Urnas terão menos ‘pastor’, ‘irmão’ e outros títulos religiosos em 2024
Uma queda de 21,5% em relação ao pleito municipal de 2020, quando 10.117 aspirantes a prefeito, vice-prefeito ou vereador fizeram o mesmo.
Até então, o fenômeno crescia a cada pleito. Em 2000, atingiu 0,61% do total de candidatos. Duas décadas depois, era 1,81%. Caiu para 1,73% nas eleições 2024.
O Cebrap, por meio do seu Observatório da Religião e Interseccionalidades, considerou 74 termos associados a líderes de crenças diversas para mapear o ecossistema religioso nesta eleição. Aí entram babalorixás, gurus, rabinos e afins.
A metodologia excluiu casos em que o posto não tinha a ver com a religiosidade da pessoa, como postulantes com o sobrenome Pastor.
Entre os títulos inseridos nas urnas desde 2000, o de pastor é o mais popular, com 41,3% desse universo. Na sequência, estão os irmãos (28,8%) e irmãs (11,8%) que disputaram os últimos sete ciclos municipais.
A pesquisa não abrange todos os candidatos que se valem da fé na corrida eleitoral, já que nem todos declaram o sacerdócio ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Só para citar um exemplo: o atual e os três últimos presidentes da bancada evangélica não o fazem.
Outros que dispensam o recurso: Marcello Crivella (Republicanos), ex-senador, ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje deputado federal, que é sobrinho do bispo Edir Macedo e ele próprio bispo licenciado da Igreja Universal, além do deputado federal Paulo Freire Costa (PL-SP), da estadual Marta Costa (PSD-SP) e a vereadora Rute Costa (PL-SP), todos filhos do pastor José Wellington Bezerra da Costa, à frente do poderoso Ministério Belém da Assembleia de Deus.
Renata Nagamine, pesquisadora do Cebrap, aponta que, apesar do recuo em 2024, a tática continua muito frequente. Uma religião específica é, de longe, a que mais se apropria dela. “Indexadores evangélicos são os mais usados. E é importante destacar que nem todos os candidatos que se autodeclaram religiosos usam esses identificadores.”
Cientista político e também integrado ao centro de estudos, Dirceu André Gerardi atribui o declínio também “a mudanças significativas na legislação eleitoral”, com impacto no recrutamento de candidatos pelos partidos. Reformas importantes diminuíram o número de brasileiros concorrendo a vagas eletivas. A cláusula de barreira é um bom exemplo: ela criou requisitos mais rigorosos para que as legendas acessem recursos e tempo de propaganda eleitoral.
O cientista político Vinicius do Valle, do Observatório Evangélico, lembra que a adoção dos cargos eclesiásticos no nome de guerra eleitoral “fica um pouco desnecessária se é um candidato que já é promovido dentro das igrejas”. Quem reforça a pertença religiosa nas urnas, em geral, “é para suprir a falta de engajamento da sua instituição”, diz. Isso explicaria em parte a retração neste ano.
A concorrência interna na direita é outra “culpada”. O excesso de bolsonaristas defendendo uma pauta conservadora embolou o meio de campo. “De certa forma, as candidaturas evangélicas foram perdendo espaço para as candidaturas dos bolsonaristas raiz.”
Não à toa a bancada evangélica no Congresso não aumentou como esperava —muitos fiéis acabaram votando em quem que se espelhava no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sem necessariamente ser evangélico. “É um pouco a história do bolsonarismo virar mais realista do que o rei, ser mais conservador e mais cristão, mais militante dentro do conservadorismo do que os próprios evangélicos, principalmente aqueles que não têm por trás uma igreja que o apoie formalmente.”
Diretor-executivo adjunto do Instituto de Estudos da Religião, o sociólogo e pastor Clemir Fernandes atenta que, com a dilatação de grupos cristãos na política, sobretudo de 2018 para cá, expor o título religioso não é tão relevante mais. Até porque, diz, “toda a gramática e estética das candidaturas já seria fortemente evangélica ou católica”. Para bom entendedor, meia palavra de Deus basta.
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