Fim do inquérito das fake news não está distante, diz Barroso


O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirma que a conclusão do inquérito das fake news não está distante, após mais de cinco anos da sua instauração e da designação do ministro Alexandre de Moraes como relator.

“Eu não saberia precisar uma data, não gostaria de me comprometer com uma data, mas acho que nós não estamos distantes do encerramento porque o procurador-geral da República já está recebendo o material. Caberá a ele pedir o arquivamento ou fazer a denúncia”, diz Barroso, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

O inquérito, criado de forma atípica e controversa em 2019, foi expandido com as ameaças à corte e a tentativa de golpe de Estado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em relação à decisão de Moraes que bloqueou o X, diz que uma empresa que se recusa a apresentar um representante legal “não tem condições de operar no território brasileiro”.

Barroso assumiu o Supremo durante uma crise com o Congresso e viu o Legislativo destravar um pacote de propostas contra o tribunal sempre que decisões desagradavam.

O presidente do STF diz que vive uma relação harmoniosa com os outros Poderes. Ele questiona, porém, a possibilidade de aprovação de uma emenda à Constituição que permita ao Legislativo a derrubada de decisões da corte.

“Me parece relativamente impensável um modelo democrático em que o Congresso possa suspender decisão do Supremo”, diz Barroso.

Como o sr. vê a decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a rede social X do Brasil?

Eu já disse publicamente, e repito, que uma empresa que se recuse a apresentar um representante legal no Brasil não tem condições de operar no território brasileiro. Mas ainda vou avaliar o caso concreto, caso seja levado ao colegiado, e eventuais recursos, sempre considerando todos os argumentos.

O sr. assumiu o Supremo num momento de crise com o Congresso, em que houve idas e vindas. A relação progrediu?

[Há] Zero crise. É preciso distinguir crise de eventuais pontos de vista divergentes. Pensamento único existe em ditaduras e não em democracias. Então há matérias, sim, em que o presidente [Rodrigo] Pacheco, o presidente [Arthur] Lira ou o presidente da República têm posições diferentes.

As relações são harmoniosas, mas a gente não deixa de fazer o que tem que fazer. O orçamento secreto era ilegítimo? É, então a gente declara inconstitucional. Traz algum grau de tensão? Traz. Faz parte da democracia ter divergência e algum grau de tensão legítimo e que é absorvido institucionalmente.

Como o sr. vê o Congresso, nessas ocasiões de tensão, desengavetar projetos que afetam o Supremo –até em relação à revisão de decisões?

O Congresso é o lugar certo para debater as matérias. O Supremo não é blindado. Se o Congresso quer debater, pode debater.

Mas isso não parece ameaça? Toda vez que uma decisão desagrada, há andamento de projeto que afeta diretamente o STF.

Eu não me sinto ameaçado em nenhuma hipótese. Existe uma Constituição que assegura a separação dos Poderes. Se alguma coisa violar isso, é inaceitável. E, se não violar, é um direito do Congresso.

É claro que eu participo do debate público para dizer se eu acho o mandato [para ministros do STF] bom ou ruim. Faz parte do meu papel. Ou dizer que nós já resolvemos o problema da devolução de vista ou da submissão das decisões em ações diretas ao plenário automaticamente.

[Mas] Rever decisão do Supremo, que foi um precedente do Estado Novo na ditadura [Getúlio] Vargas, me soa mal. Se esse debate se colocar de uma maneira consistente, nós vamos participar dele também.

No momento, me parece relativamente impensável um modelo democrático em que o Congresso possa suspender decisão do Supremo. O que o Congresso pode fazer legitimamente —e já fez— é, ao discordar de uma decisão do Supremo, aprovar uma emenda constitucional em sentido diverso. E, se essa emenda constitucional não violar cláusula pétrea [da Constituição], ela vale.

