Governo Lula busca dividir responsabilidade sobre fogo, e estados criticam ações federais

Pressionado pela dificuldade de ter ações efetivas para o combate às queimadas que se espalham pelo país, o governo do presidente Lula (PT) tenta dividir responsabilidades com estados e passa a cobrar governadores.

O movimento vem acompanhado, por outro lado, de reclamações de chefes dos estados sobre falta de articulação, diálogo e agilidade.

O combate aos incêndios cabe aos estados, que também podem proibir o manejo do fogo, por exemplo. A gestão só cabe ao governo federal em áreas da União, como terras indígenas e unidades de conservação. No entanto, historicamente, é de praxe uma cooperação entre os órgãos.

O governo Lula anunciou, em reunião com representantes dos três Poderes nesta terça-feira (17), medidas que tocam alguns dos pontos de entrave até aqui —como a flexibilização do Fundo Amazônia e a reestruturação dos bombeiros. Mas ainda faltam detalhes sobre quais mudanças serão feitas.

Procurado, o Planalto diz que o governo “tem enfrentado a grave emergência climática do país em diálogo com todos”.

“É objetivo do governo federal pensar de forma conjunta as ações para combater as queimadas, mitigar os impactos da estiagem e aliviar o sofrimento da população afetada”, completou, citando as reuniões sobre o tema com os demais Poderes e os anúncios de medidas.

O Brasil passa pela maior seca de sua história, com rios atingindo níveis baixos nunca antes vistos, enquanto registra recordes de incêndio pelo país.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, deve se reunir com governadores na quinta-feira (19) para tratar do tema. Inicialmente, expectativa era que o próprio presidente participasse, mas ele terá agenda no Maranhão.

Reservadamente, auxiliares dizem que o governo federal assume a dianteira e ajuda no que for possível, mas que os gestores devem também se responsabilizar.

Mas, segundo integrantes de governos estaduais de partidos de oposição, falta de coordenação federal e há problemas na coordenação.

Para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), a “interlocução é muito ruim” e o governo quer chegar com um pacote de medidas pronto, sem discutir com os estados. O Distrito Federal enfrenta um incêndio desde domingo no Parque Nacional de Brasília —a fumaça chegou a cobrir Brasília.

“Não discutiram nada conosco. [Eles, governo] Querem apresentar pacote igual fizeram com o Rio Grande do Sul. Teve crise, chegam lá com ministro”, afirma à Folha, em referência à nomeação do ministro Paulo Pimenta para comandar uma secretaria extraordinária para tratar das enchentes.

“Querem nem saber do governador. Querem ouvir ninguém, querem chegar com o pacote deles. Senta o presidente, [o ministro da Casa Civil] Rui Costa, apresenta a proposta deles e querem que a gente engula”, completou.

Um integrante do Governo de São Paulo disse à reportagem, sob reserva, que a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) conseguiu apagar os incêndios no interior do estado, mas se queixou da demora do governo federal. Disse que, somente quando a situação estava resolvida, Brasília compareceu: as ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Nísia Trindade (Saúde) estiveram em São Paulo no última sexta (13).

Apesar de responsabilidade dos estados, é comum que haja ajuda do governo federal. Os bombeiros estaduais são mais numerosos que os brigadistas federais, por exemplo, que por sua vez trabalham apenas por meio de contratos temporários.

No incêndio no parque de Brasília, por exemplo, chegaram a ser mobilizados cerca de 500 bombeiros e 100 brigadistas.

Por outro lado, em muitos estados o Corpo de Bombeiros não tem capilaridade e fica concentrado em grandes polos, muitas vezes distantes de áreas de floresta, o que dificulta o combate ao fogo nessas regiões.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou no Planalto na terça, que há atualmente 106 focos de incêndio que não estão sendo combatidos no país por dificuldades de recursos e de acesso aos locais.

“Esses incêndios não têm combate, ou porque estão em área remota, ou porque os nossos equipamentos têm dificuldade de acesso”, disse a ministra. Ela acrescentou que havia no Brasil 690 incêndios no Brasil, dos quais 290 foram extintos.

Dentre os anúncios feitos pelo governo Lula, está a promessa de propor uma reestruturação dos Bombeiros em até 60 dias.

Além disso, o país não dispõe de uma frota específica para combater as queimadas e aeronaves disponíveis muitas vezes não são adequadas para isso. O governo chegou a anunciar que estuda como aumentar a frota de aviões, mas não deu detalhes.

Uma medida provisória do governo Lula vai abrir crédito extraordinário de R$ 514 milhões para queimadas, e deve haver uma nova na próxima semana.

O secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira, diz que solicita desde o início do ano apoio federal. Até agora, no entanto, só foram possíveis a implementação de medidas paliativas para lidar com a seca e o fogo.

“Necessitamos de muito mais, não só recursos humanos e financeiros compatíveis com o tamanho da crise, mas principalmente de uma coordenação central por meio do governo federal para uma agenda de fato integrada e de múltiplas agências no planejamento das ações”, diz. “Em especial na área de meio ambiente, a liderança na articulação de um plano nacional no combate aos incêndios seria fundamental”.

Marianna Holanda, Renato Machado e João Gabriel/Folhapress
 
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