Tensão entre STF e Congresso sobrevive à liberação de emendas, e governo age para apaziguar
Governo entrou em campo para tentar evitar retaliações ao andamento da pauta econômica no Legislativo |
Parlamentares pressionam pela liberação dos recursos sem as amarras impostas pela decisão do ministro Flávio Dino e cobram os termos da lei aprovada e sancionada pelo presidente Lula (PT) na semana passada. Nesta terça-feira (3), o governo entrou em campo para tentar evitar retaliações ao andamento da pauta econômica no Legislativo.
Se o dinheiro bloqueado pelo Supremo não for pago, há a ameaça do Congresso de barrar o pacote de gastos anunciado pelo Ministério da Fazenda.
Em um aceno ao Congresso, a AGU (Advocacia-Geral da União) decidiu recorrer ao STF para pedir explicações sobre a decisão de Dino. Além disso, emissários do Palácio do Planalto também informaram aos congressistas que o governo trabalha para liberar R$ 7,8 bilhões em emendas.
A posição do governo no imbróglio foi tratada na noite de segunda-feira (2) em reunião entre o presidente Lula e os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil), além dos três líderes do governo.
Segundo relatos, o presidente foi avisado que a decisão de Dino caiu como um balde de água fria no Congresso e conflagrou o clima de retaliação. O advogado-geral da União, Jorge Messias, participou de parte do encontro.
Parlamentares reclamam, por exemplo, das mudanças feitas por Dino nas emendas “Pix” (um tipo de emenda individual que caía direto no caixa das prefeituras sem qualquer indicação de como o dinheiro deveria ser usado) e nas emendas de saúde.
No caso das emendas “Pix” já indicadas, o ministro cobrou a apresentação de um plano de trabalho sobre o uso do dinheiro em até 60 dias. Já as emendas de saúde devem ser indicadas, pela decisão, com aprovação prévia nas comissões bipartite e tripartite do SUS.
Dos R$ 7,8 bilhões em emendas que o governo prometeu liberar, cerca R$ 3,2 bi são de emendas “Pix”.
A AGU pediu que Dino reconsidere alguns pontos da decisão de segunda o que, na visão de aliados do presidente Lula, pode abrir caminho para um meio termo entre as novas exigências e a lei recém-sancionada. O voto do relator foi acompanhado pela maioria dos colegas na própria segunda em julgamento no plenário virtual.
No pedido, a Advocacia-Geral da União afirma que a lei “é fruto do diálogo institucional, representando um grande avanço no regramento das emendas parlamentares no ordenamento, ao contemplar os consensos firmados no diálogo entre os Poderes”.
A AGU diz haver “claros avanços na rastreabilidade e transparência” das emendas “Pix”, por exemplo, e sugere que o ministro abra mão do plano de trabalho. Sobre as emendas de comissão, o órgão afirma que a lei “já contém preceitos que atendem satisfatoriamente a transparência” exigida.
Jorge Messias também pede ao ministro que reveja a regra de aumento das emendas parlamentares nos próximos anos, com o argumento de que a nova legislação já estabelece a regra geral do arcabouço fiscal como diretriz para as emendas impositivas.
Um líder ouvido sob a condição de anonimato afirma que congressistas chegaram a discutir a possibilidade de pedir para um ministro do STF paralisar o julgamento (por meio de pedido de vista) ou mesmo apresentar voto diferente (para que a decisão de Dino fosse reconsiderada).
Para surpresa dos parlamentares, diz, o plenário do Supremo formou maioria para manter a decisão do ministro na íntegra menos de duas horas depois da abertura do plenário virtual. O julgamento começou às 18h desta segunda e seria encerrado na noite desta terça.
Líderes partidários esperavam que o Supremo decidisse cobrar as regras mais duras para o pagamento das emendas apenas daqui para frente, liberando sem burocracia os cerca de R$ 17,5 bilhões que estão bloqueados desde agosto.
Um parlamentar ouvido reservadamente diz que, ao cobrar novas medidas de transparência, o STF na prática ignorou uma lei sancionada sem vetos pelo presidente da República uma semana antes.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou nesta terça que a situação será resolvida porque “todo mundo tem juízo”. O senador também fez questão de dizer que o Palácio do Planalto cumpriu o acordo feito com o Congresso.
“Houve um acordo, o presidente fez, assinou o acordo. O acordo
refletia esses acordados entre os Poderes todos, governo, a Casa e lá
[STF]. Na hora em que chegou lá [Supremo], ele consertou o mudado e
botou mais uma mudança, que também não estava. Estamos nesse meio de
caminho. Vai resolver, todo mundo tem juízo. Cada um fez o que lhe é de
direito, mas o acordo obriga todo mundo a sentar e chegar lá.”
O deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da bancada
ruralista, afirmou que a postura do Judiciário atrapalha o andamento dos
trabalhos do Legislativo.
“Não consigo ver tranquilidade dentro da Câmara e do Senado com esse atropelo de decisões, e principalmente com essa ingerência do Poder Judiciário dentro das ações do Legislativo”, afirmou.
Provável presidente da Câmara a partir de 2025, Hugo Motta (Republicanos-PB) pediu que o Judiciário destrave as emendas para dar fluxo ao funcionamento do Congresso e disse que as prerrogativas do Legislativo precisam ser respeitadas.
“Na questão das emendas foi feito um acordo entre os Poderes, onde estavam lá representados o Poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, e o Parlamento quer o cumprimento deste acordo. Não abrimos mão de negociar estes termos”, afirmou.
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