Estudo indica que 46% dos trabalhadores do país estão estressados, 25%, tristes, e, 18%, com raiva
Parado à sombra de uma árvore, a cinco minutos do trabalho, ele tentava se acalmar e controlar a pressão que subia sempre que estava prestes a chegar. Pensava na sobrecarga das várias responsabilidades que tinha e na frustração de não ser reconhecido por todo o esforço.
“Estava estressado porque tinha que resolver muita coisa, triste por não ser promovido e com raiva ao mesmo tempo. Fiquei chateado e esse sentimento só cresceu dentro de mim”, conta.
Weslen faz parte de uma parcela considerável de trabalhadores brasileiros que sofrem com estresse, tristeza e raiva. É o que mostra uma pesquisa da Gallup, consultoria especializada em análise comportamental no trabalho.
A Gallup procurou saber como 128 mil funcionários, em mais de 160 países, se sentem em relação ao trabalho e suas vidas.
O estudo “State Of The Global Workplace” revelou que os trabalhadores brasileiros estão em quarto lugar na América Latina em sentimentos de raiva e tristeza, e em sétimo lugar quando se trata de estresse.
Cerca de mil pessoas em cada país ou região responderam por telefone a uma série de perguntas traduzidas para seu idioma nativo.
Quando perguntados se vivenciaram estresse no dia anterior, 46% dos trabalhadores brasileiros disseram que sim.
Apesar de o número representar quase metade dos entrevistados, o Brasil ficou atrás de seis países da América Latina nesse quesito.
Trabalhadores da Bolívia (55%), República Dominicana (51%), Costa Rica (51%), Equador (50%), El Salvador (50%) e Peru (48%) estão ainda mais estressados, conforme o ranking.
Paraguaios (34%) e jamaicanos (35%) são os menos estressados da América Latina.
Quando o assunto é raiva e tristeza, os brasileiros sobem três posições no ranking.
Em raiva, o Brasil (18%) perde apenas para Bolívia (25%), Jamaica (24%) e Peru (19%). Uruguai e México estão em último, com 9% e 7%, respectivamente.
Já em tristeza, trabalhadores da Bolívia (32%), El Salvador (26%) e Jamaica (26%) aparecem na frente dos brasileiros (25%). Os menos tristes são os paraguaios (34%) e os panamenhos (15%).
Influência de fatores externos
Especialistas ouvidos pela reportagem concordam que fatores externos impactam e intensificam as emoções, e interferem nas esferas de subjetividade do trabalhador.
Segundo Nilton Ota, professor do departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP (Universidade de São Paulo), é preciso levar em consideração a complexidade dos sentimentos e dos ambientes em que estão inseridos.
As emoções podem variar culturalmente de país para país e ser diretamente influenciadas pelo contexto em que ocorrem, como a dinâmica familiar, o regime de trabalho e as mudanças econômicas.
“O trabalho molda aspectos importantes da subjetividade, que não ficam restritos ao ambiente profissional, mas se estendem à vida privada e familiar. Um problema no ambiente de trabalho, por exemplo, pode impactar a dinâmica familiar, atribuindo novos significados às emoções envolvidas”, afirma Ota.
O contexto econômico também deve ser levado em consideração. Alguns países são mais industrializados, com produtos de alto valor agregado e muito avançados, outros menos, por exemplo.
Segundo Ota, a regulação trabalhista de um país impacta diretamente a experiência e a saúde dos trabalhadores, porque interfere na rotatividade e na precarização do trabalho.
No caso do Brasil, o aumento da pejotização é um fator relacionado por especialistas a vulnerabilidades, pois interrompe a continuidade da proteção ao trabalhador.
A trajetória “ioiô” é típica de trabalhadores precarizados. Sem acesso a direitos trabalhistas, eles acabam circulando pelo mercado de forma instável, fazendo serviços temporários, com alternância entre emprego e desemprego.
“Políticas públicas conduzidas pelo Estado são essenciais para garantir essa proteção contínua. Sem elas, retrocederíamos a um modelo de mais de um século, em que a responsabilidade pela proteção do trabalhador era delegada moralmente ao empregador, sem amparo jurídico”, afirma Ota.
Além disso, a pandemia de Covid-19 ainda influencia a saúde mental. “Mesmo após dois anos, o trauma coletivo permanece”, afirma Lucia Barros, criadora do primeiro curso de mindfulness e ciência da felicidade na ESPM (Escola Superior de Publicado e Marketing).
Emoções desafiadoras, não negativas
Barros também é autora do livro Filosofia de Bem Viver, publicado pela Companhia das Letras. Segundo ela, é importante não rotular emoções como raiva, tristeza e estresse como negativas, mas como desafiadoras ou desconfortáveis.
“Vivemos numa sociedade que acredita que todos devem estar alegres o tempo todo, o que é completamente irreal”, afirma.
“Se uma emoção é negativa, tendemos evitá-la, achando que algo está errado. Mas as emoções são apenas uma informação, que indica se uma situação é confortável ou desconfortável. Elas são necessárias para impulsionar mudanças”, diz Barros.
O psiquiatra Arthur Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) diz que o médico Hans Selye foi o primeiro a tentar entender o estresse na sua dimensão biológica. Selye descobriu que o sentimento é causado pelo hormônio cortisol, como uma reação natural do corpo.
No entanto, o estresse passa a ser um problema emocional caso se torne crônico ou mal administrado.
“A desregulação do estresse pode nos deixar em um estado ineficiente, e a raiva e a tristeza acabam surgindo como o resultado final desse estresse mal gerido”, afirma Danila.
Segundo o psiquiatra, uma pessoa estressada vive em um nível de alerta constante, preocupada, mais irritada e mais triste. Mas nem tudo é causado apenas por estresse.
Tristeza ou raiva também podem desencadear o estresse, além de uma série de outros fatores mentais que precisam ser diagnosticados corretamente, como a depressão ou o burnout.
Além disso, o psiquiatra aponta que o estresse tende a ser menos reconhecido. Talvez por isso o Brasil ocupe o quarto lugar no ranking de tristeza e raiva entre trabalhadores, mas o sétimo em estresse.
Práticas como mindfulness, meditação e o gerenciamento da atenção podem ajudar a reduzir o impacto negativo desses sentimentos no dia a dia, de acordo com Barros.
“A colaboração e o cultivo de relacionamentos saudáveis são fundamentais para promover o bem-estar. Encontrar e nutrir um propósito de vida, especialmente no trabalho e nas conexões sociais, pode também proporcionar um sentido de realização e felicidade”, afirma.
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