Congresso vê Planalto por trás de decisão de Dino sobre emendas e articula reação
Parlamentares ouvidos dizem ver digitais do governo por trás da decisão de Dino, que foi ministro da Justiça de Lula (PT) até fevereiro.
Em 2022, quando a então ministra Rosa Weber decidiu proibir as chamadas emendas de relator —mecanismo com baixa transparência, que concentrava nas mãos da cúpula do Congresso a decisão sobre a divisão de bilhões em emendas—, o Congresso também reagiu e transferiu o modelo vetado para as emendas de comissões permanentes da Câmara e do Senado.
A reação do Congresso na ocasião tem os mesmos traços da que está sendo articulado neste momento. De um lado, parlamentares elevam as críticas segundo as quais o STF extrapola suas funções e busca legislar no lugar da Câmara e do Senado.
De outro, discutem mecanismos para evitar que a medida afete de forma significativa a efetiva execução das emendas, principalmente a dois meses das eleições municipais de outubro.
Uma das atitudes já decididas será recorrer da decisão de Dino, o que tende a levar o caso para o plenário da corte, formado por 11 ministros.
O alcance das decisões de Dino neste ano ainda é incerto. Isso porque a legislação eleitoral proíbe que o governo inicie processos para pagamento de emendas parlamentares até três meses antes das eleições.
A trava eleitoral se iniciou em 6 de julho. Resquícios de empenhos (quando determinada despesa tem seu dinheiro reservado) e pagamentos de emendas podem ser feitos durante esse período, caso os convênios com as prefeituras tenham sido fechados antes da janela eleitoral.
Integrantes do Planalto negam que tenham articulado a decisão do ministro do STF e afirmam que a posição do governo se limitou a responder a questionamentos do magistrado sobre como estavam sendo executadas as emendas. A decisão sobre dar mais transparência a essas verbas partiu exclusivamente de Dino, disse um ministro à reportagem.
Entre as medidas expedidas na quinta-feira (1º), Dino determinou que o governo só execute gastos de emendas de comissão que tenham prévia e total rastreabilidade.
As emendas de comissão têm sido usadas pelas cúpulas da Câmara e do Senado para distribuir entre parlamentares alinhados um valor de cerca de R$ 15 bilhões neste ano.
O ministro do STF também decidiu que parlamentares só podem destinar emendas aos estados pelos quais foram eleitos, e determinou que a CGU (Controladoria-Geral da União) audite todos os repasses de emendas parlamentares para ONGs e entidades do terceiro setor, de 2020 e 2024, além de todos os repasses de emendas Pix —modalidade de emenda individual que acelera o repasse de recursos diretamente para os caixas das prefeituras de aliados dos parlamentares nos estados.
Em decorrência das decisões, o governo suspendeu o pagamento de todas as emendas de comissão e dos restos das emendas de relator.
O comunicado sobre a suspensão foi enviado pela AGU (Advocacia-Geral da União) para todos os ministérios.
A expectativa no governo é que uma eventual derrubada da suspensão possa ocorrer na terça-feira (6). Flávio Dino marcou para esta data uma reunião técnica entre assessores do Supremo, do Congresso Nacional, do governo, do Ministério Público Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União).
Na reunião serão esclarecidos quais procedimentos todas as partes envolvidas na execução das emendas parlamentares devem adotar para cumprir a decisão.
As emendas parlamentares somam quase R$ 52 bilhões em 2024. Os principais montantes são relativos às emendas individuais (R$ 25,1 bilhões), de comissão (R$ 15,5 bilhões) e de bancadas (R$ 8,5 bilhões). Há ainda R$ 2,7 bilhões de emendas em programações do governo.
Alas do governo divergem em relação à repercussão da decisão de Dino. Alguns comemoraram, mas outros manifestaram preocupação com o que pode ser a reação, principalmente do centrão. O grupo é parceiro formal do governo, mas sua fidelidade é oscilante e ele tem nas emendas o seu principal instrumento de manejo político.
Um ministro ouvido reservadamente pela reportagem considera positivas as mudanças propostas pelo STF para dar transparência às emendas de comissão.
A avaliação é a de que o ministro do Supremo queria alterar o modelo desde que assumiu mandato de senador e fez discursos sobre o tema. Por isso, a leitura é que Dino não desistirá de alterar a forma como algumas emendas são destinadas hoje em dia.
Em outra frente, dois ministros disseram acreditar que a determinação da corte pode piorar a relação entre Congresso e governo. Isso porque parlamentares veem influência de aliados de Lula na posição de Dino sobre as emendas.
Esses dois auxiliares do presidente defendem a posição de que o ministro deveria ter determinado ao Parlamento mudar as regras de distribuição de emendas e incluir as novas normas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) em vez de ter proferido uma decisão a ser cumprida.
O alcance e os detalhes da decisão ainda são tratados como dúvida entre técnicos do Congresso e mesmo no governo. A expectativa desse grupo é que a reunião da próxima terça sirva para esclarecer como deve se dar a transparência exigida por Dino e o papel de Congresso e da União na mudança de modelo.
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