Gelo severo em avião da Voepass pode ter provocado ‘coice’ e descontrole, diz especialista
O movimento aparenta o que na aviação se descreve como reversão de ailerons, quando a mudança inadequada de direção tira a capacidade de controle da aeronave. Os ailerons são peças móveis que ficam nas asas e têm justamente a função de girar o avião. Caso tenha ocorrido, o fenômeno teria precedido a perda de sustentação que levou à queda.
A análise é de James Rojas Waterhouse, professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da USP de São Carlos, com base no relatório, explicações e simulação apresentadas nesta sexta pelo órgão da Força Aérea Brasileira
Ainda não é possível afirmar que o fenômeno tenha efetivamente ocorrido.
Os dados divulgados mostram acionamentos constantes de avisos de formação de gelo, de perda de velocidade e de acionamentos de sistemas pelos pilotos para que a nave superasse essa condição. Não foram divulgados, porém, os registros do piloto automático. A ausência dessa informação impede uma análise sobre o evento que o Cenipa descreveu como reversão de comando, segundo o professor.
Waterhouse descreve dois cenários possíveis. O primeiro em que o piloto automático eventualmente tenha sido desligado no momento em que a aeronave fazia uma curva à direita e começava a descer. Na segunda hipótese, na mesma manobra, o comando já estaria no manual. Nos dois casos, a inclinação abrupta para a esquerda poderia ter provocado um “coice do manche” com força suficiente para tornar o equipamento incontrolável.
Uma das hipóteses avaliadas pela investigação é a de que as asas tenham sido atingidas por um fenômeno conhecido na aviação como SLD, sigla em inglês para supercooled large drops, que pode ser traduzido como grandes gotas super-resfriadas. Essas gotas tocam a parte frontal da asa ainda em estado líquido, mas congelam após escorrerem para a parte superior.
“As SLD podem formar gelo na parte superior da asa e esse gelo causa um fenômeno chamado ‘reversão de comando’ e as instruções de operação do ATR alertam para o risco de, ao desligar o AP [piloto automático], ocorrer um violento esforço nos controle de aileron [peça na asa para controlar o voo] para algum lado, causando um stall [perda de sustentação]”, diz Waterhouse.
“Pede-se que o piloto segure firmemente os controles antes de desligar o AP, pois se ocorrer a reversão, ele pode segurar, mas a força no manche pode ser muito forte”, comenta o especialista.
O Cenipa descreveu uma curva de 54 graus à esquerda, que pode ou não estar associada à reversão de ailerons, diz o professor, “Mas eles não divulgaram informações sobre acionamento do piloto automático.”
Waterhouse também afirma que o relatório mostra que os pilotos estavam numa condição de voo cego –guiados por instrumentos–, em turbulência, com formação de gelo e já com atenção voltada ao procedimento de descida. Além disso, eles discutiam com a empresa procedimentos para desembarque de um passageiro com necessidades especiais.
“Uma enorme carga de trabalho, e o alarme crítico é acionado no meio de tudo isso, nesse ambiente a atenção dos pilotos é reduzida, podendo demorar para reagir”, comenta. “Isso certamente será o foco da investigação.”
Até o momento, o que é possível afirmar é que o gelo teve influência, afirma Raul Marinho, presidente do BGAST (Grupo Brasileiro de Segurança da Aviação Geral)
“O gelo teve influência, sim, mas todos os sistemas estavam operacionais, então, fica até mais intrigante entender como aconteceu”, comenta.
Em nota, a Voepass Linhas Aéreas disse que o relatório preliminar divulgado pelo Cenipa confirma que a aeronave do voo 2283 estava com o Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade válido e com todos os sistemas requeridos em funcionamento.
Reforça também, como o relatório aponta, que ambos os pilotos estavam aptos para realizar o voo, com todas as certificações de pilotagem válidas e treinamentos atualizados, diz a empresa.
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