O sr. tem dito que a rejeição ao STF tem relação com o julgamento de causas divisivas na sociedade. Isso não exclui percepções sobre o comportamento dos ministros ou o entendimento de que o tribunal está agindo politicamente ou em potencial conflito de interesse?

Numa sociedade aberta e livre, as pessoas têm o direito de pensarem o que a elas pareça melhor. Acho que a crítica de que os ministros do Supremo vão a eventos de empresários, seja no Brasil, seja no exterior, só revela um preconceito que existe no Brasil contra a livre iniciativa. Nós nos reunimos ou vamos a eventos de advogados, de membros do Ministério Público, de comunidades indígenas, de sindicatos, de estudantes.

Nós conversamos com os diferentes segmentos da sociedade. Os [próprios] empresários têm interesses conflitantes entre si. Essa história de que nós vamos a eventos, se fosse para acontecer alguma coisa errada, aconteceria a portas fechadas, não em eventos públicos.

Mas tem eventos a portas fechadas também.

Teve um episódio que foi imensamente explorado, eu não participei, não saberia dizer. Mas eu posso garantir que, se for para acontecer alguma coisa errada, não é num evento em qualquer outro lugar. E acho que não acontecem coisas erradas.

A gente tem convite de todos. Quando eu aceito um convite para falar, eu não me sinto devedor, eu sou credor, porque eu é que fui lá, saí da minha casa, deixei a minha família e fui lá falar sobre algum tema de interesse das pessoas. Não é “se o sujeito aceitou um convite, então ficou devendo”. Essa é uma percepção equivocada que se tem. Agora, muito mais grave é se você visse um ministro ou qualquer outro juiz num ponto escondido privado com alguém, aí podia acontecer alguma coisa errada. Evento público eu não me preocupo.

Mas, se a sociedade vê um ministro na final da Champions League com um empresário, vê um ministro com congressistas em uma festa na Bahia —pessoas que passam por julgamento do Supremo—, isso não afeta a avaliação?

Como não existe lei vedando nenhum desses comportamentos, são escolhas pessoais que as pessoas fazem e aí elas se sujeitam à crítica pública. Juízes têm direito de ir a festa e têm direito de assistir a jogo de futebol. [Mas] As pessoas têm o direito de ter a percepção crítica, de modo que cada pessoa escolhe se vai fazer ou não vai fazer.

Para citar um exemplo meu, eu fui a um evento de Brasília em que tinha uma roda de samba e eu cantei, porque tinha toda pertinência. Alguém gravou e botou na rede social. Tem muita gente que criticou. Não era um evento público, era fechado, mas, para ministro do Supremo, não tem evento fechado, tem sempre alguém filmando.

Teve gente que criticou e eu continuo achando que eu tenho o direito de cantar em uma festa de amigos. Ao fazê-lo, eu me sujeito à crítica pública, porque quem aceita ter um cargo público está sujeito à crítica pública, à crítica construtiva, à crítica destrutiva. Estar na vida pública é aceitar com resiliência ser criticado.

No pronunciamento que fez depois das reportagens da Folha com mensagens trocadas entre auxiliares do ministro Alexandre de Moraes, o sr. falou em tempestade fictícia. O que é ficção nesse caso?

A de que teria ocorrido alguma coisa imprópria. A notícia eu entendo. Vazaram conversas de assessores de um ministro que, eventualmente, tinha falas dele transcritas. Eu entendo perfeitamente que isso seja um fato jornalístico. A imprensa noticiar eu acho natural.

Porém as conclusões que alguns procuraram extrair disso é que eu acho que foram a tempestade fictícia. Não aconteceu nada de errado. A grande crítica é que os pedidos eram feitos informalmente, e eram feitos informalmente porque, por acaso, havia coincidência entre quem requisitava a informação e quem prestava a informação. Não apareceu nada errado.

Agora, pode ser que apareça alguma fofoca ou alguém falar uma frase que você fala na intimidade e que não falaria em público. Mas isso, como eu disse, está no plano da fofoca. Não é no plano jurídico. Juridicamente, não houve nenhum problema.

