Advogados públicos e procuradores ganham R$ 1 bilhão em honorários em 2024, e Câmara quer fim de bônus
O ministro da Advocacia Geral da União (AGU), Jorge Messias, está entre os recebedores de honorários
Esses recursos são destinados aos servidores das carreiras da advocacia pública a título de “honorário de sucumbência”, que consiste no valor pago pela parte perdedora à vencedora para ressarcir os gastos judiciais no decorrer do processo. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o benefício não poderia ultrapassar o teto remuneratório do funcionalismo público, que equivale aos R$ 44 mil recebidos pelos ministros da Corte. Porém, o Portal da Transparência não menciona a incidência do “abate teto” — regra que corta qualquer valor acima do limite — sobre os honorários.
A reportagem procurou o Conselho responsável pela distribuição dos honorários, que não comentou sobre os valores recebidos pelos agentes públicos. O órgão se manifestou sobre outro benefício (veja mais abaixo).
Os valores extras recebidos pelos advogados e procuradores da União têm crescido ano a ano. Em 2023, os servidores dessas carreiras receberam R$ 1,690 bilhão, cifra que deve ser superada neste ano. Até julho de 2024, os honorários renderam em média R$ 163 milhões por mês.
O acréscimo no contracheque por vencer uma ação de interesse do governo federal é pago mensalmente a cerca de 11,8 mil servidores que atuam na área da advocacia pública. O valor médio recebido por esses advogados e procuradores é de R$ 15 mil por mês, mas existem os extremos a depender do tipo de processo, a exemplo dos R$ 305 mil pagos no mês de julho a um procurador federal aposentado e os R$ 492 mil destinados em março a um procurador ainda em atividade.
O ministro da Advocacia Geral da União (AGU), Jorge Messias, está entre os recebedores de honorários. Ele, que é advogado público de carreira, recebeu R$ 110 mil entre janeiro e julho deste ano. São em média R$ 15 mil a mais por mês no seu salário de ministro, que gira em torno de R$ 22 mil.
Procurada, a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) disse desconhecer o pagamento de R$ 492 mil a um único servidor e afirmou que “não se mostra factível, já que esse valor superaria em mais de 30 vezes a possibilidade mensal máxima de pagamento a um beneficiário, observado o teto do funcionalismo público”. Os honorários recebidos por cada servidor são disponibilizados mensalmente no Portal da Transparência.
A Anafe afirmou na nota que “essa remuneração (honorários em geral) corresponde a um pagamento por performance, um modelo de eficiência e mérito consagrado”. “Desde sua implantação (honorários), a arrecadação da União aumenta a cada ano, e os resultados de sucesso judicial têm sido potencializados de forma ascendente”, completou.
Regras garantiram honorários a advogados e definiram formas de pagamento
É recente a conversão desse dinheiro em ganhos financeiros para os agentes públicos. Até 2015, quando foi aprovado o novo Código de Processo Civil (CPC), os honorários eram considerados parte das despesas processuais pagas pelo perdedor ao vencedor da ação. O modelo anterior gerava disputas no meio jurídico para definir se esses recursos deveriam ficar com o advogado ou com a parte vencedora da ação.
A lei nº 13.327, de 2016, estabeleceu as regras de pagamento dos honorários. Os valores decorrentes dos processos passaram a ser divididos entre os advogados públicos e procuradores de acordo com o tempo de cada um na ativa ou na aposentadoria.
Os honorários advocatícios dos servidores públicos são geridos pelo Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), uma associação privada sem fins lucrativos vinculada à AGU. A instituição existe para operacionalizar e distribuir os recursos arrecadados.
Parte dos maiores honorários pagos pela CCHA neste ano foi acompanhada de uma “compensação financeira decorrente de transação resolutiva e/ou preventiva de litígio judicial”. Segundo especialistas consultados pela reportagem, as transações são formas de acordos em que ambas as partes fazem concessões.
A CCHA afirmou que os pagamentos realizados com base na resolução preventiva de litígio judicial foram feitos apenas a advogados públicos aposentados que ajuizaram ações questionando o percentual decrescente para o pagamento da cota de honorários advocatícios. Esses servidores aposentados buscavam o pagamento do valor integral de honorários, que são recebidos apenas pelos membros da ativa.
“Nesse sentido, levando em consideração o número expressivo de ações no Judiciário e o objetivo de pacificar a questão, foram firmadas as transações resolutivas de litígio judicial. A proposta envolveu o pagamento de uma compensação financeira variável de acordo com o tempo de aposentadoria, em parcela única, para o encerramento da disputa, mediante compromisso de não-ajuizamento de quaisquer outras futuras em torno do tema”, disse a CCHA.
Com exceção de janeiro e maio, foram pagos nos demais meses valores adicionais pelas transações resolutivas ou preventivas de litígio. Os advogados e procuradores que receberam os adicionais pelas “transações resolutivas ou preventivas” tiveram vencimentos entre R$ 37 mil e R$ 127 mil.
Câmara se movimenta para barrar pagamentos
Nos últimos meses, os altos honorários recebidos pelos advogados e procuradores entraram na mira do Congresso. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aguarda para votar um projeto de lei de coautoria do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que propõe o fim desses pagamentos. A proposta foi apresentada em 2019.
“O aproveitamento da condição de advogado para recebimento de maneira pessoal das verbas sucumbenciais (que, registre-se, são devidas ao ente ou órgão de advocacia pública, para seu financiamento, mas não aos advogados, pessoalmente), ao arrepio das normas constitucionais, é medida que deve ser corrigida”, diz o texto do projeto apresentado pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) em conjunto com outros 10 parlamentares.
O texto tem avançado na Câmara. Em junho, o deputado Felipe Barroso (PL-PR) apresentou requerimento de urgência para apreciação do projeto em plenário. Na mesma semana, o relator da medida, deputado Gilson Marques (Novo-SC), apresentou o seu relatório favorável ao fim dos pagamentos dos honorários sob o argumento de que “é intolerável conceder vantagens inconstitucionais a uma categoria de servidores públicos simplesmente pelo fato de também exercerem a advocacia”.
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