Bolsonaristas querem rever rito de impeachment de ministro do STF após fala de Gilmar
A oposição diz ver a declaração como uma afronta ao Legislativo e um sinal de preocupação do decano, que até então vinha descartando tratar a possibilidade como real.
Há na Câmara dos Deputados um projeto de lei que tira a prerrogativa exclusiva do presidente do Congresso de aceitar ou recusar os pedidos de impeachment que são apresentados. No Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é autor de uma proposta para a elaboração de um código único sobre o tema.
Bolsonaristas pretendem pressionar pela tramitação desses textos e apostam na composição da próxima legislatura, a partir de 2027, para aprovar as medidas.
Gilmar Mendes disse à CNN no último dia 14 que os impedimentos de Fernando Collor e Dilma Rousseff passaram por revisões no STF sobre “a velha lei do impeachment”.
“Se viesse por acaso a tramitar um processo contra um ministro, certamente haveria discussão sobre se essa lei foi recepcionada, uma lei da Constituição de 1946, pela Constituição Federal de 1988”, disse o magistrado.
Ele afirmou ainda não ver nenhuma irregularidade cometida pelo ministro Alexandre de Moraes, um dos maiores alvos do descontentamento bolsonarista, ou por qualquer ministro que justifique a abertura de um processo.
A primeira representação contra Moraes foi feita em 2021, ainda durante o governo Jair Bolsonaro (PL), que fez sistemáticas críticas ao ministro e influenciou os apoiadores.
Outro alvo frequente tem sido o presidente da corte, Luís Roberto Barroso. Cármen Lúcia, Edson Fachin, Flávio Dino, Dias Toffoli também estão entre os alvos. O próprio Gilmar já foi recordista de pedidos levados ao Senado.
Até então, quando comentava o tema, o ministro dizia que as tentativas de impedimento de ministro eram ameaças ou assédio, mas que não preocupavam, e que o Congresso tinha “maturidade política” para frear medidas do tipo.
Em resposta às declarações na CNN, a deputada Bia Kicis (PL-DF), líder da minoria da Câmara, afirmou, que não há democracia sem um sistema de freios e contrapesos.
“Ver ministros questionando a própria Lei do Impeachment parece não ter qualquer sustentação jurídica. Tal atitude vai contra os princípios que deveriam nortear a relação entre os Poderes e a própria manutenção da democracia”, diz.
Em agosto, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) pediu o apoio dos colegas ao projeto que obriga o presidente do Senado a analisar pedidos de impeachment de ministros do STF em até 15 dias.
O texto estabelece que, se o presidente indeferir a abertura, poderá ser apresentado recurso ao plenário, desde que assinado por um terço dos membros da Casa.
À Folha ele diz que a fala de Gilmar demonstra a relação desequilibrada entre os Poderes hoje.
“Uma declaração dessas sobre algo que está sendo discutido dentro do Congresso Nacional mostra realmente que nós temos um Poder esmagando os demais. É difícil dessa forma. Fica aquela pergunta: para que o Congresso Nacional?”, disse.
A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) apresentou em agosto um projeto para tornar a abertura do processo automática, assim que houver assinatura da maioria absoluta dos membros do Congresso. De acordo com ela, o tema também será pauta das próximas eleições ao Congresso e deve voltar com mais força a partir de 2026.
“Talvez nessa legislatura isso [o impeachment] ainda não aconteça, mas, na próxima, com as próximas eleições, o Senado pode ter uma composição diferente, mais favorável à oposição”, diz.
“Há uma expectativa popular. Quando eu estou na rua, a primeira coisa que meu eleitor me pergunta é isso, mais do que sobre o [impeachment] do Lula”, afirma.
Em 9 de setembro, parlamentares da oposição protocolaram um novo pedido contra Moraes, entregue pessoalmente a Pacheco. Segundo o grupo, o documento reúne cerca de 1,5 milhão de assinaturas coletadas nos meses, por exemplo durante a manifestação bolsonarista do 7 de Setembro na avenida Paulista.
Bolsonaristas argumentam que o ministro não deveria ficar à frente dos processos sobre os ataques de 8 de janeiro de 2023 por ser uma das supostas vítimas dos golpistas.
Apesar de ter feito reunião com o grupo, Pacheco tem mantido posição contrária ao impeachment de ministros da corte, segundo interlocutores. O presidente não teria a intenção nem de retomar a tramitação do projeto de autoria dele sobre a matéria.
Apresentado em março de 2023, o texto apresentado pelo presidente do Senado tipifica crimes cometidos por magistrados e outras autoridades. Entre outras condutas, é considerado crime participar de julgamento sabendo estar impedido, exercer atividade ou manifestar opinião político-partidária e manifestar opinião sobre processos ou procedimentos pendentes de julgamento.
Em outra frente, Pacheco instalou uma comissão de juristas para discutir uma atualização da lei que determina o trâmite do impeachment de presidentes da República em maio de 2022. A legislação atual, que Gilmar disse que poderia ser revista pelo plenário do STF, é de 1950.
Diferentemente do caso de presidentes, em que o impeachment tramita pela Câmara e pelo Senado, os pedidos de destituição de um ministro do STF são analisados apenas no Senado.
Os impedimentos de presidente, vice e ministros de Estado dependem de autorização prévia da Câmara. O presidente da Casa recebe e decide se processa ou não a denúncia. Se aceito, uma comissão produz um parecer e o plenário precisa aprovar por dois terços. Depois o caso é levado ao Senado, que decide por maioria simples se abre o processo. Nesse momento, o presidente fica suspenso de suas funções.
No caso de ministro do STF, o juízo inicial de abertura é diretamente feito no Senado. O presidente da Casa despacha, manda ao plenário, que produz um parecer se é caso de processamento. No caso da segunda votação, para abrir o processo efetivamente, a autoridade é afastada do cargo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente esta matéria.