Emendas bilionárias criam categoria de candidatos ‘tá na conta’


O bilionário valor das emendas parlamentares recheia as redes sociais de boa parte dos 83 deputados federais e 4 senadores que vão disputar as eleições municipais de outubro.

No marketing dos congressistas candidatos, são usadas expressões curtas e de impacto como “#tá pago!” e “tá na conta!”, entre outras variações similares.

Só no ano eleitoral de 2024, cada um dos deputados federais teve ao menos R$ 38 milhões para direcionar em emendas. Cada senador, ao menos R$ 69 milhões. Além desse valor, congressistas mais bem posicionados nas estruturas partidárias conseguiram fazer repasses ainda maiores por meio das emendas de bancada e de comissão.

Ao todo, a bolada das emendas parlamentares superou a casa dos R$ 50 bilhões neste ano.

O dinheiro os coloca em vantagem em relação aos concorrentes porque, apesar de não entrar na contabilidade de campanha, entra no marketing eleitoral que é feito antes e durante a eleição.

Além desse trunfo, geralmente os congressistas são os mais beneficiados pelos seus partidos com a distribuição do também bilionário fundo eleitoral, que neste ano é de R$ 5 bilhões.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE), por exemplo, divulgou em suas redes sociais em 15 de julho um vídeo de 20 segundos em que relata vários recursos enviados ao estado por meio de suas emendas.

“Desde o início do nosso mandato, tenho destinado emendas participativas para todos os 184 municípios cearenses. […] Só para Fortaleza enviamos mais de R$ 40 milhões a diversas instituições sérias. A metade para a saúde. Tenho batalhado todos os dias, no limite das minhas forças, pela saúde dos fortalezenses e me dói no coração e na alma tanto sofrimento por falta de compromisso da prefeitura para com o cidadão”, escreveu no post.

De acordo com a mais recente pesquisa do Datafolha, Girão aparece numericamente em quinto lugar na corrida em Fortaleza, com 5% das intenções de voto. Lideram a disputa o ex-deputado federal Capitão Wagner (União Brasil), com 29%, e o atual prefeito, José Sarto (PDT), com 23%.

A Folha procurou o senador, mas não teve resposta.

O senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) é candidato a vice-prefeito de Maceió na chapa à reeleição de JHC, do PL, e também recheou suas redes sociais com notícias das verbas enviadas ao estado e à cidade.

Cunha é um dos poucos parlamentares que adotam algum mecanismo de consulta aos eleitores para definir a destinação de suas emendas parlamentares.

“Desde o início de seu mandato, em 2019, o parlamentar destinou recursos de emendas para todos os 102 municípios de Alagoas”, disse a assessoria do senador, que nega vinculação entre essa destinação e as eleições. Ela afirma considerar normal e natural o fato de Cunha destinar emendas para a capital de seu estado de origem, “a cidade de Maceió, município em que vivem quase 33% da população total do estado”.

O senador licenciado Carlos Viana (Podemos) também é profícuo em suas redes sociais na divulgação de verbas enviadas por ele para Belo Horizonte.

“Infraestrutura, saúde, segurança, educação e diversas outras áreas. Enviei quase R$ 9 bilhões para o desenvolvimento social e econômico de Minas Gerais. Mais de R$ 2,9 bilhões de recursos destinados para BH”, anunciou nas redes, no último dia 7. “O metrô é realidade graças a mim”, escreveu em outro post.

Viana é candidato a prefeito da capital mineira e, de acordo com pesquisa do Datafolha, aparece numericamente em segundo na disputa, com 12% das intenções de voto, embolado com outros candidatos. A corrida é liderada pelo apresentador de TV Mauro Tramonte (Republicanos), com 27%.

As emendas parlamentares influenciam, mas não têm peso relevante nas eleições, disse Viana, por meio de sua assessoria.

“Em Belo Horizonte, eu investi muito em socorrer os hospitais filantrópicos e as Santas Casas. É um compromisso com a população, mas esses hospitais não se engajam na eleição de ninguém, por uma questão até de receberem de vários parlamentares. Outra parte eu enviei em assistência social, mas infelizmente a prefeitura da capital recusou uma boa parte dos recursos.”

Na Câmara, a lista dos deputados candidatos que recheiam suas redes de notícias sobre as suas emendas também é grande.

Abilio Bunini (PL), candidato a prefeito de Cuiabá, usa os termos “já tá na conta” e “já tão pagos” em suas postagens e vídeos para anunciar os recursos enviados para a cidade. Aliel Machado (PV-PR), candidato a prefeito de Ponta Grossa, se autoconcedeu a “medalha de ouro em recursos para Ponta Grossa”. Carlos Chiodini (MDB-SC) fez montagem com casas populares feitas com recursos de suas emendas em Itajaí, onde disputa a prefeitura.

Natalia Bonavides (PT-RN), que disputa a Prefeitura de Natal, usa a hashtag “tá pago” para anunciar suas emendas, mesmo bordão de Ana Paula Lima (PT-SC), candidata à Prefeitura de Blumenau. “Tá na conta” é o mote de Antonio Andrade (Republicanos-TO), candidato a prefeito de Porto Nacional.

A Folha procurou os deputados. Aliel, Ana Paula e Chiodini responderam.

“Não acho que o eleitor escolha o seu candidato em função de quanto ele destinou para o seu município, mas naturalmente ele espera de um deputado federal que ele traga recursos para o seu estado”, disse Aliel.

“A disputa em Ponta Grossa se dá contra a atual prefeita, que tem a máquina do município em favor dela, contra um deputado estadual, irmão de um deputado federal […], e com outra deputada estadual que, além das emendas, é filha de um ex-prefeito político tradicional da cidade. Se tem alguém que sai em vantagem nessa disputa não é um deputado independente que, além de Ponta Grossa, precisa mobilizar recursos para todo o estado.”

Ana Paula disse direcionar emendas para quase todos os municípios de Santa Catarina. Afirmou ainda que as decisões foram tomadas sem discriminação partidária.

“No caso de Blumenau, por exemplo, o atual prefeito é do PL. O governo do presidente Lula [PT] destinou mais de R$ 46 bilhões do PAC para Santa Catarina, cujo governador também é do PL. Então, assim como o governo federal, não utilizo a prerrogativa das emendas parlamentares visando gerar algum ganho político no processo eleitoral.”

Ela afirma que um deputado estadual, um integrante do Executivo municipal ou um empresário influente também têm recursos que podem gerar ganho político, mas que o importante, no fim das contas, é que a população seja beneficiada.

Carlos Chiodini afirmou que envia recursos não só para Itajaí como para quase todo o estado. “Contribuo todos os anos com o município de Itajaí, este que tem o maior PIB do estado de Santa Catarina e que é o 12º maior arrecadador de impostos federais para a União dentre todos os municípios brasileiros. O fato é que o estado não recebe esse retorno da União, e a única forma de tentarmos equiparar essa conta é por meio de recursos diretos.”

Diretor-executivo do Transparência Partidária, Marcelo Issa afirma que a vantagem proporcionada pelas emendas parlamentares também é reforçada por uma série de outros fatores, como as verbas direcionadas para a contratação de equipes de assessores nas bases eleitorais e para a produção de material de divulgação dos mandatos —dinheiro que frequentemente é usado para a manutenção das redes sociais dos parlamentares.

“Todo esse contexto, ao qual se soma o crescimento exponencial dos recursos para emendas, certamente contribui para aumentar a desigualdade na disputa, dificultando uma maior renovação do Parlamento.”

Ranier Bragon, Mateus Vargas e Constança Rezende/Folhapress

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