OAB da Bahia perde oportunidade de dar lição sobre democracia ao mundo, por Raul Monteiro*
No momento em que ataques à democracia viram preocupação entre os verdadeiros democratas no mundo todo e a discussão sobre alertas e mecanismos para defendê-la, ainda que de forma incipiente, felizmente também começa a ganhar corpo, não custa nada dar uma olhada ao redor e verificar como estão se comportando as instituições mais próximas que deveriam zelar por ela, dando o didático exemplo de que a praticam e rejeitam quaisquer procedimentos e eventuais comportamentos autoritários de seus líderes. Acompanhar a eleição para o comando da seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) é um bom exercício.A disputa se desenrola entre um nome da oposição, a advogada Ana Patrícia Dantas Leão, e a candidata da situação, sua colega Daniela Borges, que concorre à reeleição, representando um grupo até agora muito bem-sucedido no plano de se perpetuar no comando da entidade, a qual dirige há mais de uma década. Não é pouco tempo. Pelo que se conta e constata, de tão poderosa e articulada, a cúpula ‘oabêiana’ já conseguiu emplacar um desembargador no chamado Quinto Constitucional (vaga destinada a advogados no Tribunal de Justiça) e caminha para fazer novas indicações ao TJ, o que apenas confirma como o sequestro de instituições desvirtua seu papel.
Afinal, não parece estar entre as missões de um órgão de classe com características tão especiais apadrinhar um entre milhares de seus membros para elegê-lo a função tão importante. O plano é tornar o eleito uma espécie de representante destacado, na magistratura, de todos os advogados baianos? Claro que não. No máximo, por mero compadrio, ele vai dever fidelidade ao comando de plantão da OAB. Mas o perigo mora também nas etapas que se cumpre no processo, que não ocorre livre de negociações, primeiro, com os 63 desembargadores que vão projetar o afilhado a uma lista tríplice e, depois, com o governo que vai nomeá-lo a partir dela.
Se se tratam de dois Poderes – o Judiciário e o Executivo – cujos interesses podem colidir com os dos advogados, os da OAB e, principalmente, de tantos outros difusos da sociedade, com que independência e autonomia a Ordem, e se fala aqui, naturalmente, de seu comando, vai se colocar diante deles, depois de ter se submetido a tamanha barganha? O pior é que ao expediente, pelas razões expostas, totalmente questionável, têm se juntado, neste período de tensionamento eleitoral, outras tantas manobras destinadas a dificultar a campanha da chapa adversária, cuja imagem, em tal cenário adverso, naturalmente, começa a despontar com a marca do destemor.
Não há explicação plausível, senão a do simples abuso de poder, para a escolha de uma data inconveniente, no meio de um feriadão, para a votação, muito menos para a imposição de que o processo eleitoral ocorra de forma presencial e não digital, o número de seções seja diminuído no interior, obrigando eleitores a viajar até 100 km se quiserem votar, assim como para tantas outras exigências descabidas, além das dificuldades criadas para que se tenha acesso à lista dos advogados aptos a votar, em cerco feroz contra a mudança, qualquer mudança. O orçamento milionário não é da Ordem, mas dos advogados. Triste mesmo, portanto, é assistir à alergia de seus líderes ilustrados à alternância, princípio elementar da democracia cujo valor a OAB poderia estar, neste exato momento histórico, na província da Bahia, ensinando.
*Artigo do editor Raul Monteiro publicado na Tribuna de hoje.
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