Escalada autoritária de Maduro na Venezuela apaga legado social do chavismo
Além de mergulhar o país em uma crise ainda mais grave do que a tragédia econômica e social apontada por especialistas, o recrudescimento da ditadura ameaça um já distante legado social do chavismo em seus 25 anos no poder, segundo pesquisadores que acompanham a situação venezuelana.
Quando Hugo Chávez (1954-2013) chegou à Presidência, em 1999, o país vinha de quase duas décadas de crises políticas e econômicas. Ele era visto como uma resposta para a situação conturbada e falava em uma revolução bolivariana que entregaria justiça social, soberania nacional e redistribuição de riqueza.
“O governo foi bem na economia durante os anos 2000, graças ao incremento das políticas sociais que a bonança petroleira permitiu”, diz Pedro Silva Barros, pesquisador do Ipea e coordenador do projeto Integração Regional: o Brasil e a América do Sul.
Para o historiador Rafael Araújo, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coautor do livro “A Revolução Bolivariana em perspectiva histórica e conceitual (1999-2023)”, a ser lançado neste mês, houve alguns êxitos no primeiro momento. “O país reduziu a pobreza, melhorou seu Índice de Desenvolvimento Humano, avançou com políticas públicas, tudo com manutenção de aspectos democráticos”.
O início da era Maduro, em 2013, transforma a Venezuela de forma negativa, especialmente quanto ao autoritarismo —embora o apego ao poder já fosse bastante claro em Chávez. “O que houve de avanço evaporou com Maduro, e nenhum legado do chavismo original sobreviveu”, diz Araújo.
A trajetória chavista reflete uma situação política marcada por polarização e constantes ameaças de golpe, por uma extrema dependência do petróleo, pela ausência de inovação e investimentos em desenvolvimento, pelo progressivo autoritarismo imposto com força militar e por sanções internacionais que sacramentaram a crise.
“O erro histórico do chavismo foi dar continuidade ao modelo rentista da exploração de petróleo. Não houve diversificação da economia, não houve investimento em indústria e agricultura que tornasse o país menos dependente”, afirma Rafael Duarte Villa, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Com a oscilação da economia, os especialistas apontam que se consolidou também a transformação na política do país. Enquanto havia a ajuda dos preços internacionais do óleo, Chávez mantinha sua popularidade, refletida nas urnas. Quando a maré mudou, veio a pressão da oposição e de sanções internacionais, e Maduro fechou o regime.
Mesmo reconhecendo a escalada do autoritarismo, Araújo, da Uerj, diz que o comportamento dos opositores ao longo do período também estava inserido em uma lógica de pouca aderência democrática. “A oposição venezuelana por muito tempo teve claro perfil golpista, tentou derrubar Chávez, tentou boicotar eleições, tentou deslegitimar o governo.”
Na opinião dos especialistas ouvidos pela reportagem, apesar do cenário de contestação interna e externa pelos vários indícios de irregularidades no processo eleitoral, o chavismo ainda é o movimento político mais forte da Venezuela e continuará vivo, mesmo que a oposição chegue ao poder.
Além de ter apoio de parte da população, conta com as Forças Armadas incorporadas à estrutura de poder, recebendo privilégios econômicos e participando ativamente da gestão do Estado. Se algo se conservou de Chávez, um ex-tenente-coronel do Exército, para Maduro, foi justamente o legado militarista.
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