Regra do TSE amplia poder de polícia de juízes eleitorais e gera dúvidas
Nestas eleições, a corte decidiu pela ampliação do poder de polícia dos juízes eleitorais da primeira instância para remover conteúdo da internet em caso de propaganda eleitoral com desinformação sobre urnas, processo eleitoral e Justiça Eleitoral. Até então, esse poder estava restrito à avaliação da forma ou do meio da propaganda, mas não do teor.
A nova regra permite que esses magistrados possam fazer a avaliação do conteúdo quando a desinformação for sobre estes temas mesmo que não tenham sido acionados judicialmente por alguma das partes. Nestes casos, eles devem acompanhar e estão vinculados às decisões colegiadas do TSE, que estarão em um repositório —tanto ao atuarem de ofício quanto nas representações judiciais.
Apesar de a propaganda eleitoral já ter início no próximo dia 16, ainda há indefinição quanto ao repositório que orientará os juízes. O próprio escopo e a amplitude da regra, aprovada no fim de fevereiro, ainda são alvo de dúvida e divergência.
Parte das incertezas se origina da própria redação da resolução. Não há um consenso de qual deverá ser o procedimento quando houver fato inédito em que não haja decisão prévia do TSE.
Outro ponto de apreensão se refere ao repositório de decisões que os juízes devem consultar. Ainda na gestão do ministro Alexandre de Moraes no TSE, uma página foi colocada no ar, identificada como sendo tal repositório. O entendimento predominante, porém, é que ela ainda não atende ao que foi previsto.
O TSE afirmou à Folha, em nota enviada no dia 8, que um repositório de decisões está em fase de testes internos, “será publicizado nos próximos dias e estará em pleno funcionamento antes do início dos programas eleitorais”.
O site que já está público pelo menos desde maio seguia sem qualquer aviso de que ele ainda passaria por reformulações. A ministra Cármen Lúcia assumiu a presidência da corte no início de junho.
Um dos argumentos daqueles que entendem que a página colocada no ar pelo TSE ainda não corresponde ao repositório previsto na resolução é que a norma previu a disponibilização na íntegra das decisões, além de um sistema em que as próprias plataformas de redes sociais deveriam adicionar dados sobre as publicações removidas.
O entendimento é de que, por ora, há apenas uma coletânea de jurisprudência com resumo de votos selecionados. E, além de desinformação contra a Justiça Eleitoral, aparecem outras categorias, como desinformação contra candidatos e discurso de ódio.
O TSE não respondeu sobre isso e, em relação a outras perguntas, disse que “eventuais dúvidas sobre a aplicação de resoluções devem ser dirimidas por vias jurisdicionais”.
Segundo a nova norma, os juízes de primeira instância designados para exercer poder de polícia ficam vinculados nos temas previstos às decisões colegiadas do TSE sobre “remoção ou a manutenção de conteúdos idênticos”. A regra vale ainda quando houver “similitude substancial” entre os conteúdos. Caberá reclamação administrativa contra o juiz ao TSE, no caso de decisão que contrarie ou exorbite.
Além da incerteza quanto a como os juízes responsáveis pelos mais de 5.500 municípios interpretarão o que é conteúdo idêntico ou com similitude substancial, não há consenso sobre a regra quando se tratar de desinformação sobre o processo eleitoral relativa a teor nunca tratado pelo TSE.
Apesar de o texto não trazer tal previsão, há quem entenda que também nessa hipótese o magistrado tem abertura para decidir remover –posição defendida inclusive por dois juízes ouvidos sob reserva.
Um indicativo de que a resolução do tribunal não esgota esse tema é um dos artigos do provimento da Corregedoria Regional Eleitoral de Santa Catarina, publicado em julho deste ano, regulamentando o poder de polícia no estado e que diz que notícias de irregularidade sem decisão prévia serão submetidas ao TSE.
O texto diz que o envio deve ser feito por meio do Sistema de Alertas de Desinformação Eleitoral –por meio do qual qualquer cidadão pode enviar suspeitas. Entretanto, mesmo essa normatização de SC ainda deve ser alterada. A assessoria do órgão informou que alterações para um novo provimento estão em estudo.
A Folha questionou os demais TREs do país. Entre aqueles que responderam, não foi identificado outro caso em que este tópico tenha sido abordado.
Na leitura de Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do centro de pesquisa InternetLab, o juiz só pode exercer o poder de polícia sobre matérias em que houve decisão prévia do TSE. Ele avalia, no entanto, que o conceito de “similitude substancial” abre margem para análise de casos que não são exatamente os mesmos, mas que têm algum tipo de conexão.
Também no entendimento do promotor de Justiça Rodrigo López Zilio, em caso de fato inédito nunca tratado antes pelo TSE, o juiz não pode decidir. Ele considera que o ponto, porém, ainda parece estar em aberto.
Caio Silva Guimarães, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e servidor da Justiça Eleitoral, entende que se houver um caso notoriamente inverídico sobre o funcionamento do processo eleitoral, mas em que não haja decisão prévia do TSE, a decisão do juiz estará dentro de um livre convencimento. Segundo ele, o repositório será um guia para situações semelhantes, mas que em situações novas o juiz de primeiro grau irá inaugurar a jurisprudência.
Para Camila Tsuzuki, coordenadora de operações do Instituto Vero, seria muito importante que a sociedade pudesse acompanhar como o poder de polícia vai ser exercido. Para ela, um dos pontos mais delicados é como vai se dar a interpretação dos juízes do que são conteúdos idênticos, dado que a resolução não fez essa definição.
Em 2022, em um pleito que convivia com o constante pano de fundo de risco à própria democracia, em meio a uma campanha de fake news contra as urnas eletrônicas, o tribunal mudou as regras do jogo, a dez dias da eleição, e ampliou seu poder de retirar conteúdos inverídicos e descontextualizados sobre a integridade eleitoral, mesmo sem ser acionado.
Entenda as regras do TSE
O que dizia a regra geral sobre poder de polícia?
Caso a irregularidade na internet se refira ao teor da propaganda, não
será admitido ao juiz de primeiro instância tomar decisão sem que tenha
sido acionado judicialmente por alguma parte. Ele só pode determinar a
retirada de conteúdo na internet que esteja em desacordo com a resolução
em sua forma ou meio de veiculação, mas sem análise do mérito
O que diz a nova regra?
Prevê que, no caso de a propaganda eleitoral na internet tiver em seu
teor fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados em
relação ao sistema eletrônico de votação, ao processo eleitoral ou à
Justiça Eleitoral, esses juízes podem agir com poder de polícia, mesmo
que não tenham sido acionados por alguma das partes. Para isso, eles
devem se orientar e estão vinculados a repositório de decisões
colegiadas do TSE que já tenham determinado a remoção ou a manutenção de
conteúdos idênticos ou em que haja similitude substancial
O que é esse repositório do TSE?
É como um banco de dados com as decisões do TSE relacionadas a
desinformação sobre a integridade do processo eleitoral e que deve guiar
os juízes eleitorais de primeira instância. Segundo a norma, nele
constarão a íntegra da decisão, os links do conteúdo alvo e a descrição
de seus elementos essenciais.
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