O assessor do ministro Alexandre de Moraes fala em uma das mensagens que poderia haver questionamento por uso descarado do TSE. Isso não é sinal de conduta imprópria?

Acho que não. O assessor pode ter a opinião que quiser. Mas eu não acho que o ministro Alexandre teria requisitado qualquer coisa de maneira imprópria.

Cabe ao ministro conduzir uma investigação a respeito de temas que o afetam?

Ele [Moraes] está investigando um vazamento. Portanto, vazamento é vazamento. Quando eu conduzia um inquérito contra um presidente da República à época, teve fato que vazou e eu mandei instaurar um inquérito também. No meu caso, dependendo de onde tenha saído o vazamento, é crime. Portanto, ele está apurando um crime. Ele não é vítima do crime. A vítima do crime é a administração da Justiça quando há um vazamento ilegal. Ele [Moraes] não é vítima do vazamento.

O ministro Moraes conduz o inquérito das fake news desde 2019. Há alguma previsão de o inquérito não se alongar mais?

Eu acho que a duração prolongada do inquérito se deve à sucessão de fatos. Ninguém gosta de prorrogar inquéritos, mas os fatos foram se acumulando, e apareceram informações novas. As apurações já foram substancialmente concluídas, e boa parte delas já encaminhadas ao procurador-geral da República.

Ele, pelo que eu li na imprensa, já declarou que cuidaria disso depois das eleições. Eu não saberia precisar uma data, não gostaria de me comprometer com uma data, mas acho que nós não estamos distantes do encerramento porque o procurador-geral da República já está recebendo o material. Caberá a ele pedir o arquivamento ou fazer a denúncia. De modo que eu acho que não está distante a conclusão do inquérito, seja pelo arquivamento, seja pela denúncia.

E a respeito dos processos do 8 de janeiro?

Houve cerca de 1.450 denúncias feitas pelo procurador-geral da República. Dessas, apenas 220 denúncias, mais ou menos, envolveram os crimes mais graves, que são esses que estão sendo julgados, com pessoas que efetivamente ingressaram [no prédio], inclusive nesta sala, e a depredaram inteiramente.

Aos outros denunciados, mais de 1.200, continua a ser oferecido o acordo de não persecução penal para a pessoa não ir presa, não usar mais tornozeleira e ter o passaporte devolvido. Consiste tão somente em pagar uma multa de R$ 5.000 —se tiver dinheiro, se não tiver não precisa pagar—, ficar dois anos sem rede social e fazer um curso de democracia no Ministério Público. Mas a maioria não aceitou. Portanto, tem pessoas se sujeitando à prisão por vontade própria, por radicalismo ideológico.

Não acha que as pessoas acreditam que não cometeram crime?

Mas não se exige nem a confissão, é apenas admitir que estava em determinado local, em determinado dia e horário e aceitar esse acordo.

O sr. teve embates públicos fortes com o ministro Gilmar Mendes no passado. Atualmente, têm uma relação cordial. Como foi a reaproximação?

As instituições são um pouco como autoestradas. Elas fazem coisas muito positivas. Transportam as pessoas, transportam mercadorias, permitem viagens, permitem muitas coisas boas. Vez por outra, acontece um acidente. Se analisar uma autoestrada por cuidar apenas dos acidentes, ela vai parecer uma coisa ruim. De fato, houve um atrito no passado. Foi um acidente e, depois, digamos, houve uma batida.

Depois, os carros foram consertados e passaram a conviver cordialmente. Mais do que isso, acho que hoje nós nos queremos bem. O sentimento de fraternidade é positivo. Do ponto de vista institucional, faz bem o presidente e o ministro decano terem uma boa relação. A reaproximação foi natural entre duas pessoas civilizadas que tiveram um incidente, se recompuseram e convivem hoje fraternalmente.

José Marques/Folhapress

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