Países não se dispuseram a negociar na OEA sobre Venezuela, diz diplomata Benoni Belli
Representante permanente do Brasil junto à OEA , o embaixador Benoni Belli
Na última quarta (31), um impasse impediu que a organização adotasse uma resolução que, entre outros pontos, pedia que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) divulgasse as atas eleitorais das mesas de votação. O texto defendia o respeito aos direitos humanos no país e a proteção dos elementos do processo eleitoral, incluindo as próprias atas.
Ao todo, foram 17 votos a favor (de países como EUA, Chile, Costa Rica e Equador), 11 abstenções (além de Brasil, nações como a Colômbia, o México e caribenhos), nenhum voto contra e cinco ausências. Para ser aprovada, a resolução necessitava de ao menos 18 votos.
“Posso estar errado, mas houve quem tentou criar uma falsa dicotomia entre defensores e detratores da democracia”, disse Belli em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo por escrito.
A Venezuela não tem representante na OEA, e o regime Maduro realiza diversas críticas à organização e ao seu secretário-geral, Luis Almagro.
Por que o Brasil se absteve na votação da resolução da OEA?
Porque não houve disposição real de negociar por parte de alguns dos países que propuseram o projeto. Passamos quase oito horas na mesa de negociação. O Brasil e outros países fizeram em torno de quatro ou cinco sugestões substantivas para aprimorar o texto, mas nenhuma foi aceita. Ao final, colocamos como condição para juntar-nos ao consenso ou para votar a favor uma única alteração, que tampouco foi aceita.
Qual era a alteração?
Queríamos uma redação de um parágrafo na linha do comunicado conjunto assinado entre Brasil, Colômbia e México, ou seja, instando as autoridades eleitorais venezuelanas a publicarem as atas com os dados desagregados por urnas, de modo a permitir verificação imparcial e assegurar a legitimidade, credibilidade e transparência dos resultados.
Alguns dos proponentes do projeto insistiram em manter referência a uma verificação ou recontagem por atores externos, quando alguns deles jamais aceitaram receber sequer uma missão de observação eleitoral. O Brasil aceitou 95% do texto. Infelizmente, a inflexibilidade de alguns dos países patrocinadores da iniciativa, que pareciam querer impor uma espécie de contrato de adesão, foi o que levou à abstenção brasileira.
Quais foram os países inflexíveis?
Prefiro não dar nomes, mas assistindo aos discursos no plenário do Conselho Permanente [da OEA], fiquei com a impressão de que havia uma intenção deliberada de levar o texto à votação. Posso estar errado, mas houve quem tentou criar uma falsa dicotomia entre defensores e detratores da democracia. Esse tipo de narrativa pode servir aos propósitos de ganhar pontos na política doméstica de alguns países, mas não se coaduna com a diplomacia multilateral, que exige negociação e busca de caminhos comuns.
A abstenção na OEA significa apoio ou reconhecimento da vitória eleitoral de Nicolás Maduro na Venezuela?
Isso não estava em jogo na análise de projeto de resolução.
Os Estados Unidos e outros países da região, como o Uruguai, parabenizaram o opositor Edmundo González como o vencedor das eleições na Venezuela. Qual a avaliação dessa decisão?
Sempre vamos respeitar as posições dos demais países, mas não temos de concordar. Não sei dizer se é uma estratégia que reproduz o que ocorreu em 2019 [quando Juan Guaidó foi reconhecido presidente por diversos países], mas aquele foi claramente um caminho que não ajudou a baixar tensões e encaminhar a crise em um sentido positivo, ao contrário.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, disse que vai pedir a prisão de Maduro ao TPI (Tribunal Penal Internacional). Ele conta com respaldo na OEA para essa medida?
O secretário-geral agiu nesse caso por conta própria, com base na interpretação que ele mesmo faz de suas prerrogativas. Não houve nenhum mandato aprovado pelos Estados membros para isso. O anúncio cria um fato político, mas não gera nenhuma consequência automática. O TPI é uma corte independente e cabe ao procurador analisar informações que lhe cheguem.
Na visão do Brasil, a OEA tem legitimidade para discutir temas relacionados à Venezuela?
A legitimidade é questionável. A OEA tem relevância e eficácia quando existe participação e engajamento dos países. Veja que tivemos um caso de sucesso com a Guatemala no ano passado. O governo de então foi colocado na berlinda, mas aqui trabalhamos para que houvesse diálogo e eles participaram das negociações.
O Brasil advogou desde o início pelo engajamento e por uma estratégia de pressão paulatina, ao contrário de países mais afoitos que queriam queimar etapas e impor sanções. A nossa estratégia prevaleceu e os resultados foram positivos.
Com a Venezuela foram cometidos erros em série que levaram ao afastamento do país da OEA. Isso debilita a legitimidade da Organização como órgão intergovernamental, embora órgãos independentes como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte mantenham suas prerrogativas.
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