”.
Já o MDB, que é comandado por Baleia Rossi, transferiu aos parlamentares da sigla o poder de escolha de parte dos recursos —R$ 55 milhões dos R$ 405 milhões a que o partido tem direito, por exemplo, serão distribuídos aos candidatos a critério dos deputados federais da legenda. Outros R$ 15 milhões, por escolha dos deputados estaduais.
O partido estabeleceu ainda determinação de ação ativa contra as candidaturas laranjas. Segundo a resolução, os diretórios “deverão envidar esforços, criando padrões de controle para coibir rigorosamente as candidaturas femininas fictícias que não tenham interesse eleitoral e sirvam apenas para cumprir as exigências legais”.
A lei e decisões da Justiça Eleitoral determinam que partidos precisam repassar recursos de forma proporcional ao número de mulheres e negros que lançar. Essas regras, porém, são largamente descumpridas pelos partidos e tornam-se objetos de projetos de anistia no Congresso.
O PSDB, por sua vez, tem um dos textos mais sucintos, com apenas três parágrafos. Em resumo, dá ao presidente da sigla, Marconi Perillo, e à Executiva Nacional o poder de decisão, “considerada a estratégia política-eleitoral do partido no âmbito nacional e local”.
“O PSDB enviou ao TSE seus critérios de distribuição de recursos de acordo lei. A distribuição levará em consideração sua estratégia eleitoral e a opinião de representantes do partido no Congresso Nacional, de governadores e de outras lideranças políticas, respeitando as cotas femininas e de raça”, disse a assessoria de imprensa do partido.
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