Atuação de assessores de Moraes fora do rito pode abrir brecha para nulidade
Embora haja divergências entre eles e parte considere não haver comprovação de irregularidade, há questionamentos principalmente caso os pedidos não tenham sido formalizados nos processos.
Reportagem da Folha na terça-feira (13) revelou que o gabinete do ministro Alexandre de Moraes no STF ordenou de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões do ministro no inquérito das fake news no Supremo durante e após as eleições de 2022. As mensagens trocadas por assessores ligados ao ministro abrangem o período de agosto daquele ano até maio de 2023.
Na época das mensagens trocadas, Moraes atuava tanto na presidência do TSE, que tem poder de polícia e pode pedir a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, quanto como relator do inquérito das fake news no Supremo.
A atuação nos dois tribunais ocorre em razão de especificidade da Justiça Eleitoral brasileira, que não tem quadro próprio de juízes. Segundo a Constituição, o TSE, corte superior da Justiça Eleitoral, é composto no mínimo de sete ministros titulares. Do total, três vêm do STF (de onde saem o presidente e o vice), dois do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e dois da advocacia.
Sobre possível irregularidade em procedimentos dos dois órgãos enquanto Moraes atuava tanto no TSE quanto no Supremo, o gabinete do ministro nega incorreção e afirma que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.
Marcelo Figueiredo, professor de direito constitucional da PUC-SP, considera que a informalidade com a qual o ministro fez os pedidos pode comprometer a validade do julgamento, abrindo espaço para as partes interessadas pedirem a anulação das provas e até do próprio inquérito.
“Formalidade não é uma mera exigência para atrapalhar o processo, mas uma garantia dos acusados. Por isso, é preciso estar registrado quem pediu, como pediu, quando pediu. A parte tem direito a saber o que é solicitado”, afirma Figueiredo, que não vê problema no pedido de produção do relatório por si só feito por Moraes.
Já Raquel Scalcon, consultora e professora de direito penal da FGV-SP, afirma que a falta de documentação, se comprovada, pode ser um problema, na medida em que dificultaria o acesso das partes, e pode invalidar as provas, mas não o inquérito todo.
“O que está em discussão, me parece, é só um pedaço daquele inquérito, uma parte pequena. Considerando o tamanho da investigação e tudo que foi produzido até o momento. Para além dessas questões, não acho que isso tenha como efeito derrubar o inquérito”, diz.
Para Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense), a especificidade do funcionamento da Justiça Eleitoral levou Moraes a atuar ao mesmo tempo nos dois tribunais, o que pode ter estimulado a comunicação informal entre os dois gabinetes do ministro.
Na avaliação do especialista, a conversa informal deve ser evitada. Entretanto ele não vê problemas nas mensagens divulgadas via aplicativo de mensagens entre os assessores de Moraes desde que os procedimentos ali descritos tenham sido posteriormente oficializados nos autos.
Caso a formalização não tenha ocorrido, afirma, a defesa das partes interessadas tem brecha aberta para pedir a nulidade de provas.
Sampaio afirma não ter visto, nas mensagens até agora divulgadas, irregularidade do ministro, que poderia pedir modificações no relatório com o objetivo de melhorá-lo.
Segundo apurou a Folha, as mensagens contêm instrução para a realização de relatórios com foco em alvos específicos, como aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu filho Eduardo. As mensagens também revelam a preocupação de assessores em modificar a origem de pedidos para a produção dos relatórios.
Para Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito pela USP e coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o poder de polícia da Justiça Eleitoral poderia justificar o comportamento do magistrado na atuação como representante do TSE.
Segundo ele, o ministro “tinha um dever legal” de agir, uma vez que o juiz eleitoral atua também como fiscal. Sobre a informalidade das conversas, Almeida afirma que a lei não exige um ofício para o encaminhamento de pedidos. Ele argumenta que a coincidência de o ministro ser ao mesmo tempo presidente do TSE e relator do inquérito das fake news no Supremo pode ter contribuído para a conversação informal, que não seria irregular, em sua opinião.
Já Ricardo Yamin, doutor em direito e professor de direito processual civil da PUC-SP, diz não ver incorreção na atuação do ministro mesmo se as conversas não tiverem sido formalizadas depois em ofício.
“Como ele era do TSE e do STF, não há irregularidade de ele, como juiz eleitoral, fazer solicitações que depois iriam embasá-lo como ministro do Supremo no inquérito”, diz.
Ele afirma que não há exigência legal para que as solicitações ocorram por ofício. Importa, diz, que as provas produzidas tenham depois sido publicadas no inquérito, mas a lei “não cria uma formalidade de como esses pedidos têm que ser feitos”.
Yamin, entretanto, afirma que pode haver incorreção no procedimento se for comprovado que o ministro fez pedidos de mudança no relatório tendo como objetivo um resultado já estabelecido, como a definição de multa ou o bloqueio das contas.
“Acho que nesse aspecto haveria uma violação do dever de imparcialidade: já decidir pela multa e produz a prova depois”. A consequência disso, afirma Yamin, seria uma eventual nulidade de provas.
O cenário, entretanto, é diferente do mero pedido de melhoramento de provas, o que Yamin acredita ter sido o que ocorreu no caso de Moraes.
Para o professor, o fato de assessores de Moraes tentarem camuflar a origem dos pedidos pode ter ocorrido como estratégia para preservar a imagem do magistrado.
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