Sem acordo sobre reajuste, servidores do Tesouro vão à Justiça para entregar cargos
Foto: Diogo Zacarias/Divulgação/Arquivo |
O litígio judicial é o mais novo capítulo de um impasse que já dura meses e vem provocando atrasos em divulgações estatísticas e operações de crédito de estados e municípios, além de inéditas suspensões pontuais na venda de títulos brasileiros na plataforma Tesouro Direto.
Servidores relatam que o clima está bastante conflagrado. Na última segunda-feira (7), a categoria rejeitou, pela terceira vez, a proposta apresentada pelo governo. É uma das poucas que ainda não concluíram a negociação com o MGI (Ministério da Gestão e Inovação), responsável pela política de pessoal. Os acordos já firmados alcançam 98% da força de trabalho do Executivo federal.
“Está uma confusão. O Tesouro está em ebulição, é um órgão conflagrado. Minha leitura é que o secretário [Rogério Ceron] perdeu completamente o controle [da situação], e tudo o que ele disse que ia fazer para conter o movimento só jogou mais lenha na fogueira”, diz Rudinei Marques, presidente da Unacon Sindical. A entidade representa os auditores de finanças e controle, título formal das carreiras de Tesouro e CGU.
O clima está tão acirrado que Marques é, ele próprio, alvo de contestações. Servidores veem uma atuação alinhada ao discurso do governo e reclamam do que seria uma falta de capacidade de verbalizar corretamente as demandas da categoria. O presidente do sindicato minimizou as críticas e disse ser natural que ele vire para-raios de insatisfações.
Ceron, por sua vez, disse à Folha que todos os serviços do Tesouro estão e continuarão funcionando, sem prejuízos à população ou à sociedade. “Há um equilíbrio a ser buscado, sempre de forma muito respeitosa com os servidores. Esse sempre foi e sempre será meu compromisso, de atuar de forma equilibrada e garantindo a continuidade dos serviços”, afirmou.
A CGU disse em nota que “a mobilização legítima de seus servidores tem sido conduzida de forma responsável, sem comprometer o cumprimento das obrigações legais da instituição”. O MGI afirmou não comentar negociações em andamento.
A principal reclamação vem dos servidores do Tesouro e tem como alvo a disparidade com as outras duas principais carreiras do Ministério da Fazenda: auditores da Receita Federal e procuradores da Fazenda Nacional. Ambas têm os salários reforçados por uma parcela extra, em forma de bônus ou honorários de sucumbência (recebidos pelos advogados em ações judiciais vencidas em favor da União). Não há paralelo para as demais categorias.
Segundo os servidores, essa disparidade seria agravada com a proposta feita pelo MGI. A oferta prevê um reajuste de até 23% em dois anos, mediante o alongamento da carreira (com número maior de degraus) e redução do salário de entrada.
Representantes do Tesouro classificam a proposta como inaceitável, não pelo mérito em si, mas principalmente porque as mesmas diretrizes não foram aplicadas sobre as estruturas da Receita e da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), que percorrem um caminho mais curto até chegar ao topo da carreira.
“O governo estendeu [na proposta] a tabela da carreira de 13 para 20 níveis, e não fez isso com as outras carreiras. Os servidores consideraram isso um desrespeito muito grande. Significa que a pessoa pode ficar 15 anos no cargo [do Tesouro] e ainda assim é vantajoso sair para entrar na Receita Federal”, afirma Marques.
A remuneração atual dos servidores do Tesouro, entre R$ 20,9 mil e R$ 29,8 mil mensais, não pode ser considerada baixa na comparação com a média salarial do país (R$ 3.228), mas é menor que os vencimentos básicos das demais carreiras da Fazenda.
Um auditor fiscal da Receita recebe de R$ 25,2 mil a R$ 32,8 mil, fora o bônus. Já os procuradores da PGFN ganham entre R$ 22,9 mil e R$ 29,8 mil, mais os honorários (cerca de R$ 10 mil mensais).
Gráficos elaborados pelos servidores e levados ao ministro Fernando Haddad (Fazenda) mostram o risco de os salários do Tesouro corresponderem a 60% dos ganhos das demais carreiras da pasta, abaixo da correlação histórica de 90%.
Havia uma expectativa de que, após a reunião com Haddad, ocorrida em meados de setembro, o tema tivesse um encaminhamento mais favorável à categoria, o que não ocorreu.
O clima é considerado insustentável por parte dos integrantes do órgão. Na semana passada, servidores usaram um nariz de palhaço enquanto assistiam a uma entrevista coletiva de Ceron na sede do Ministério da Fazenda. O ambiente só piorou com a notícia, revelada pela Folha, de que a AGU (Advocacia-Geral da União) criou um penduricalho de até R$ 3.500 mensais, fora do teto remuneratório e isento de tributos. A benesse alcança os membros da PGFN.
Gestores do Tesouro têm tido dificuldades em motivar suas equipes a manter as tarefas planejadas. Ao todo, 164 integrantes do órgão que ocupam postos gerenciais, como coordenadores ou gerentes, protocolaram o pedido de entrega de cargo, o equivalente a 75% do total.
Se levada a cabo, a exoneração pode criar uma situação ainda mais delicada, já que os postos precisariam ser preenchidos com nomes de fora. Seus substitutos dentro do próprio Tesouro já manifestaram a intenção de não assumir as funções.
Servidores questionam quem teria a expertise necessária e a disposição para tocar tarefas que demandam elevado conhecimento técnico e impõem responsabilidades significativas —o Tesouro é o responsável pelo caixa do governo e pela gestão da dívida pública, duas funções que envolvem trilhões de reais.
Em um cenário extremo, eventual exoneração dos 164 gestores poderia comprometer atividades hoje preservadas, como a realização dos leilões da dívida pública, cruciais para manter o financiamento das atividades do governo e os pagamentos dos investidores em dia. Essa possibilidade, porém, é considerada remota porque a administração pública pode alegar que esta é uma atividade essencial e, assim, segurar a maior parte das exonerações.
A expectativa dos servidores, porém, é que a investida judicial sinalize ao governo a gravidade da insatisfação da carreira. A categoria elaborou uma carta aberta pedindo a apresentação de “uma proposta coerente” por parte do MGI, considerando “remuneração salarial compatível”, manutenção da estrutura de carreira e exigência de nível superior para o ingresso no cargo de técnico federal de Finanças e Controle.
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